OS LIMITES DE BOLSONARO, por Flávio Lúcio Vieira

Vamos considerar que os números da pesquisa do site Poder360 (realizada através de telefone) estejam corretos (veja imagem acima). O que eles mostram?

A pesquisa, realizada depois da greve dos caminhoneiros, categoria formada por uma ampla maioria de bolsonaristas, mostra que Jair Bolsonaro chegou aos 25%, três pontos acima dos obtidos na última pesquisa do instituto Data Poder 360, divulgada em abril. Trata-se ainda de um expressivo percentual muito abaixo, porém, do que se espera de um candidato de direita num ambiente político marcadamente conservador.

Se compararmos com a eleição de 1989 − é cada vez mais impressionante o quanto a eleição de 2018 está ficando cada vez mais parecida com a de 1989, − sobretudo o desempenho de Bolsonaro nas pesquisas com o de Fernando Collor, chegaremos à conclusão que, por enquanto, o desempenho eleitoral do ex-militar não nos permite afirmar com algum grau de certeza que ele estará sequer no segundo turno, apesar de ser essa hoje a principal tendência.

Diferente de Bolsonaro, que há muito mais de um ano se apresenta como candidato, Fernando Collor, em 1989, teve uma ascensão quase que meteórica nas pesquisas ao longo dos meses pré-eleitorais. Segundo o Ibope, em março daquele ano, Collor alcançava os 9%; um mês depois (abril), saltava para 20%, em maio chegava a 32% e em Junho a 43%! Só em Julho, Collor interrompeu sua ascensão, caindo para 39%, uma queda dentro da margem de erro.

Enquanto isso, Lula e Brizola obtiveram respetivamente: 16% e 19%, 15% e 17%, 11% e 19%, 8% e 15% e 7% e 11%. Ou seja, antes de começar a campanha Collor cresceu e seus principais adversários da esquerda, que lideravam no início do ano, perderam terreno. A tendência de vitória no primeiro turno começou a ser revertida quando começou a campanha de rua e de TV. Fechadas as urnas em outubro, Collor ficou em primeiro lugar no primeiro turno com 30,4% do total dos votos válidos. Lula com 17,2 e Brizola com 16,5.

A grande incógnita em 2018 será o comportamento do eleitorado mais pobre, que em 1989 votou majoritariamente em Collor. O que surpreende na pesquisa do Poder 360 é a homogeneidade do desempenho de Bolsonaro em todas as classe sociais, que é muito semelhante entre quem declarou não ter renda nenhuma e quem ganha até 10 salários mínimos, variando de 22 a 25%. Mesmo entre quem ganha mais de 10 salários mínimos Bolsonaro chega a 13%.

Isso indica que o eleitorado de Bolsonaro é majoritariamente formado pela classe média, já que o peso numérico dos eleitores de baixa renda é muito maior. Isso explica o motivo de Bolsonaro não conseguir abrir uma vantagem ainda maior e crescer mais rapidamente, como aconteceu com Collor, em 1989. Dois aspectos talvez possam ajudar a entender esse fenômeno: a manutenção da candidatura de Lula e a identificação mais visceral de Bolsonaro com o eleitor de classe média, exatamente aquele responsável pela derrubada de Dilma Rousseff. Certamente, são os mesmos patrões que pediram votos para Aécio Neves na última eleição.

Mesmo o desempenho de Bolsonaro na classe média nem de longe pode indicar um favoritismo inquestionável do candidato em meio a esse segmento do eleitorado, com um percentual entre 23 e 25%. E o que pode explicar a ausência de adesão mais expressiva desse eleitorado à candidatura do ex-militar é a pauta ultraconservadora que ele abraça numa sociedade cada vez tolerante e mais aberta à aceitação de comportamentos e valores morais considerados fora dos padrões tradicionais. Não ache que a Globo insere em suas novelas personagens, sobretudo gays, com essas características por ser uma emissora que abraça as causas dessas “minorias”. A Globo pesquisa o mercado.

Não é por acaso que Bolsonaro, por exemplo, tem entre os homens mais que o dobro dos votos que ele tem entre as mulheres (29% a 14%, respectivamente). Quer outro exemplo? Segundo pesquisa divulgada ontem (4) pela Folha de São Paulo, feita com os participantes da Marcha para Jesus, uma megamanifestação evangélica que aconteceu em São Paulo na última quinta (31/05), 36,17% dos participantes se manifestaram favoráveis à descriminalização do aborto em caso de violência sexual ou risco de vida da mãe e 13% se “declararam a favor da liberdade total de escolha da mulher”. 47,04% são contra a pena de morte e 58,87% se disseram favoráveis ao casamento entre pessoas do mesmo sexo. Além de tudo, Lula deu uma surra em Bolsonaro: 20% a 15%.

O que tudo isso indica? Que Bolsonaro parece ter um limite para o seu crescimento, que hoje se dá lentamente, mais lentamente até que o dos seus concorrentes à esquerda. Nessa pesquisa, dependendo do cenário, Ciro Gomes já alcança 12% e Fernando Haddad 8% − na última pesquisa realizada pelo mesmo instituto, Ciro obteve 8% e Fernando Haddad 7%.

Além disso, é importante chamar a atenção para outro aspecto muito importante. Bolsonaro ainda não foi exposto ao bombardeio de uma campanha eleitoral, o que certamente acontecerá. Apesar dos eleitores do ex-capitão serem os mais convictos (77% não pretendem mudar de voto), é difícil supor que, ao ser confrontado com as declarações e atos pregressos de Bolsonaro, com informações a respeito do crescimento de seu patrimônio e outras coisas mais, o eleitor fora do Padrão Bolsonaro (aqueles que gravaram um vídeo em que aparecem em fila indiana imitando um robô enquanto declaravam o voto em Bolsonaro) majoritariamente ainda pense em tê-lo como candidato depois de conhecê-lo mais a fundo.

E existe outro elemento adicional que certamente pode ter tanta relevância quanto os outros: o eleitor conhece mesmo as ideias econômicas de Jair Bolsonaro, ideias e propostas que não se distinguem em substância das que Aécio Neves defendeu em campanha, a maioria das quais aplicadas no governo de Michel Temer? Lembremos do que aconteceu com Marina Silva, em 2014, quando ela assumiu a candidatura após a morte de Eduardo Campos. Em 15 dias, a campanha de Dilma desconstruiu Marina só mencionando ser ela a candidata dos banqueiros. Com aquela continência que Bolsonaro bateu para a bandeira dos Estados Unidos em uma visita à terra do Tio Sam, que traduz o sentido profundo da candidatura do ex-capitão, tudo isso ficará mais fácil.

Não acredito, portanto, que Bolsonaro vença essa eleição. Mas a sua maior vitória será arrebanhar 30% do eleitorado brasileiro e ir ao segundo turno em outubro − e esse por si só será o traço mais trágico para a democracia brasileira.

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