O MEDO À LIBERDADE (III), por Rubens Pinto Lyra

As sociedades são até hoje dominadas por forças que muitas vezes fazem o homem abdicar de sua liberdade.

Nesses casos, consciência e ideais se reduzem geralmente à interiorização de exigências externas (que Fromm qualifica de autoridade externa e Freud de superego) e não à expressão de objetivos oriundos de seu próprio eu.

Somos manipulados por uma espécie de força difusa, invisível, de forma que não nos conduzimos conforme valores por nós elaborados, mas de acordo com um pretenso senso comum, conveniências sociais, comportamento “normal”, opinião pública e outros que tais.

Não obstante, alimentamos a ilusão ideológica de termos plena liberdade, quando, regra geral, se não nos nivelamos a autômatos, deles nos aproximamos.

Mas o que de fato determina nosso comportamento são motivações inconscientes, as quais, embora não resultantes de escolha original nossa, são percebidas como se fossem pela maioria.

Vivemos sob a égide do capital, o que não favorece a formação de uma consciência crítica voltada para a realização dos valores da igualdade e da justiça social nem práxis autenticamente democrática, requisitos para a construção de uma sociedade livre.

Em conseqüência, vicejam concepções assistencialistas, que estimulam campanhas como a do “Natal sem Fome”, a que a mídia televisiva confere grande destaque e para cujo êxito se mobiliza o melhor das energias de centenas de pessoas. Apesar de se conhecer de antemão o seu resultado pífio: o de saciar a fome de seus beneficiários por apenas um dia!

Mas a ideologia dominante obscurece a percepção da enorme desproporção entre a poderosa mobilização para o êxito de tais campanhas e o modestíssimo objetivo por elas alcançado. Nesse mesmo “modelo” se enquadra o programa Criança Esperança, da Rede Globo: mero apelo à caridade individual, apresentada como alternativa consistente à ação do Estado, única capaz de reduzir a desigualdade e promover a inclusão social.

O grande destaque dado a essas campanhas despolitiza a questão da fome cuja resolução passa por reformas estruturais, visando promover a distribuição de riqueza, face à sua crescente e, de há muito, escandalosa concentração de renda.

É consabido que o Brasil ocupa, no campeonato de desigualdade social, vergonhosa liderança: um por cento de sua população concentra 28% da renda nacional!

Em que pese tão assustador contraste social, esse tema não foi colocado para debate pelas esquerdas na recente campanha eleitoral, mais uma omissão que contribuiu para o seu fracasso.

A opção majoritária, por parte do eleitorado, por um candidato simpático à ditadura militar, abertamente hostil aos direitos dos trabalhadores, tornou evidente que a luta ideológica contra os valores propagados pelo mercado, indispensável, não é, contudo, suficiente para enfrentar o alheamento de muitos eleitores em relação às virtudes da democracia.

Ficou evidenciado que a possibilidade da construção exitosa de uma ideologia contra-hegemônica tem como pré-requisito a compreensão da realidade mais íntima do indivíduo e das condicionantes de natureza psicológica que o induzem – especialmente em situações que exacerbam o seu sentimento de impotência perante o mundo – a renunciar à sua autonomia.

Renúncia que o faz transferir responsabilidades enquanto cidadão para alguém que encarne um poder forte, que lhe dará a segurança almejada – o que remete à necessidade de estudo da psicologia das massas.

Como proclamou Erich Fromm, o resgate da autonomia de individualidades isoladas “somente ocorrerá se o homem subordinar o sistema econômico aos fins da felicidade humana, participando ativamente do processo social e, desta forma, sobrepujando as forças do niilismo”.

  • Rubens Pinto Lyra é Professor Emérito da UFPB
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