Meus olhos já não conseguem ler com facilidade o texto impresso em corpo 10, nas páginas amarelas daquela edição de 20 de dezembro de 1990, da Revista “A Carta”, a publicação semanal mais aguardada, àquele tempo, pelo público leitor da Paraíba.
Preciso voltar ao oculista, mas, enquanto isso, tenho uma lupa em meu socorro. E tenho, afortunadamente, a entrevista que fiz para aquele espaço com a professor Ângela Bezerra de Castro.
“Foi amor à primeira (re)vista”, anotei na dedicatória do exemplar que a ela ofereci. Do mesmo sentimento tomaram-se dona Miriam, a moça do Rio Grande do Norte com quem casei, e os três filhos que parimos.
Ângela é desses seres humanos cativantes, seja nos tratos do que mais gosta, a Literatura, seja no aconchego daqueles que a abracem e por ela estejam correspondidos. Logo se faz de casa, com modos simples de moça de fazenda, coisa que, sob tal aspecto, nunca deixou de ser.
Foi o amigo Walter Galvão que fez as apresentações. Título da matéria: “Sem papa na língua”. Bem Ângela, não?
“Temos o que ensinar, sem ter a quem. Temos um aluno que não se interessa”, foi sua resposta à pergunta inicial sobre o propósito de deixar a Universidade, para o qual também pesava a falência do sistema educacional brasileiro.
Na ocasião, ainda não havia sido lançado o livro “Fortuna crítica de José Lins”, coedição da Civilização Brasileira que ela assina com o professor Eduardo Coutinho. E ainda estavam em andamento dois outros ensaios: um sobre a temática amorosa na poesia de Carlos Drummond de Andrade e outro sobre a narrativa do mesmo Zé Lins, cujo talento exalta.
Era, exclusivamente, ao ato de escrever que a professora Ângela pretendia dedicar-se, a partir dali. Mas é preciso dizer que a aposentadoria, ainda muito nova, foi alcançada ao cabo de décadas de magistério.
Ainda estudante, partícipe das lutas idealistas, compôs o quadro de alfabetizadores de adultos na Campanha de Educação Popular, com o método e a inspiração de Paulo Freire. Formou-se, primeiramente, em Direito e se afastou da carreira de advogado, ou juiz, por amor ao ensino.
A menina que se ocupava com estudar e ensinar em colégios particulares e, depois, na Escola Técnica Federal, quase não conseguiu o emprego de professora universitária, apesar da aprovação, em primeiro lugar, no concurso público. O golpe militar de 1964, dez anos depois de ocorrido, ainda punha em prática as suas perseguições. Um pró-reitor disse-lhe que a Universidade que fazia concurso não era obrigada a contratar. Diante do homem, Ângela e sua coragem estranharam que a Universidade dispusesse de tempo para brincar.
A contratação deu-se ao fim de uma batalha de três anos, tempo durante o qual recorreu, judicialmente, contra seu impedimento. Ela, contudo, lastimaria que a sua não tinha sido, também, uma vitória do direito nem da justiça. “É que havia chegado a hora de entrar todo mundo”, disse-me.
Minha primeira leitura acerca da campanha para Ângela Bezerra de Castro na presidência da Academia Paraibana de Letras foi propiciada pela acuidade do companheiro Rubens Nóbrega. Será este, com a força e o prestígio da sua pena, um dos grandes serviços à Paraíba,
Dela mesma nada ouvi, apesar dos nossos contatos em mensagens que acontecem, quatro ou cinco vezes por dia, com pequenos intervalos.
Mas Ângela é assim. É muito maior do que uma ou outra ambição pessoal. Nem sei se cultiva alguma em relação à APL. O que nela percebo é um ser coletivo que pensa e age em benefício do mundo a que pertence.
Minha paraibanidade torce para que a Academia a tenha no comando. Certamente, também assim esperam todos aqueles que enxergam a importância dessa moça para a boa formação de sucessivas gerações de leitores. É ação, aliás, indireta, pois com origem na crítica que aprimora a percepção e a linguagem dos que nos escrevem e publicam livros.
Duvido de que tenha feito mais pela formação cultural dos paraibanos dentro da Universidade – onde muito já fez e onde suas publicações são objetos de estudo – do que fora dela. Educar, no sentido mais extenso do termo, é sua sina.
Outras qualificações ao cargo para o qual a feliz iniciativa da legião de admiradores pretende conduzi-la dizem respeito à gestão de organismos da administração estadual para onde a levaram, tempo atrás, a dignidade e a competência. Em que melhores mãos a APL poderia estar?
- Frutuoso Chaves é jornalista e escritor
Reproduzido do Blog do Tião
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