A Associação Cristã do Brasil (ACB) foi o clube que mais cresceu na cidade, nas últimas décadas. À custa de organização, disciplina de seus sócios, muita labuta e bons exemplos.
Acolheu todos aqueles que eram desprezados nas outras agremiações: mães solteiras, desquitados, drogados, ex-presidiários.
Tinha como principais regras de seu Estatuto Social coisas como hierarquia absoluta com o Criador acima de tudo; amar o próximo; honestidade; preservar a vida; preservar a natureza, que consideravam um dom divino; ajudar os menos favorecidos, que são criaturas do Criador.
O clube cresceu muito e foi se destacando na sociedade local. Seus sócios davam-se muito bem com as outras agremiações, de todas as tendências, e se completavam nas ações pelos pobres, cada um dentro dos seus limites, sempre se respeitando.
Eram pessoas muito gentis, muitos deles simples, porém educados, e todos solidários. Eram polidos na linguagem. Tratavam bem mulheres e crianças. E respeitavam aqueles que eram diferentes.
O crescimento do clube atraiu a atenção de pessoas mal-intencionadas, que enxergaram bons negócios. Bons de conversa, aproveitaram-se da boa fé dos sócios para serem admitidos, e se tornaram minoria influente na agremiação.
Usando toda a sua influência, passaram a dominar, usando os sócios para fazer crescer os seus negócios e realizar os seus interesses. E com isso auferiram grandes lucros.
Com o tempo, cresceram de importância e passaram a influenciar na sociedade local. Garantiram a presença de membros que tinham a mesma afinidade, infiltrando-se nas instituições. E assim promoveram a associação da religião com a política, embora a sociedade tivesse um sentido laico.
Aconteceu que numa determinada época foi eleita democraticamente para a comunidade uma corrente que tinha outras orientações políticas e sociais. Era originária das populações menos favorecidas, pelas quais passaram a zelar. Isso passou a desgostar os membros da ACB, que tinham tendências mais elitistas. Mas, como bons cristãos, respeitaram e toleraram.
Eis que um dia alguém levou um indivíduo para associar-se na ACB. Apresentou-se com um discurso ultraconservador, o que causou uma boa impressão entre os sócios. Mas, como ele tinha outra orientação, foi admitido como sócio honorário.
Passou a se destacar com uma pregação elitista, totalmente contrária à da administração da cidade, porém muito simpática aos membros da ACB. A sua fala foi ao encontro dos seus sócios, embora demonstrasse desprezo por educação, cultura, coisas que achava demonstração de fraqueza.
Eles relevaram isso, achando que ele era um pouco exagerado, mas não era má pessoa.
Com o tempo, começaram a surgir reclamações para a diretoria. Ele está roubando comida na dispensa. Ah, mas é um bom patriota. Está destruindo o jardim. Ah, mas é um bom patriota. Quase atropela um deficiente que atravessava na faixa de pedestres. Ah, mas é um bom patriota. Está maltratando mulheres e crianças. Ah, mas é um bom patriota. É muito grosseiro, a sua linguagem é chula. Ah, mas é um bom patriota. Se comporta totalmente fora do padrão dos sócios da ACB, ferindo os princípios de um bom cristão. Ah, é o jeito dele. Mas é um bom patriota e é anti-populista. E foram o deixando ficar no clube.
E assim, graças à sua falsa humildade ao Criador, e ao seu discurso elitista ele foi crescendo dentro da agremiação, ganhando o apoio incondicional dos sócios, colocando pessoas de sua confiança, e influenciando cada vez mais. Em apoio ao pensamento anti-populista, passaram-lhe um cheque em branco.
Com o apoio incondicional dos associados, ele foi eleito, também democraticamente, para dirigir a cidade.
A sua pregação raivosa dividiu a sociedade local e provocou mudanças profundas nas relações com as outras agremiações da cidade, gerando uma intolerância que jamais tinha acontecido, isolando cada vez mais a ACB.
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Esta é uma história de ficção. Porém está muito perto da realidade que estamos assistindo.
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