CUPIDO SUSTENTÁVEL, por Babyne Gouvêa

Cassino da Lagoa. Nos anos 60, Restaurante Estudantil

Na fase da vida em que os hormônios chegam chegando, não há limites para quem almeja soltar todo tipo de amarras. Imaginem para uma adolescente mimada, criada no cós do papai.

Na estrada da vida seguia Ana Lúcia, lépida e fagueira. Era uma menina-moça graciosa, mas se sentia esplendorosa. Considerada pelos amigos um anjinho inocente, não sabiam eles que por trás daquela candura existia uma ânsia de autonomia.

Num arroubo de extravasar-se, a mocinha revelou-se. Certo dia, depois da aula na Aliança Francesa, seguiu em direção ao Cassino da Lagoa, então Restaurante Estudantil, no centro de João Pessoa.

Aconteceu em 1968, quando lá estudantes se reuniam, discutiam, mobilizavam e planejavam manifestações contra a ditadura. 

Ela passou os olhos na estudantada e só viu ‘pão’, sinônimo de rapaz bonito naquele tempo. Voltaria mais vezes ao restaurante, onde Ana Lúcia ficava num pé e noutro, procurando forma de chamar atenção.

Em uma dessas visitas, ela usava minissaia e meias arrastão. E não tinha a menor ideia sobre o que estava sendo discutido naquela assembleia quando chegou a notícia de que um carro estava pegando fogo no Ponto de Cem Réis.

Foi um Deus nos acuda. Assim como tantos outros presentes, Ana Lúcia saiu dali correndo, desesperada e sem saber do que se tratava, mas intuindo que seria perigoso permanecer naquele lugar.

Na fuga, a moça rasgou suas meias.  Quando percebeu a tragédia, cuidou de buscar abrigo seguro. Encontrou. Certa de estar fora do alcance de possíveis olhares impróprios, apoiou-se no tronco de uma árvore e discretamente livrou-se do incômodo.

Enquanto isso, a polícia, na tentativa de identificar os responsáveis pelo incêndio, espalhou-se do Ponto de Cem Réis ao Parque Solon de Lucena, onde estão a Lagoa e seu Cassino. Ao ver de longe a movimentação dos meganhas, a menina, receosa, não contou conversa. Subiu na árvore para se esconder.

Estava atônita sem saber direito o motivo de tanta confusão. Afinal, o seu objetivo era flertar e ser observada por quem lhe interessava. A pauta daquelas reuniões estudantis chegaria ao seu conhecimento tempos depois.

Assunto de política era tabu tanto em sua casa como na escola. Nesta última, até se justificava – a idade das alunas era pouca para entender o que o momento exigia.

A árvore que serviu de esconderijo para Ana Lúcia se mantém frondosa e guarda segredos de um inesperado encontro com um secundarista que nela também se escondia.

A luta de cada jovem tinha direções distintas, mas não incompatíveis. Tanto que comprovariam: a sedução amorosa independe de ideologia ou opção política. E foi o que ocorreu. Sob as bênçãos da natureza.

É BOM ESCLARECER
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Uma resposta para CUPIDO SUSTENTÁVEL, por Babyne Gouvêa

  1. Uma forma totalmente inusitada de se começar um romance que durou décadas e criou raízes e frutos.
    Totalmente imprevisível para manifestantes ‘gordos”…
    Muito bom texto, Babyne, belas recordações!