O CHEIRO DA CHUVA, por Frutuoso Chaves

Imagem copiada de tempo.com

Gosto das tardes chuvosas, com pingos d’água suficientes para molhar o chão ou, quando muito, para o despertar de algumas biqueiras. Sei que nos sítios e roças, elas ainda enchem potes e jarras a serviço do banho e da cozinha. Na cidade, dão tons de cinza à paisagem, espantam os meninos das ruas e forçam as reuniões da família quando coincidentes com as férias, ou com as folgas de fim de semana.

Hoje, foi assim. Pus-me em casa, à tarde, a bisbilhotar a internet em busca das novidades do mundo nem sempre boas, infelizmente. Isso feito, voltei a atenção para a chuva e senti seu cheiro.

Será que todos o pressentem da mesma forma, com um mesmo odor? Talvez, não. Talvez, a brisa transporte a cada ser vivente fragrâncias diferentes de terra molhada – ou de asfalto, por que não? – conforme lhe sejam as misturas de lembranças e sentimentos. Primeiro, invadem o cérebro, a emoção. E, somente depois, as narinas.

Para mim, pessoalmente, a chuva tem cheiro de infância. Desperta-me algumas recordações e me devolve os bons momentos. Ora me traz as histórias da Carochinha contadas por minha avó, ora o som do búzio tocado por moradores ribeirinhos para o aviso de enchentes no Paraíba.

Às vezes, sob o protesto da minha mãe, meu pai acordava os filhos pequenos, noite alta, para ver a cabeça da cheia. Os adultos fincavam pequenas estacas na margem do rio, exatamente na linha d’água, para medir o progresso do alagamento. “Vai ser cheião” – antevia alguém mais experiente, se as tais estacas fossem logo encobertas. E tratavam de deslocá-las para a nova linha d’água no rio agora mais largo.

Lanternas varriam a correnteza, a fim de permitir a seus donos a visão daquilo que era levado a boiar, rio abaixo. Passasse bicho morto, ou madeira trabalhada, não era outra a conclusão: o Paraíba tinha invadido rua, de Itabaiana para cima. E um temor assaltava a todos, naquele momento: “Será que a barragem de Boqueirão aguenta?”.

Dia amanhecido, águas contidas em leito seguro, a cidade inteira acordava mais alegre. A freguesia do meu pai achegava-se ao balcão da Padaria com semblantes risonhos. O inverno seria bom, o que significava colheita farta, gado gordo e dinheiro no bolso. A chuva, então, recendia a felicidade. E é assim, exatamente, como eu, ainda hoje, a percebo.

É BOM ESCLARECER
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