MISERICÓRDIA! por José Mário Espínola

Foto: imagem por mera ilustração copiada de medium.com

Rendo aqui minha homenagem ao amigo Derly Minervino de Carvalho, que já partiu, e que me contou essa historieta deliciosa.

No começo dos anos 1950, a cidade de Misericórdia, hoje Itaporanga, levava uma vida que fluía mansa como as águas do Rio Piancó. Abraão Diniz era o prefeito. Homem bom, benquisto, de poucas letras, porém muito preocupado com o bem-estar dos cidadãos e com o desenvolvimento da cidade, que sofria a concorrência de Piancó, então a mais pujante do Vale.

A cidade crescia devagar, afastando-se lentamente da vilazinha que era. No começo dos anos 1930, foi uma das poucas que conseguiram resistir ao cerco do cangaceiro Zé Paulino, “cabra” do coronel Zé Pereira que espalhou o terror pelo Alto Sertão, durante a Revolução de 1930.

Nem tudo era manso na cidade, todavia. Qual um tumor inflamado, crescia latente um sentimento de ódio e vingança entre as damas da sociedade local. O motivo, muito forte por sinal, era justamente uma consequência do desenvolvimento de Misericórdia. Acontece que a cidade cresceu muito e “engoliu”, fagocitou o cabaré, que de repente se viu dentro do perímetro da cidade, para desespero das damas da sociedade.

E, para dor de cabeça do prefeito, que já não aguentava mais a pressão das mulheres da alta sociedade, principalmente as Zeladoras da Matriz, para acabar com o cabaré, expulsar todas as mulheres da vida, varrer aquela chaga da cidade, pois era uma falta de respeito, uma afronta a todas elas, à moral e aos bons costumes. E, cá pra nós, eram também fortes concorrentes.

Muito preocupado, Abraão Diniz reuniu certa noite os homens da sociedade, inclusive o padre, todos com profuuundo interesse no assunto, para juntos chegarem a um bom termo, de tal forma que não perdessem suas respectivas. Nem as de cá nem as de lá.

Consulta um, fala com outro, e terminaram chegando a uma solução. Tio João Silvino doaria uma roça que tinha do outro lado da rodagem, para construir um novo cabaré. Os demais entrariam com o dinheiro ou material necessário. E estaria tudo arrumado, para o bem de todos. E de todas, também.

Contratou, então, um mestre-carpinteiro, pois nesse tempo não havia engenheiro nem arquiteto por lá. E deu a ordem para construir o novo cabaré. Homem prático, profissional de mão-cheia, papel e lápis na mão, o Mestre perguntou ao prefeito:

– Como o Sr. quer o cabaré?

O prefeito pensou, coçou a cabeça, e disse:

– Ora, quero que seja um cabaré como todo cabaré: uma fachada com janelas; porta principal dando para um grande corredor; muitos quartos de um lado e do outro; e com o corredor terminando num bar dentro de um salão, para os homens beber ginebra e jogar baralho. E as muié dançar umas com as outras (nesse tempo homem que é homem num dançava, não!).

O mestre anotou tudo. E perguntou:

– Qual o tamanho do salão?

O prefeito pensou, pensou, e respondeu:

– Faça grande o suficiente para Pitanga e Balduíno frequentarem sem trocar tiros.

O Mestre fez as anotações, calculando as medidas, transformando tudo em pés e polegadas, pois estas eram as medidas da época. E perguntou novamente:

– Qual a altura do salão?

O prefeito caiu na gargalhada.

– Faça alto suficiente pros homi num ingalharem os chifres! – ordenou.

Sem perder a seriedade, pois era um profissional respeitável, o Mestre anotou tudo. E fez mais uma pergunta:

– Prefeito, qual a largura do corredor?

Abraão Diniz era um homem prático, porém não gostava de perguntas difíceis. Coçou a cabeça, olhou prum lado, olhou pro outro, e respondeu abusado, para encerrar o assunto:

– Homi! Faça da largura de dois homens brigando, ora bolas!

Pano rápido.

José Mário Espínola
Aprendiz de Mestre Carpinteiro

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