Estudo confirma açudes envenenados na Paraíba

Foto publicada ontem n’O Globo: Boqueirão em fevereiro de 2017 (Crédito: Ueslei Marcelino/Reuters)

Estudo recém publicado em revista científica internacional confirma a procedência do alerta feito pela médica Adriana Melo em novembro de 2016 sobre o elevado grau de toxidade da água de Boqueirão, quando o açude estava com pouco mais de 3% do seu volume.

Mundialmente conhecida por suas pesquisas sobre a relação entre zika e microcefalia, Adriana fez parte do grupo de cientistas que concluiu pela existência, na Paraíba, de açudes envenenados por toxinas. Segundo matéria publicada ontem (25) em O Globo, essas toxinas podem afetar o fígado e o sistema nervoso de quem consome a água, mesmo tratada, desses mananciais.

Óbvio que os efeitos desse envenenamento não são imediatos. Os malefícios devem resultar de anos de consumo de água contaminada. Água intoxicada que o tratamento convencional não consegue limpar, segundo o leitor pode inferir do depoimento de pesquisadores na matéria reproduzida a seguir.

A MATÉRIA DO JORNAL CARIOCA, NA ÍNTEGRA

Água de açude tem toxinas perigosas

Contaminação ligada a esgoto é descoberta na Paraíba e atinge fígado e sistema nervoso

Ana Lúcia Azevedo

O fundo quase seco de açudes e reservatórios do Nordeste não traz só desespero. Traz doença. Cientistas descobriram micro-organismos e toxinas capazes de causar malformações e distúrbios no fígado e no sistema nervoso em água coletada no auge da seca histórica que assola o semiárido desde 2012. O estudo foi realizado na Paraíba, mas os pesquisadores alertam para o risco de a mesma situação ocorrer em outros estados.

“Ocorrência de cianobactérias perigosas na água potável de uma região severamente impactada pela seca na região semiárida” é o título autoexplicativo do estudo, publicado este mês no respeitado periódico “Frontiers in Microbiology”. Os pesquisadores — de Rio de Janeiro, Paraíba e São Paulo — coletaram água de cinco açudes. Todos na região metropolitana de Campina Grande, na Paraíba. O maior deles, Boqueirão, fornece água para cerca de 1 milhão de pessoas em 19 municípios do sertão. A coleta foi realizada entre setembro e outubro de 2016, num dos piores períodos da seca. Boqueirão chegou a menos de 3% de seu volume na ocasião.

— Encontramos nessa água concentração alarmante de cianobactérias e das toxinas que elas produzem. Isso torna a água imprestável para consumo humano. Testamos a água em embriões de peixes e 60% deles morreram. Houve uma incidência de 60% de malformações. Deformações no coração, na coluna, na pigmentação, na boca. Danos no fígado e complicações neurológicas. É um alerta de que a água precisa de monitoramento, principalmente nos períodos secos ou quando há muita poluição. O tratamento convencional não elimina as cianobactérias e as toxinas, presentes no esgoto — explica o coordenador do estudo, Fabiano Thompson, da Universidade Federal do Rio de Janeiro.

Peixe não é gente, mas seus embriões são considerados um bom modelo para testar a toxicidade das cianobactérias. “Eles são um indicador do que pode acontecer”, observa o cientista. As cianobactérias são micro-organismos que proliferam com o calor em água rica em nutrientes, como fósforo. Os nutrientes vêm do esgoto lançado nos reservatórios. Com a seca, o volume de água diminui e os nutrientes ficam concentrados. O fundo dos açudes se transforma numa sopa tóxica de característico tom azulado, resultado da proliferação das cianobactérias. Hoje, com as chuvas e a água da transposição do São Francisco, há um pouco mais de água no Boqueirão, que está com 16,61% de sua capacidade. Mas água de má qualidade é um problema crônico e não só na Paraíba, destaca Thompson.

A ORIGEM DE MUITOS MALES DO BRASILEIRO

A falta de saneamento está por trás de boa parte das doenças infecciosas que afetam o brasileiro. Sejam diarreias e hepatites, devido ao consumo de água contaminada. Ou dengue e zika, por meio dos mosquitos que proliferam no esgoto. O estudo foi realizado para investigar uma possível hipótese para a maior frequência de microcefalia e outras malformações associadas à zika em bebês do sertão. A médica Adriana Melo, uma das maiores especialistas em zika no mundo e pioneira no estudo da doença, suspeitava de uma associação com água de péssima qualidade da região.

— Não podemos dizer ainda que há uma relação. Os dados são preliminares para isso. Mas podemos dizer que a água testada não tinha qualidade para consumo — frisa Melo, uma das autoras do estudo.

Thompson acrescenta que as toxinas das cianobactérias podem se acumular no organismo e causar danos progressivos ao DNA. “Ninguém sabe o que acontece com o organismo de pessoas submetidas por décadas a beber água com toxinas. Podem ocorrer danos sem que a verdadeira causa, as toxinas, seja identificada. Podemos estar diante de uma epidemia oculta”, observa Thompson.

O primeiro estudo a documentar o envenenamento por cianobactérias associado aos reservatórios secos foi realizado pelo grupo de Sandra Azevedo, da UFRJ. Em 1996, ela descobriu que a morte de 76 pessoas numa clínica de hemodiálise de Caruaru, em Pernambuco, fora causada por toxinas de cianobactérias. Elas estavam na água usada pela clínica, trazida por caminhões pipas.

O grupo desenvolve duas tecnologias para eliminar cianobactérias. A primeira tem custo quase zero, para que possa ser usada por comunidades rurais. Os cientistas descobriram que a moringa elimina cianobactérias. Com o apoio da instituição britânica Engineering and Physical Science Research Council, eles investigam também a moringa na eliminação de coliformes fecais. Em testes, bastaram duas sementes por litro para limpar a água.

A outra tecnologia é voltada para os reservatórios. Associada à Universidade Federal do Ceará e a universidades britânicas, Azevedo analisa a capacidade despoluente do dióxido de titânio em nanopartículas. Com a ação do sol, as nanopartículas degradam as toxinas. O método será testado no reservatório do Gavião, em Fortaleza, diz Sandra Azevedo.

SALGADO, SÃO FRANCISCO CAUSA HIPERTENSÃO

Doenças associadas à água afetam também o São Francisco. Ele já não bate mais “no mei do mar”, como cantava Luiz Gonzaga em “Riacho do Navio”. Junto à foz, o Velho Chico está cada vez mais salgado porque o mar é que invade o rio. Com a seca e a redução recorde do volume dos reservatórios dos últimos anos, a vazão do rio foi reduzida. Sem força, ele é que passou a ser invadido. Até o lençol freático foi salinizado e a população pagou com a saúde. Aumentaram os casos de hipertensão em comunidades do Baixo São Francisco.

Este mês a água estava salobra em Penedo, Alagoas, a cerca de 60 quilômetros da foz do São Francisco. Segundo um estudo da Universidade Federal de Alagoas, no ano passado, em certas localidades de Piaçabuçu, na foz do rio, o nível de sal na água chegou a cerca de 27 gramas por litro. O limite considerado máximo tolerável de salinidade é de 0,5 grama por litro.

  • Colaboração do jornalista Arael Costa
É BOM ESCLARECER
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4 Respostas para Estudo confirma açudes envenenados na Paraíba

  1. Paraibano decepcionado escreveu:

    Está identificação não me surpreende, sobretudo no açude de boqueirão que ao longo de décadas, vem recebendo altas cargas de agrotóxicos provenientes do cultivo de hortaliças, cultivadas a montante do açude.
    As cianobactérias, antigamente conhecidas como algas azuis, podem ter sido desenvolvidas mediante a deposição de fertilizantes sobretudo de nitrogênio, também empregado na horticultura.

    • MC Carneiro escreveu:

      Importantíssimo esse estudo! Vale salientar, que devemos investigar tbem, as fazendas de camarão, com água do rio Paraiba. Essa. Águas são ricas em fósforo e altamente poluente, mas estão sendo escadas no Rio Paraiba. Os rejeito do fundo do viveiro deveria ser desviado para uma lagoa com tia pias. Isso não EE feito.

  2. Jair Cesar de Miranda Coelho escreveu:

    Artigo de enorme importancia para a saúde da população paraibana. Seria muito bom a divulgação inclusive pelas ondas do radio, meu bom e preclaro amigo ilustre jornalista Rubens Nobrega. Através do radio boa parte da população (infelizmente) sem acesso a midia net saberia de tal risco a saude. Receba um abraço do teu leitor diario.

    • Rubens Nóbrega escreveu:

      Caro Doutor Jair, como diria o velho Jânio, fi-lo. Ontem, na CBN João Pessoa. Pela manhã (Bancada CBN) e à tarde (CBN Cotidiano). Voltarei ao assunto no rádio. Grato por sua leitura e colaboração.