CARTA AO MEU IRMÃO, por Babyne Gouvêa

Imagem: Wikipedia

Estava aqui, plena madrugada, pensando em você, meu irmão querido, e me lembrando de tudo o que você me ensinou.

Iniciei as memórias com a sua fase do rock, está lembrado? Vestido como Elvis Presley, incluindo o topete fixado com brilhantina e, com alguns talheres, batia nas panelas penduradas na cozinha, fazendo o som da bateria. A nossa mãe ria, como uma grande fã. Eram momentos plenos de felicidade.

E o Let’s Twist Again, lançada por Chubby Checker? Você me dando aulas da nova dança para eu exibir no colégio toda orgulhosa diante das colegas? E olha que eu assimilava bem as suas orientações.

Ah, querido, as lembranças da sua coleção de vinil na radiola portátil contribuíram muito para os meus interesses musicais, mantidos até hoje.

Como esquecer a primeira vez que escutei La Vie En Rose, de Edith Piaf e Louis Guglielmi, e interpretada por Louis Armstrong? Lembro, inclusive, da capa do disco exibindo Armstrong com o seu trompete e um plástico protetor que, de tanto zelo, você não admitia retirá-lo.

Você foi o responsável por me apresentar à voz magistral de Frank Sinatra, chamado intimamente por você de Frank. Lembra como eu reagi ao ouvir Nat King Cole? Sabe que está bem vivo na minha memória esse instante de exaltação diante da beleza da voz desse imortal cantor? Se eu fosse enumerar os tantos prazeres musicais que você me proporcionou, não terminaria essa carta.

Entre uma canção estrangeira e outra nacional, você me chamava para ouvir Celly Campello e o seu Estúpido Cupido. Cantava para os meus amigos da rua da minha infância, com os movimentos do twist. Estendi esse aprendizado às minhas amigas do colégio e toda envaidecida dizia que o instrutor tinha sido o meu irmão mais velho.

Quando veio a Jovem Guarda você se esquivou, não tinha tanto interesse, preferia escutar a Bossa Nova. Nesse momento, conciliei a Bossa Nova e a Jovem Guarda, era seguidora dos dois movimentos; a primeira discórdia musical entre nós, mas o respeito continuou. Você, também, não foi fã ardoroso dos Beatles, ao contrário de mim, que sempre os acompanhei.

Lembro do seu ciúme quando fui ao cinema assistir aos filmes dos quatro cabeludos. Eu ria com essa situação, dizendo que era a hora de você acompanhar a sua irmã caçula.

Ah, meu irmão, quantas lembranças boas. O seu Jeep Candango que, de tão desconfortável, derrotou os seus rins, segundo as suas explicações, atribuindo ao veículo a causa dos seus cálculos renais. Só você mesmo desenvolveria essa teoria nos seus instantes de desabafos hilários. Quem lhe conhece fará toda a cena no  imaginário.

Não conheço um contador de histórias melhor do que você. Um conto desagradável você tem a capacidade de transformá-lo em risível, leve, levando graça a quem o escuta.

E aquele acontecimento em Ilhéus, hein? Já estou rindo, só recordando os seus gestos interpretando o protagonista da história, mostrando o local recém-operado que, por discrição, prefiro omitir. Só com você poderia acontecer esse fato.

Não quero me estender muito, abomino ser cansativa, mas não poderia deixar de enaltecer o seu espírito amoroso e solidário, motivo de lhe engrandecer e ser amado por todos de seu convívio.

Estou com saudade. Saia desse lugar que não combina com você. Eu e um grupo enorme de pessoas que amam demais você estamos aguardando a sua saída para podermos retomar os nossos dias felizes.

Sinta-se beijado pela sua irmã caçula, 

Babyne

É BOM ESCLARECER
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Uma resposta para CARTA AO MEU IRMÃO, por Babyne Gouvêa

  1. A autora decanta, de uma forma muito lírica, a sua admiração, o seu amor pelo irmão querido, que está temporàriamente distante, mas que breve retornará ao seu convívio.
    Belo texto, Babyne.