A MORTE DO CAMPO SANTO, por Palmari Lucena

Boa Sentença, alvo constante de vandalismo e furtos (Foto: Edson Matos/A União)

Pessoas vestidas de negro de pé sobre um monte de areia de uma cova recém-cavada. O cheiro de terra fresca mistura-se com o aroma pungente das flores das coroas fúnebres.

A tristeza viaja com a brisa, enquanto os tímidos cantos dos pássaros se acomodam à lassidão do descanso eterno. O ruído das pás movendo terra é ocasionalmente interrompido pelo som de torrões de barro caindo.

Com a visão limitada pelas pernas dos adultos, um menino tenta observar a cena. O ataúde desapareceu, os coveiros partiram. Seu avô querido não está mais ali.

O menino quer correr, desaparecer. Nota frutos dos castanheiros no chão e chuta alguns distraidamente. Os adultos caminham juntos, bem juntos, como se colados pela tristeza.

A dor comum ofusca a beleza e a exuberância dos mausoléus da alameda central. Eles chegam ao portal do Cemitério do Senhor da Boa Sentença. Após abraços, partem sem nunca olhar para trás.

Quatro décadas após o enterro, voltamos. Com o carro estacionado próximo à Praça da Pedra, seguimos pela Rua São Miguel em direção ao cemitério. Lembranças de uma frase pichada com letras e cores iradas do protesto: “Pão, paz, terra e liberdade”.

Paramos diante do que restou do nosso cinema favorito. Imaginamos em silêncio os sinos da Igreja da Conceição anunciando a passagem dos cortejos fúnebres. Sentimos a fragrância enfadonha de incenso permeando a procissão com a imagem de Nossa Senhora de Fátima. Tudo havia mudado.

Estávamos no palco central de uma tragédia urbana, a morte prematura da cidade antiga. Progresso desordenado, indiferente à nossa herança histórica, conspirava incontrolavelmente. Tudo e todos os vivos seguiam como uma enxurrada em direção ao mar.

“A praia vai matar a cidade, é uma questão de tempo”, dizia-nos profeticamente o Tenente Lucena – recordação súbita diante do seu mausoléu. Argolas e artefatos de bronze haviam sido removidos por usurpadores. Vandalismo, abandono e lixo – garras implacáveis esculpidas nos caminhos e nas alamedas. O cemitério havia se transformado no corpo e na sombra da moribunda cidade, vivos e mortos morrendo juntos.

Com o advento das perdas biológicas de outros entes queridos, as visitas ao cemitério tornaram-se mais frequentes. Os tempos que havíamos compartilhado e a aproximação cultural das nossas faixas etárias renovavam a urgência de mantê-los vivos nas nossas memórias e tradições.

O cemitério havia se transformado em uma enorme terra sem dono, nossos antepassados à mercê de pessoas indiferentes. Os mausoléus, prendas fáceis da luta de classes que continua após a morte.

Cenas na televisão e crônicas recentes denunciaram o abandono e a corrupção que impera no Cemitério do Senhor da Boa Sentença. A criminalidade que engolfou o pequeno cortejo fúnebre no sepultamento de uma ilustre paraibana expôs a triste verdade que gostaríamos de esquecer ou negar.

Lugar de descanso dos nossos antepassados e repositório da nossa história, o campo santo está morrendo, vítima do apetite insaciável de tudo aquilo que desafia ou subestima os princípios básicos da nossa tradição e cultura.

Os atos de depredação e corrupção que ocorrem no cemitério são crimes que ferem os princípios de inviolabilidade do cadáver e a Declaração Universal dos Direitos Humanos, remetendo-nos a uma atemporal Antígona que, desde a antiguidade clássica e em nome de leis superiores e não escritas, luta por dar digna sepultura aos membros da sua família.

SIMPATIAS E SAUDADES, por Frutuoso Chaves

Imagem copiada do Blog do Thame

Quem quiser saber das fogueiras, crendices e simpatias de junho leia Câmara Cascudo. Ele mesmo, o criador da Sociedade Brasileira de Folclore, o pesquisador das raízes étnicas do Brasil, o sociólogo, o antropólogo, o historiador. Se achar pouco, pode acrescer poeta, cronista e musicólogo. E ainda cabe mais. O homem tratou desses assuntos em estudos da própria lavra e, também, em apanhados de gente diversa, ao longo do País.

Quando o tema é São João, o santo em si, a bíblia será de grande socorro. Essa mesma fonte de consulta vale para São José, divindade de março, aquele a quem Luiz Gonzaga suplicou vinte espigas em cada pé de milho. “Fale lá com São José”, pediu ele ao santo do carneirinho.

O cajado de José, homem já velho, floriu quando de sua escolha para pai adotivo de Jesus, semente divina plantada na menina Maria. Lenda, ou não, conta-se que a prima desta última, uma Isabel infértil em razão da idade avançada, comunicou o nascimento do filho João por meio de uma grande fogueira acesa no terreiro, em noite estrelada.

Se verdade for, mal sabia ela que a providência renderia as brasas de junho chegadas por influências europeias a este País Tropical abençoado por Deus e bonito por natureza, como quer, em sua santa inocência, Jorge Benjor.

Mas vamos a Câmara Cascudo e às simpatias do mês. Esta, aqui, ele colheu do pesquisador J. M. Cardoso de Oliveira, ao que acabo de ler. Serve à moçada de ambos os sexos.

Pulem em cruz sobre as brasas da fogueira, meninos e meninas, tendo à mão um copo com água, gema e clara de ovo. Levem isso ao sereno e, dia amanhecido, vejam que desenho a clara formou. Deu igreja? Casamento na certa. Um navio? Preparem as malas para uma bela viagem. Alguma joia? Vem cheque gordo por aí, minha gente.

Anote você aí, mocinha. Pendure um anel na ponta de um cordão, suspenda-o dentro de um copo com água pela metade e não o deixe nela tocar. Em seguida, com isso nas mãos, ultrapasse uma fogueira em chamas já brandas. Tantos anos você esperará pelo casamento quantas sejam as batidas do anel em pêndulo nas paredes do copo.

Outra mais. Não coma toda a porção que pegou para a janta. Deixe sobras num pratinho disposto, quando a festa acabar, na cabeceira da mesa mais próxima do seu quarto. Tenha o sono dos justos e não se esqueça, ao acordar, do sonho que teve, pois nele esteve aquele com quem você um dia se casará.

Isso também vale para os marmanjos. Se você tiver muita coragem, leve uma bacia com água até a beira da fogueira, à meia-noite de 23 de junho. Não viu seu reflexo? Adeus, minha e meu camarada. Deus os tenha. Torçamos, porém, a fim de que a vida nos seja longa, próspera e feliz.

Ainda não se casou, menina? Pretende fazer isso? Não é pergunta à toa. Afinal, muitas de vocês não querem dividir o lençol nem misturar escovas de dente com quem quer que seja, se isso significar a perda da liberdade, ou prejuízos para a carreira profissional, no que fazem muito bem.

Mas, se apesar desses riscos, ainda quiser marido, ponha água na boca até não mais poder, corra para trás de uma porta e abra os ouvidos. O primeiro nome de homem que então escutar será o daquele com quem irá ao padre, ao pastor, ou ao juiz de paz. Dizem que essa simpatia não falha.

Desejo que todos tenham, apesar dos pesares, uma festa de amor e paz. O que não lhes desejo são as minhas saudades. Nelas inscrevo não apenas as crendices e adivinhações, mas, ainda, os céus estrelados, as quadrilhas juninas das famílias, o abraço dos amigos, o milho assado no braseiro em comum, os cantos e ritmos de antigamente. Mas, seja como for, tenham todos um bom São João.

COISAS DO SERTÃO DANTANHO (3) por José Mário Espínola

Imagem: Sesc/Divulgação

Anos 1960/70, Vicente era um bom dançarino, namorador, muito bem relacionado, sendo um líder entre os rapazes de sua época. Boa pinta, bem vestido, muito educado, era um conquistador que não perdia festa. Dançava muito bem, e não levava corte das meninas. Ele só tinha um defeito: era, também, um bom bebedor!

Nas farras, nas brincadeiras, noTênis Clube, no cabaré, ele bebia de tudo: de Rum Montilla à cachaça Capim Santo, passando por cerveja, meiota, conhaque São Caetano, cachaça com Cinzzano, Rum Merino, o vinho “francês” Sang du Boi, batidas, caipirinha, coquetel… TUDO!

A propósito do nome do clube, nesse tempo tudo quanto era cidade do sertão tinha um clube com esse nome. Mas de tênis, só conheciam o tênis conga!

Mas Vicente num era de ferro: seu fígado não lhe poupava. Pois as suas ressacas eram proporcionais aos porres: homéricas! A agonia era grande. No dia seguinte à bebedeira, ele amanhecia morrendo, e se enfiava embaixo da cama, subia na janela, trepava no guarda roupa… e vomitava! Só horas depois, passado o efeito da ressaca é que ele sossegava.

A mãe, aflita, vendo o filho naquele estado, fazia o que podia para melhorá-lo. Tentava minorar a agonia do filho. Uma vez ela ofereceu um remédio, dizendo que ele ia ficar bom. Vicente perguntou o que era. A mãe respondeu: Sonrisal. Ele: “Mãe, eu gastei 50 reais pra me embriagar. A senhora acha que eu vou me curar com 5 reais?!”

***

Certo dia, depois de uma grande farra, lá estava Vicente em plena agonia ressacal, em cima do guarda roupa, quando a mãe chegou com uma xícara:

– Meu filho, tome este chá que você vai melhorar.

– É chá de quê, mãe?

– De capim santo.

Vicente não agüentou e vomitou lá de cima do guarda roupa: “RRUUÁÁÁHHH!!!”

COISAS DO SERTÃO DANTANHO (2) por José Mário Espínola

Imagem: rr4afuture.org

O fazendeiro ficou com gosto de sangue na boca quando lhe contaram: o filho do morador tava bulindo com a sua filha mais nova. E era lá no sítio, nos fins de tarde, debaixo da jaqueira.

Ele jurou de morte o rapaz. Armou-se de uma espingarda 12, subiu na jaqueira, e posicionou-se para esperar o casal. Escolheu um galho confortável, livre o suficiente pra ver tudo.

A tarde foi caindo, e ele cochilou. Acordou-se com o qui-qui-qui, cá-cá-cá dos dois se aproximando. Preparou a arma, e esperou chegarem mais perto: queria enxergar os olhos do safado!

Quando o casal chegou embaixo da jaqueira, a moça se acocorou. O rapaz disse:

– Vou-mimbora!

A moça falou:

– Peraí qu’eu vou mijar…

O rapaz respondeu:

– Se olhar pra cima, você se caga!

E fugiu correndo.

COISAS DO SERTÃO DANTANHO (1), por José Mário Espínola

Imagem: glimboo.com (copiada de jmsarmento.blogspot.com)

O coronel Aprígio, do Bacamarte, era o que se pode chamar de “um véi safado”. Também pudera… Depois de povoar metade do município, ainda se enxeria pelas mulheres. Seus 85 anos não o deixavam se aquietar.

Quem sofria com isso era dona Cícera, 13 filhos, que passara a vida assistindo as safadezas do marido, mas nunca tivera coragem pra dar um chute na bunda dele e se separar. Viviam na mesma casa, apenas.

Um dia, Seu Aprígio amanheceu com uma ferida bastante dolorosa no dorso do pênis. Foi até a capital se consultar com o saudoso urologista Dr. Osório Abath Lopes Filho. Este examinou e diagnosticou: cancro mole.

O velho ficou apavorado, pois pensou que fosse câncer. Ao que Dr. Osorinho tranquilizou:

– Não se trata disso coronel. Trata-se do fato de que o senhor andou saindo com alguma mulher da vida contaminada. Pois isso é uma doença venérea altamente contagiosa. Mas tem tratamento!

E prescreveu antibióticos para ele tomar e um líquido, Hebrin, para passar na ferida. Esse remédio, por sinal, doía muito. Seu Aprígio via estrelas quando passava.

Certo dia, de manhã cedo, estava no banheiro passando o remédio e soprando o pênis para aliviar a dor, quando a porta se abriu. Era dona Cícera, que acabava de chegar da igreja! Quando ela viu “aquilo”, não se controlou, como fazia das outras vezes, e desabafou:

– Bicho safado, cachorro da mulesta! Olha só o que tu ganha, com essa vida nojenta que tu leva, fazendo safadeza com essas raparigas!

Mesmo flagrado, Seu Aprígio não perdeu o prumo nem o rumo, esclarecendo a seu modo do que aquilo se tratava:

– Ciça, minha véia, o mundo tá virado! Espia só o que nasceu no meu pinto: UM TERÇOL!

BEIJO MATREIRO, por Babyne Gouvêa

Imagem meramente ilustrativa

Acordou com uma vontade danada de beijar. Julita era assim, cheia de manias. E esses desejos surgiam após acordar pela manhã. Eram os sonhos, dizia ela.

Pensou, meio cabreira, se valeria à pena pedir o beijo àquele com quem sonhou. Tomou o café matinal maquinando o que deveria fazer para resgatar o melhor beijo que tinha recebido até então. O cara já estava casado, mas isso não vinha ao caso. Ele era chegado a um beijo qualquer que fosse a circunstância. Julita o conhecia de longas datas.

A compulsiva exigia higiene bucal do parceiro, corria léguas de distância de mau hálito. Sentia atração pelo cheiro de uma boca cheirosa. Para ela, fazia toda a diferença no beijo.

Optava por um sorriso completo. Segundo ela era um sorriso com os principais dentes intactos. Muita exigência para uma mulher considerada balzaquiana.

Deixaria claro que o beijo serviria para concretizar um sonho; não iria além disso. Os “sonhos”, alegava, eram obsessões compulsivas não tratadas. Mas seguia adiante como dona do seu nariz. Ninguém tinha nada a ver com a sua vida e suas manias.

Não conseguiu convencer o personagem do sonho, velho conhecedor de suas matreirices. Saiu, então, à procura de outro na sua seleta lista de candidatos.

Pedia a Deus para que os seus desejos não fossem frustrados. Julita era seletiva, sabia direcionar as suas impertinências. Por se sentir esperta achava fácil enganar os pretensos com um hálito artificial, manipulado na hora do beijo. Mas essa maquiagem burlava apenas os ingênuos.

Resolveu insistir naquela boca do sonho e foi à igreja apelar aos santos. Súplicas ao seu protetor surtiram efeito contrário às suas ambições, ao ouvir uma voz surpreendente: “Moça, cumpriu a penitência?”. Era o padre que atendia Julita no confessionário auricular, lembrando a higiene bucal.

E O VENTO LEVOU, por Frutuoso Chaves

Acordei com uma saudade sem tamanho daqueles cartazes atados aos troncos de fícus na cidade aonde cheguei antes do primeiro aniversário e de onde saí aos quinze anos de idade.

As árvores de copas redondas, aparadinhas, em filas nos dois lados da rua, davam sombra para astros e estrelas de metade do mundo. Mas era quando abrigavam Buck Jones, Bill Elliott, Hopalong Cassidy e Roy Rogers que elas, de fato, me atraiam.

Dois cavaletes, não mais do que isso, exibiam de seis a oito reproduções fotográficas de galãs, divas ou cowboys, estes últimos com seus cavalos e seus revólveres. E ambos eram itinerantes: viajavam de tronco em tronco desde a frente dos Correios até a da Prefeitura. Um para anunciar o filme do momento e, outro, para o do dia seguinte.

Certa vez, ajudei o menino Jiló, três anos mais velho do que eu, nesses transportes. A tarefa seria bem fácil se o vento não teimasse em nos arrancar aquilo das mãos. Por conta da ventania é que os cavaletes – duas armações com superfície de madeira fina – precisavam de amarras aos pés de fícus. Nada, porém, que uns poucos metros de barbante não resolvessem.

Mocinhos ou bandidos, mesmo que fossem de carne e osso, não conseguiriam escapar daquele cordel feito no Cariri na época em que as fibras sintéticas americanas ainda não haviam rebaixado o agave nordestino, produto que então ocupava lugar de honra na pauta das nossas exportações.

Naqueles dias, brochas com a espessura dos alfinetes, mas com cabeças largas, prendiam as fotos nos quadros dotados de pernas e, assim, com a parte inferior meio metro acima do chão, sobretudo, em seu dia de maior sujeira, o sábado das feiras livres. Dia, também, de maior público. É que um pequeno grupo de feirantes, provindo dos sítios e pés de serra, costumava retornar à rua, à noite, para o cinema.

Cinema… Pois sim. Aquilo não passava da mera projeção de filmes num dos compartimentos do Mercado Público para onde se podia levar tamboretes, ou sentar em bancos de feira.

Os comparecimentos de mães e irmãs requereriam, sempre que ocorressem, o uso das cadeiras domésticas. Então, seria bom chegar mais cedo em busca das primeiras filas, arrumar tudo com o acesso ainda livre, esperar com os amigos na praça o fechamento do recinto e o subsequente funcionamento da bilheteria para daí retomar os assentos. Diga-se que ninguém ocupava o lugar de ninguém, pois todos conheciam as cadeiras de casa, aquelas do café da manhã, do almoço e da janta.

A trabalheira tinha suas vantagens: você de antemão saberia quem iria ter ao lado. Teria, também, a oportunidade de evitar essa companhia, se não a desejasse. Tivesse idade para o namoro, sentaria ao lado da menina, ou do menino, juntando os assentos, uma ou duas horas antes, sem que os pais de nada suspeitassem.

Foi não foi, eu me apiedo dos jovens. É sentimento que me assalta, de modo mais forte, quando falo dessas coisas aos três filhos e ao único neto que o primeiro deles me deu. Percebo, nessas ocasiões, a inveja em cada olhar.

Agora, preciso confessar o suborno que fez um amigo fechar os olhos e a boca quando subtraí o retrato de Roy Rogers com Dale Evans e o parceiro George “Gabby” Rayes, o velhote leal, mas sempre atrapalhado deste e de outros cowboys. Comprei um silêncio com dois pães doces da Padaria de Seu Juca, meu pai.

O vento levou. Assim poderia entender do sumiço dessa foto Seu Zé Ribeiro, o projecionista, o dono das velhas máquinas Bell and Howell e Pathé, o cinemeiro que pegava o trem para Recife na manhã de toda quarta-feira para dali voltar à noite com os filmes do sábado e do domingo obtidos dos escritórios da Metro, RCA e outras distribuidoras.

Apropriei-me do mocinho, da mocinha e do doidinho, os três juntos, cheek to cheek, naquele quadro 5×9 em papel fotográfico mesmo. Aquilo, sem dúvida, fora feito para mim. Só faltavam os autógrafos. Fosse eu levado a juízo, um advogado alegaria privação dos sentidos em virtude da paixão avassaladora de um pirralho de doze anos por aquele trio e o juiz me abrandaria a pena. Seu Juca, seguramente, não.

Perto de 1960, Seu Zé faria o pequeno Cine Ideal, tijolo por tijolo e cadeira por cadeira, sozinho, não fosse a ajuda precária de Jiló, para fechá-lo dois anos depois, quando a televisão começava a matar as salas de exibição do interior e as dos bairros nas Capitais. Até aí, Jiló teve, para mim e meus parceiros, o melhor emprego do mundo. O finado José Augusto de Brito, coletor de renda e professor dos meninos do meu tempo, tinha aquela dupla como “Dom Quixote e Sancho Pança”. De certa forma, aqueles dois assim o foram.

Mexem mais com minhas saudades, até pelo tempo da convivência, as projeções do Mercado Público em tela de brancura acentuada pelo pó da farinha de mandioca vendida, então, em ambiente distante do açougue com seu cheiro de peixe e carne crua.

Ali, quando os cowboys, seus sopapos e tiros começaram a me aborrecer, eu tive o sentido desperto para os filmes de romance e para o perfume daquela garota que riu de mim tanto quanto ríamos do doidinho de Roy Rogers. Nunca entendi por que ela buscava minha companhia na Praça da Matriz até Seu Zé Ribeiro suspender a difusão de músicas e nos chamar para as sessões de cinema por alto-falante do tipo trombeta afixado na fachada do Mercado. Mas este é um tema para filmes de outro gênero.

Meu Deus, como tudo isso me faz falta!