O JUIZ DO INTERIOR, por José Mário Espínola

Pombal, onde a história começa (Foto: ferias.tur.br)

A esposa do juiz despertou com a brisa suave entrando pela janela. O que lhe chamou a atenção foi a presença de uma brisa, coisa rara no Sertão paraibano, mesmo à noite. Foi quando notou que a janela do quarto estava toda aberta. E o marido fumava na janela. Foi para junto dele e ficou deslumbrada com a beleza do firmamento. A Via Láctea derramava todo o seu conteúdo no céu, nunca o vira tão belo.

Há poucos anos casada e morando sempre no interior, ficou apaixonada pelo céu de Pombal! Como era diferente do céu da capital. Diante dele o céu de João Pessoa era mais pobre, achou ela. Pois Pombal quase não tinha luzes acesas à noite. Assim podiam ver tudo, todas as estrelas e constelações.

“Aquela ali é a constelação de Escorpião! Dá para você perceber, preste atenção: a estrela vermelha é o olho do escorpião; chama-se Antares. Olha lá: aquelas estrelas mais para cima formam as patas direitas. E as de baixo, inclusive a apagadinha, formam as patas esquerdas. A longa cauda é formada pelas estrelas que seguem na direção oeste, à nossa direita. As estrelas se enrolam para cima e esquerda, formando o ferrão!”

Seu prazer era evidente ao descrever o céu. Ele era apaixonado pela natureza e assim lia muito sobre astronomia. Tudo isso a conquistou, além do seu carinho. Havia seis anos que ele era juiz do interior, preenchendo as comarcas vagas, transferido aqui e ali. Deslocava-se de tudo o que fosse necessário: boléia de caminhão, carroça, lombo de burro. Um inverno teve que atravessar rio cheio a nado, pois a canoa acabara de afundar.

Francisco Espínola, desembargador

Nessa noite algo tirara o seu sono. Ele fazia tudo para não preocupá-la, mas ela sentiu que alguma coisa não ia bem.
“Por que você ainda está acordado a esta hora?” Deu-lhe um beijo e disse: “Estou decidido: vou vender a máquina de escrever!” Ela ficou chocada: ele tinha orgulho da sua máquina de datilografar, uma Remington modelo 1939.

– Mas por quê?? Logo a sua máquina!?

– Não tenho outro bem. Já entrei para o segundo mês devendo a mercearia. Sinto-me mal assim. Tenho vergonha de encarar as pessoas.

– Mas você é o juiz. Seu conceito é elevadíssimo na cidade!

– É exatamente isso o que eu quero preservar: o respeito.

– Mas você só tem a sua Remington de estimação!

– O tabelião do cartório me ofereceu um bom preço por ela. Vou vender-lhe. Garantirá alguns meses sem entrar na caderneta da mercearia.

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Paulo Bezerril, desembargador

Paulo Bezerril, desembargador

Essa cena é real e aconteceu nos anos 1940. Ela retrata como era a vida de um magistrado, do final do século IX até os anos 1960. Tanto na Paraíba como no resto do Brasil.

Verdadeiros pioneiros desbravando os sertões do Brasil, eram profissionais mal remunerados, apesar de sua importância. Eles tinham que arcar com as suas despesas. Pagavam a moradia, geralmente de aluguel. Pagavam o próprio transporte: não dispunham de viaturas à sua disposição.

Não tinham secretários nem qualquer tipo de assessoria. Faziam seus acórdãos, pareceres, suas decisões, tudo à própria mão. Poucos dispunham de máquina de datilografar. Quando muito usavam a máquina do cartório. Geralmente tinham família grande, pois não existiam métodos anticoncepcionais ou a sua religião não o permitia.

Apesar de todas essas provações eram figuras altamente respeitadas por serem honradas, que não deixavam de cumprir a lei. Além de magistrados honestos, eram também humanos, tratando as pessoas sem arrogância. Sabiam exercer a justiça e aplicar a lei sem excessos.

Eram igualmente pessoas discretas, dentro de sua comarca. Estas eram geralmente cidades pequenas. Respeitadíssimos, os juízes eram admitidos nas sociedades das cidades por onde passavam, e por elas transitavam, sabendo manter um bom relacionamento sem se envolver, sem tomar partido. Coisa muito difícil nessas comarcas, onde a política era sempre o assunto dominante.

Walter Sarmento de Sá, desembargador



Quando finalmente eram promovidos para morar na capital ou em Campina Grande, buscavam então financiamento no Montepio do Estado da Paraíba, para comprar uma casa própria ou a construir.

Família grande, muitas despesas com colégio e alimentação, não podiam ter carro próprio. Iam para o Tribunal de Justiça, então, em ônibus de linha ou bonde.

Gustavo Urquiza, juiz

Para complementar a sua renda, partiam para exercer o que podiam: o magistério. Assim tornavam-se professores do Liceu Paraibano ou dos cursos superiores que começavam a surgir na capital.

É claro que havia exceções: um ou outro juiz era rico de berço, procedente de família abastada. Mas isso não influenciava na sua conduta ilibada, sendo sempre referência de moral inabalável. Assim, conservavam o respeito da sociedade como o fazem até os dias de hoje.

Somente na década de 1970 é que os juízes passaram a ser valorizados e conquistaram benefícios justos e merecidos, os quais conservaram até os dias de hoje. Em 1988, a nova Constituição permitiu que as Leis Orgânicas do Judiciário solidificaram todas essas conquistas, possibilitando que os juízes dediquem-se ao pleno exercício da magistratura.

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Marcos Salles, juiz

Invoco aqui dois vultos que representam o juiz-padrão do passado pioneiro: os já falecidos desembargadores Francisco Floriano da Nóbrega Espínola, Walter Sarmento de Sá e Paulo de Morais Bezerril. Através deles presto a minha homenagem a todos os juízes que foram verdadeiros pioneiros da magistratura, levando a Lei e a Justiça aos mais distantes rincões de nossa terra.

E para representar os juízes da moderna magistratura cito os doutores Marcos Coelho de Salles, em plena atividade, e Gustavo Leite Urquiza, que está deixando agora a vida profissional ativa. A todos eles a minha mais sincera homenagem.

  • SEQUÊNCIA DA ILUSTRAÇÃO – Foto antiga da cidade de Pombal, Paraíba, copiada do site ferias.tur.br. Fotos de Francisco Espínola e Paulo Bezerril copiadas do livro ‘História do Tribunal de Justiça da Paraíba’, de Deusdedit Leitão e Evandro Nóbrega. Foto de Walter Sarmento de Sá fornecida por José Mário Espínola. Fotos de Gustavo Urquiza e Marcos Salles copiadas do acervo do TJPB
É BOM ESCLARECER
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Uma resposta para O JUIZ DO INTERIOR, por José Mário Espínola

  1. PAULO montenegro escreveu:

    Estudante de medicina, entre 1973 e 1978, do terceiro ano em diante fiz prova de suficiência para a disciplina de biologia e passei a ensinar essa disciplina como professor contratado pela Secretaria Estadual de Educação. Conto o fato acima, porque foi a partir desse salário, além de uma monitoria em que fui aprovado em anatomia, disciplina chefiada pelo saudoso e digno Mestre Prof. Asdrúbal Oliveira, quando, então, com um dinheirinho além da mesada paterna, passei a frequentar alguns ambientes mais requintados da nossa capital. Digo: do cabeleireiro a alguns restaurantes, e até mesmo cheguei a poder comprar meu primeiro automóvel, um corcel 1970. Meu grupo de amigos à época, tínhamos o hábito de frequentar no final da tarde em determinado dia, um restaurante que ficava na Av General Osório, fazendo esquina com a ladeira que vinha da praça Pedro Américo, se não me falha a memória, o dito restaurante se chamava: Casa Velha. Pois bem, foi ali que, em tardes variadas, vi entrar um Senhor ,de estatura franzina, porém, elegante e por todos os presentes reverenciados. Certa vez, estava na nossa mesa, os Deputados Judivan Cabral e Eilzo Matos, quando o citado Senhor adentra o restaurante para ocupar sua mesa cativa. Ato contínuo, os dois deputados se levantaram e foram cumprimentar reverentemente aquele senhor. Ao retornarem para seus lugares, ouvi ambos dizerem: este é o Desembargador Francisco Espínola, um dos ícones da justiça paraibana. Foi assim que passei conhecer e saber porque aquele senhor magricelo e tão simples, era tão estimado e respeitado.