NÃO EXISTE ENSINO AGRÍCOLA SEM AULA PRÁTICA, por Antônio Carlos Ferreira de Melo

Praça do CAVN, vendo-se ao fundo o pavilhão central de aulas (Fotografia fornecida pelo autor)

Devo tudo de minha vida a Deus e a essa magnífica casa de ensino – Colégio Agrícola Vidal de Negreiros (CAVN), de Bananeiras – que no próximo Sete de Setembro completa 100 anos e tem sido desde sempre considerado um dos melhores educandários de ensino técnico-agrícola do nosso país.

Por suas salas de aula, campos, experimentos e oficinas já passou muita gente que teve a felicidade de ter excelentes professores, a exemplo dos queridos Vicente de Paula Nóbrega, Joaquim Édson de Araújo, Mariano Moreira, José Pires Dantas e Inácio Batista Dantas, entre outros. Particularmente, tive a graça de ter sido nascido e criado nesse paraíso chamado CAVN, além de receber e guardar os ensinamentos de tão admiráveis mestres.

Com suas aulas teóricas e práticas, eles nos ensinaram como desempenhar com maestria a função de técnicos em agropecuária, porque com as práticas associadas à teoria aprendemos a “fazer fazendo” e por essa razão nos sentimos privilegiados. Digo privilegiados porque hoje, infelizmente, essas aulas não são frequentes, prejudicando e muito o nível de aprendizagem e comprometendo de certa forma a boa formação exigida nos cursos técnicos.

As aulas práticas são de fundamental importância, tendo em vista que ao exercermos nossa profissão ou iremos executar referidas práticas ou vamos determinar a alguém executar e temos a consciência de que não se pode executar ou mandar alguém fazer algo que a pessoa nunca praticou. É a mesma coisa que confiar uma cirurgia a um médico que nunca pegou em um bisturi enquanto cursava medicina.

Com base nesse princípio, de que as aulas práticas são determinantes na aprendizagem técnica, lembro que em 1973 quando iniciei no magistério lecionei as cadeiras de avicultura e cunicultura, tendo muita dificuldade no começo porque não existia no CAVN nenhuma galinha e nenhum coelho.

Tive então a ideia de solicitar ao Dr. José Lenilton de Carvalho, à época diretor da Escola, para aproveitarmos velhas construções existentes que foram remodeladas e adaptadas para a criação de aves e coelhos, de modo a viabilizar nossas aulas práticas, que complementavam as aulas teóricas. E assim iniciamos uma pequena criação com apenas 100 pintos de um dia, para viabilizar as aulas práticas.

Esse projeto foi crescendo ao longo dos anos, chegando ao total de 22 mil aves distribuídas em vários galpões modernos e adequados à produção. O mesmo ocorreu com a criação de coelhos, que iniciamos com um terno de coelhos e quando me aposentei entregamos um plantel com mais de 30O animais.

Vale ressaltar que todas as práticas de manejo com esses animais (aves e coelhos) eram executadas pelos alunos, inclusive aos sábados e domingos, que absorveram a ideia de que ensinando a fazer e fazendo para aprender alcançamos o melhor da nossa formação teórica e prática.

Para finalizar, reafirmo o meu sentimento de gratidão e amor por nosso CAVN e conclamo a todos os que por lá passaram a juntos solicitarmos aos atuais dirigentes da nossa instituição que exerçam a nobreza de restabelecer com urgência as aulas práticas, que sempre tiveram papel determinante em nossa formação profissional.

Se os dirigentes atenderam ao nosso pedido, com certeza estaremos presenteando nossa querida casa de ensino nos seus 100 anos e também a todos os alunos de hoje e de amanhã.

  • Antônio Carlos Ferreira de Melo é ex-aluno e ex-professor do CAVN

HOMOFOBIA ESTRUTURAL NO BRASIL, por Palmari Lucena

Em pleno Dia dos Namorados, celebrado em 12 de junho no Brasil, Leo Nunes, um jovem de 24 anos, nutria a esperança de um novo começo. Habitante de São Paulo, ele havia passado dias trocando mensagens com alguém que conhecera no Hornet, um aplicativo de namoro gay popular entre a comunidade LGBT. O encontro estava marcado para o bairro de Sacomã, um cenário típico da classe média paulistana. No entanto, o que deveria ser o início de algo promissor, transformou-se em uma tragédia.

O desenrolar dos acontecimentos, capturado por uma câmera de segurança, revelou o horror: dois homens em uma motocicleta abordaram Nunes no beco onde ele esperava. Em um piscar de olhos, roubaram seu telefone e silenciaram sua vida com um disparo. A brutalidade do ato deixou marcas profundas, não apenas na família, que compartilhou detalhes da investigação, mas também na comunidade LGBT do país.

A polícia de São Paulo investiga o caso como um roubo seguido de homicídio, mas o silêncio em torno dos detalhes ecoa uma sensação de insegurança e impotência. Leo Nunes não foi uma exceção, mas parte de uma triste sequência de crimes que vêm assolando a comunidade gay no Brasil. Desde março de 2024, pelo menos cinco homens gays foram assassinados após encontros marcados via aplicativos de namoro. Além disso, inúmeros relatos nas redes sociais descrevem roubos à mão armada, todos seguindo um padrão cruel: perfis falsos que atraem vítimas para armadilhas fatais.

Esses crimes não apenas abalam a segurança individual, mas escancaram a vulnerabilidade imposta pela homofobia estrutural à comunidade LGBT. Como destacou Wanderley Montanholi, advogado de Heleno Veggi Dumba, outro jovem gay morto em circunstâncias semelhantes: “Os criminosos sabem que as pessoas LGBT são vulneráveis. Sabem que serão mais facilmente intimidadas.”

O caso de Nunes se soma a uma estatística alarmante: crimes de ódio contra a comunidade LGBT no Brasil, um país onde a resistência em categorizar tais atos como homofobia ainda é flagrante. Embora o Supremo Tribunal Federal tenha codificado a homofobia como crime em 2019, a realidade nas delegacias e tribunais segue outra lógica. A relutância em reconhecer a natureza homofóbica desses crimes impede que muitos busquem justiça, aprisionados no medo de que a denúncia possa trazer mais danos do que soluções.

Ainda mais cruel é a constatação de que, mesmo em uma metrópole como São Paulo, que abriga a maior parada do orgulho LGBT do mundo, a segurança para essa comunidade permanece frágil. Leo Nunes, que havia deixado a pequena Cambuquira em busca de um futuro promissor na capital, viu seus sonhos interrompidos. Ele desejava ser psicoterapeuta, ajudar aqueles que lutam contra a falta de moradia e o vício. Em vez disso, tornou-se mais um nome na lista de vítimas de uma sociedade que ainda precisa evoluir.

A morte de Nunes, assim como a de tantos outros, não deveria ser apenas mais um número. Ela é um clamor por justiça, por reconhecimento e, acima de tudo, por mudança. A resistência em categorizar esses crimes pelo que realmente são – atos de ódio motivados por preconceito – só perpetua o ciclo de violência. O medo de denunciar e a vergonha que impede as vítimas de buscarem ajuda são reflexos de uma sociedade que ainda precisa confrontar seus próprios demônios.

Enquanto a família de Leo Nunes lamenta a perda irreparável, agarrando-se à memória do jovem que desejava ajudar os outros, cabe à sociedade brasileira refletir sobre os caminhos que precisa trilhar para garantir que vidas como a dele não sejam perdidas em vão. O futuro de uma nação inclusiva e segura depende de como escolhemos agir diante dessas tragédias. É preciso mais do que palavras, é preciso mudança.

• Reproduzido de palmarinaestrada.com.br