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Início dos anos 1980, desembarquei em João Pessoa vindo de São Paulo, após fazer pós-graduação em Cardiologia com o Professor Euríclides de Jesus Zerbini, no Hospital da Beneficência Portuguesa de São Paulo.
Lá, tive a oportunidade de conviver e aprender com a nata da cardiologia brasileira de então. Além dos mestres Radi Macruz e Euríclides Zerbini, havia também a grande cardiologista paraibana Dra. Valéria Bezerra de Carvalho, ao lado de colegas como Dra. Ângela Raineri, Dr. Getro Artiaga, Dr. Egas Armelin e Dr. Siguemetuso Ariê. Sem falar em outra grande estrela desta constelação, o Professor Luís Venere Decourt, gênio nas artes do coração, e o não menos brilhante Dr. Paulo Moffa.
Frequentei também cursos de extensão no Instituto Dante Pazzanezzi de Cardiologia, onde tive a felicidade de ser aluno dos professores Adib Jatene e Eduardo Souza.
Retornando para João Pessoa, fui acolhido pelo Dr. Ricardo Maia, outro mestre da cardiologia, que me cedeu uma tarde de plantão na recém-fundada clínica Centrocor. A princípio localizada na Av. Epitácio Pessoa, a clínica posteriormente funcionou nas instalações do Hospital Santa Izabel. E é aqui que começa a história.
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Em um plantão do Centrocor, tive a oportunidade única de atender um cidadão notável, fazendeiro de Araruna: Manuel Martins Teixeira. Um homem inteligente, de personalidade forte, desses que literalmente “não abrem nem prum trem!”. E foi justamente o que lhe aconteceu, tendo sua caminhonete voado para longe: perda total. Escapou fedendo a óleo!
Socorrido no Hospital do Pronto Socorro, foi constatado que apresentava um quadro de hipertensão. E, como não havia quebrado nada, o urgentista do Pronto-Socorro mandou que procurasse um serviço de urgência em cardiologia. A família levou-o, então, para o Centrocor.
Após examinar o paciente, constatar que a pressão estava apenas levemente alterada e que o eletrocardiograma nada tinha senão somente alterações próprias de hipertensos, mediquei-o e liberei-o para a sua residência. Naquela ocasião eu não sabia, mas estava nascendo uma sólida amizade.
Ao longo de mais de duas décadas, tive contatos frequentes com Manuel Martins. Bons momentos. Ele sempre procurava saber das minhas predileções, dos meus gostos. E sempre me agraciava com alguma coisa, nas consultas ou fora delas: às vezes um peru, outras vezes um bolo, um cacho de cocos, um pato, uma baba-de-moça, uma canjica, um pé-de-moleque, feitos por Dona Nevinha, sua delicada e devotada esposa.
Um bom exemplo da estima (recíproca) de Manuel Martins por mim: conhecedor do meu bom humor, Manuel Martins, que também era muito bem humorado, passava o tempo entre uma consulta e outra escolhendo e decorando uma piada, a qual no dia da consulta levava e me oferecia como que embrulhada em papel-crepom, como se fosse um mimo!
Geralmente, acompanhava-o um dos filhos mais novos, muito atenciosos para com o pai, que lhe serviam como motoristas. Chegada a hora da consulta, Manuel Martins com muita dificuldade se continha: já entrava no consultório sorrindo, mal esperando pelo momento! Ao final da consulta, ele “desembrulhava” a piada e me oferecia, contando… Ambos caíamos na gargalhada! Acho que os pacientes na sala de espera ficavam escandalizados.
Pois bem, em suas pesquisas sobre a minha pessoa, um dia Manuel Martins ficou sabendo que eu gostava muito de jaca dura. Mandou, então, buscar a melhor jaca do seu sítio de Araruna, para me presentear de surpresa. Antes que eu recebesse o presente, porém, surgiu o imponderável, na forma (involuntária) de O Mestre.

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O fato é que na última consulta a análise dos exames revelara um antígeno prostático, o PSA, bastante elevado, em níveis preocupantes. Recomendei que o paciente procurasse um urologista, para investigar melhor.
Indagado para quem devia ir, apresentei-lhe três opções, como sempre faço. O paciente decidiu, então, ir se consultar com O Mestre, que havia sido meu professor no curso médico e também era um especialista muito bom em sua área. Muito boa a escolha, portanto, pois se tratava de excelente profissional, professor catedrático dessa disciplina.
No dia previamente aprazado, lá estava Manuel Martins ainda tranquilo, inocentemente aguardando a sua vez na sala de espera de O Mestre. Lá pras tanto foi chamado: chegara a sua vez.
Ocorre que alguma coisa aconteceu na consulta, deu alguma coisa errada. Talvez O Mestre não tenha explicado direito como seria o exame físico que um urologista faz. Ou talvez não se tenha feito entender bem. Ou mesmo, estando num dia daqueles, pode ser que O Mestre tenha sido muito brusco ao examinar o paciente.
O fato é que após a consulta, saindo do consultório do urologista, entra Manuel Martins na caminhonete. O filho liga o carro, engata a primeira e pergunta:
-E aí, pai, como foi a consulta?
Vermelho, suando, olhar sombrio, sem nem sequer encarar o filho, Manuel Martins decretou:
– CANCELA A JACA DO DOUTOR!
Pois é, inocente de pai e mãe, eu perdi a minha jaca…
José Mário Espínola
Frugívoro
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