UM CUBANO FEZ O BRASIL CHORAR, por Frutuoso Chaves

Amilton Fernandes (1919-1968), o dr. Albertinho Limonta, e Isaura Bruno (1916-1977), a Mamãe Dolores (imagem copiada de museudatv.com.br)

Fez, mesmo, acredite. E é bem possível que também tenha levado sua avó às lágrimas. Na verdade, o moço, em seus bons tempos, abalou o coração de tudo o que era mãe e avó neste País de dimensões continentais.

Já passou dos 50? Então, não deu outra: mesmo que você ainda não houvesse nascido, sua mãe e a mãe dela suspiravam de dor e emoção, cinco dias por semana, da segunda à sexta-feira, logo depois de cada pôr do sol.

E, creia, seu pai não gostava nada disso. Tiro pelo meu. Lembro dele a esbravejar pelos cantos da casa, a ponto de chutar as paredes. “Essa janta sai, ou não sai?”, perguntava meu velho para obter silêncio por resposta. Aquelas duas, em tais ocasiões, somente tinham ouvidos para as tramas do cubano.

Conhece alguma Isabel Cristina? Uma Maria Helena, porventura? Pois é… culpa do cubano. Foi ele quem as pôs nesse mundão de Deus. De 1950 a 1951, por meses a fio, as nossas, ou as irmãs dos nossos amigos, foram à pia batismal com nomes assim dobrados, em homenagem você sabe a quem.

Mas, afinal, quem era esse sujeito e o que fazia para o envolvimento da mulherada? Pois bem, chamava-se Félix Caignet e escreveu “O Direito de Nascer”, a novela irradiada em países sucessivos. No Brasil, foi inicialmente posta no ar pela Rádio Nacional, com tradução de Eurico Silva.

O elenco reunia nomes de peso a exemplo de Paulo Gracindo, Saint Clair Lopes, Isis de Oliveira, Yara Sales, Dulce Martins, Talita Miranda e Darcy Cazarré. Conta-se que Eurico Silva foi além da mera tradução, porquanto inseriu no enredo original personagens novos e histórias paralelas.

O mais retumbante sucesso da radiofonia brasileira tinha capítulos de quase meia hora, se somado o tempo dos comerciais apresentados na abertura e no encerramento de cada um deles.

Um narrador de voz aveludada (Nélio Pinheiro) conduzia a trama e a ela dava a carga de emoção da qual resultava o pranto invariável das donas de casa, de suas mães e filhas desde que tivessem, estas últimas, idade suficiente para o namoro e as paixões.

A Rádio Nacional, sediada no Rio de Janeiro, entrava com som de boa qualidade em quase todos os pontos do País. Em cima de mesinhas dispostas, orgulhosamente, nas salas de visita, os aparelhos de rádio traziam as marcas Philips, RCA Victor, Philco, ou Pilot, as mais famosas. Com o advento dos transistores, passaram a tomar o apelido “bunda quente”, alusão às válvulas sempre incandescentes, de tamanhos diversos.

“O Direito de Nascer” contava a saga de Maria Helena, uma mãe solteira na sociedade preconceituosa. Para piorar as coisas, a moça engravidara de um homem casado, um cafajeste por quem fora enganada. Seu pai, Dom Rafael, que rejeitava o neto, só não o matou porque a empregada da família, a negra Mamãe Dolores, cuidou de esconder e criar o menino. Maria Helena, amargurada, interna-se num convento.

Sob a proteção de Mamãe Dolores, o pirralho cresce com o nome de Albertinho Limonta, entra na faculdade e termina Medicina. Tempo depois, desconhecedor da própria história, salva a vida de Dom Rafael, vitimado por um derrame cerebral. Paralítico, o velho percebe-se, finalmente, avô de Albertinho, sem nada poder contar, muito embora arrependido, em razão de também haver perdido a fala.

Albertinho apaixona-se pela prima, Isabel Cristina. Amor correspondido, é claro. Lágrimas de encher açude até o dia em que, do alto do seu convento, Sóror Helena da Caridade descobre-se mãe daquele moço. E todos foram felizes para sempre. Não é assim que se diz?

Ah, sim… O mesmo enredo chegaria à televisão em duas versões. Em meados da década de 1964, pelos sinais da finada Tupi. Depois, em 1978, sem o mesmo sucesso, evidentemente, dado o sabor de filme já visto. Seja como for, depois de “O Direito de Nascer” o Brasil nunca mais foi o mesmo. Virou o País das novelas. Culpa de quem? Você adivinhou: do cubano.

PERNAS, PRA QUE TE QUERO? por Babyne Gouvêa

Foto: Wikimedia commons

Às quintas-feiras, Candinha visitava o túmulo de sua mãe. Saía do trabalho, à tardinha, passava na floricultura e seguia para o bairro Varadouro, na Cidade Baixa do Centro Histórico de João Pessoa. Um ritual inalterado, invariável, impostergável. 

“O cemitério é um lugar resguardado pelas almas, o perigo está nos vivos que ali rodeiam”, dizia, repetindo sem temor algum as palavras da mãe. Tinha o hábito de rezar e florear o jazigo em todo o seu entorno. Para sua surpresa, em uma determinada visita, viu o túmulo violado, em parte.

Tomou a iniciativa de fazer a reclamação ao administrador. Prontamente foi atendida, mas Jarbas, o funcionário designado para inspecionar com ela as avarias, desde logo fez cara de poucos amigos e até o túmulo arrastou os pés sem pressa alguma de chegar e constatar necessidade de reparos.

No percurso, o jeito de Jarbas intimidou Candinha, inclusive porque o dia já estava se despedindo e a escuridão começava a dar sinais. Em dado momento, quando já era visível o temor da mulher, o funcionário perguntou se ela estava com medo e sugeriu que ela se achegasse a ele.  

Confusão mental instalada, Candinha perguntou a si mesma: “Por que danado tenho que vasculhar um buraco no escuro?” E começou a pensar em uma maneira de se livrar da situação, mas observou ao largo do ambiente e percebeu que seria inútil pedir socorro.

Lembrou, instantaneamente, das advertências de sua mãe. “Naquele lugar, o perigo está nos vivos”. E foi tomada por essa lógica que Candinha correu na direção da saída do cemitério, faltando poucos minutos para o fechamento. Correu mesmo, embora duvidasse da capacidade de seus músculos e o coração, batendo forte, suportarem a corrida.

Depois daquele episódio, Candinha passou muito tempo em desassossego, tendo pesadelos com Jarbas, que reencontraria dias depois numa peixaria, ele com um facão em mãos cortando peixe. Não pensou duas vezes. Acionou novamente o “pernas, pra que te quero?”, inclusive esquecendo sobre o balcão o quilo de garoupa em posta que comprou, pagou e não levou. 

COLO DE MÃE, por Frutuoso Chaves

Imagem meramente ilustrativa copiada de eusemfronteiras.com.br

Muito pequeno, eu não entendia por que minha mãe chorava enquanto uma Nossa Senhora emoldurada na parede da sala de visita me abria um sorriso claro, indiscutível. Bastou eu contar: “A santa está sorrindo”. Pronto, Dona Vininha não conteve as lágrimas. Foram tantas que algumas respingavam em mim que ardia em febre, no sofá de palhinha. O colo materno me servia de travesseiro.

Fazia pouco tempo que o sol ali penetrava por brechas no telhado. Minha mãe, bem cedinho, retirou-me da cama, silenciosamente, de modo a não acordar os filhos mais novos. Acomodou-me no sofá sem cobertas, abriu as duas janelas principais, sentou e se fez de almofada para este seu primogênito, enquanto uma brisa leve e refrescante invadia a casa.

De olhar fixo numa réstia que escalava a parede em direção à tela retribuí com um sorriso leve a atenção que daquela imagem eu então recebia. “O que foi?”, perguntou-me, curiosa, minha mãe. E se pôs a chorar quando ouviu a resposta. O mais impressionante é que a cena não me assustava. Parecia-me natural, completamente normal, o cumprimento da moça retratada, ela também, com um menino gordinho e rosado ao colo.

Que dia! Aliás, que noite! Em plena madrugada, eu teria tomado um tiro do meu pai se, num escuro de breu, houvesse aberto a porta da casa em socorro a um amigo de quem supunha ouvir o chamado. Contaram-me isto muito depois. O barulho da chave ainda emperrada ao cabo de várias tentativas acordara os donos da casa. O velho Juca (novo, àquela época, naturalmente) catou a espingarda de dois canos e preparou a mira. Ladrão nenhum ali entraria.

Foi minha mãe que percebeu o filho em pé sobre uma cadeira a mexer na fechadura. Gritou horrorizada, ultrapassou o marido e abraçou-se comigo. “Claudinho está lá fora”, expliquei. A febre alta causava o delírio. Fui devolvido à cama, submetido a compressas frias e obrigado a beber um remédio gotejado num chá de alho com limão e mel. Cedo da manhã, eu respondia ao sorriso cálido, confortante, daquela moça feita de papel e tinta, mas tão bela, tão calma, tão terna.

Pois bem, de tempo em tempo, esta passagem da minha infância me vem à memória com espantosa nitidez. E, a cada lembrança percebo, de modo mais forte, que eu, sim, tanto quanto o menininho do quadro, tive o colo de uma santa.

Minha agonia com as febres altas do meu primeiro filho, seus delírios ocasionais e suas dores quase me deram um coração de mãe. Nascera com refluxos de urina para os dois rins. “Defeito de fabricação”, brincou o médico, amigo meu, a quem eu e minha mulher fizemos as primeiras consultas. Um “raio x” inicial e, depois, duas ultrassonografias confirmaram o problema: os ureteres, de tão espessos, conduziam de volta aos rins a urina ali produzida. Resultavam disso infecções urinárias repetidas e combatidas com cargas reforçadas de antibióticos até o êxito de duas cirurgias feitas em São Paulo, a primeira delas quando o pirralho tinha um ano e meio de vida.

Perdi a conta das vezes em que eu o pus no colo sem repetir o conforto e o socorro que um dia recebi daquelas duas mulheres: uma com seu riso doce, brando, protetor. Outra, com sua ternura, seus cuidados sem descanso e sem limites. Ambas me deram a impressão de que as mães cometem milagres. O fato é que nunca deixei de supor que saí vivo daquele sofá pela sorte dessas duas proteções. E nunca deixei de entender que a cura de um filho em muito depende do colo e das lágrimas daquelas de cujos ventres saíram. É por isso que, até agora, tento em vão alcançar o grau de aflição e desvelo das mães, no que pese a idade que hoje tem cada fruto da minha união com a moça saída do Rio Grande do Norte para meu encanto e meu sossego.

Parimos três rebentos. O mais velho, o dos ureteres espessos, já tem idade que passa dos 40 anos. Vem dele o único neto que possuímos. O do meio se aproxima disso enquanto o caçula ruma para os 35. Todos, sem exceção, com seus lugares cativos no peito deste pai absurdamente incapaz, todavia, de repetir o afago e os beijos da mãe desde que lhes chegaram à cara os primeiros pelos.

Assim ocorre, geralmente, entre pais e filhos homens. Mais dia menos dia, as demonstrações físicas de amor e carinho perdem os espaços do colo e a frequência dos beijos, por mais que invejemos as exceções. É coisa cultural. É algo advindo da ancestralidade. Foi assim com meu pai, com meu avô e com os avós destes.

Com as mães, não, posto que são feitas de outra substância. Não percebem que suas crias envelhecem por mais que engrossem a voz e branqueiem os cabelos. Colo de mãe, portanto, é coisa imune ao tempo. Eles sabem disso desde a mais tenra idade e, portanto, é para as mães que mais correm quando a vida, em qualquer época, lhes impõe dissabores. Sabem que elas têm o riso e as lágrimas que aplacam os sofrimentos. Os pais não têm isso e, dificilmente, terão.

***

Nota do editor – Absurda desatenção atrasou a publicação desta maravilha de crônica de Frutuoso Chaves. Não há desculpas a pedir, porque o atraso é indesculpável. Não se faz isso com escrito de forma tão perfeita para conteúdo de tamanha sensibilidade.

RÔMULO PALITOT NO TJPB

Rômulo Palitot vai disputar vaga de desembargador

Soube que o Tribunal de Justiça da Paraíba vai abrir vaga para novos desembargadores. Uma delas para o Quinto Constitucional reservado a juristas de foro e cátedra. Soube também de uma candidatura que me trouxe sincero arrependimento por ter dado baixa na seccional da Paraíba da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB-PB).

Porque se não tivesse me desligado estaria apto a votar no Doutor Rômulo Palitot e ver este nome na lista sêxtupla que seus pares vão eleger para a OAB enviar ao TJPB. Uma vez advogado habilitado, embora jamais militante no contencioso, já estaria em campo fazendo campanha rasgada, aberta, por esse super criminalista paraibano.

Sem desapreço ou menosprezo à concorrência, digo que toda a advocacia paraibana sabe que Rômulo Palitot qualifica qualquer colegiado, do Judiciário à Academia. Por todos os atributos pessoais e profissionais, aí incluídos títulos acadêmicos de Mestre e Doutor em Direito, ele merece – e muito – figurar entre os seis que a OAB elegerá.

Merece também, claro, passar na peneira do TJ e compor a lista tríplice que os desembargadores encaminharão depois ao governador do Estado para o ato final de nomeação. Bona fortuna, Doutor Rômulo!

OSTENTAÇÃO NAS MÍDIAS SOCIAIS, por Palmari Lucena

Turistas aguardam na fila abertura de loja Louis Vuitton em Paris (Foto: Jean-Pierre Muller/AFP)

Em uma era onde parecia que a modéstia estava começando a prevalecer, nos deparamos novamente com uma onda crescente de exibicionismo e ostentação que se espalha pelas mídias sociais. Este fenômeno não se limita apenas a imagens de pessoas em resorts luxuosos ou vestindo grifes caras; estende-se também a poses em frente a carros de luxo e lojas de marcas famosas. Essas postagens não só redefinem o mise-en-scène do turismo de ostentação, mas também revelam uma preocupante superficialidade na forma como a cultura e o sucesso são representados.

A grande maioria desses “turistas” e “consumidores” demonstra ter pouco ou nenhum conhecimento sobre os locais, obras de arte ou mesmo sobre os produtos que exibem. A superficialidade é patente quando um casal, ao fotografar a filha em frente ao majestoso Opera Garnier, não reconhece o nome do edifício; ou quando alguém se encanta com “a ópera”, referindo-se ao musical da Broadway “O Fantasma da Ópera”, sem apreciar a verdadeira essência de uma casa de ópera histórica.

Em destinos como Dubai, essa desconexão se manifesta quando pessoas posam em trajes tradicionais opressivos ou em shoppings extravagantes, não como forma de genuína apreciação cultural, mas como um meio de projetar uma imagem de sucesso e riqueza. Tal comportamento sugere que o valor pessoal e o status social são medidos por associações materiais, e não por qualidades intrínsecas ou realizações pessoais.

Essa cultura de comparação nas mídias sociais incentiva uma vida de aparências, pressionando as pessoas a exibir um sucesso muitas vezes inatingível, o que pode levar a sentimentos de inadequação e uma incessante busca por aprovação social. De fato, é crucial refletir sobre as motivações dessas postagens e o impacto que elas têm sobre a percepção de valores na sociedade.

Propõe-se, então, uma mudança no foco das nossas partilhas digitais: que tal valorizarmos momentos genuínos de felicidade, conquistas pessoais e experiências que refletem verdadeiramente quem somos? Essa abordagem não só preservaria a dignidade dos locais visitados, como também promoveria uma cultura digital mais autêntica e menos competitiva.

Este novo exibicionismo nas mídias sociais não apenas dilui a experiência de viagem e consumo, mas também reflete uma crise mais ampla de valores. É hora de repensar nossas intenções e a maneira como compartilhamos nossas experiências, buscando promover o conhecimento, o respeito e a genuína apreciação cultural.

• Palmarí H. de Lucena é membro da União Brasileira de Escritores

• Artigo publicado originalmente em palmarinaestrada.com.br

Brasil melhora, mas violência contra jornalista continua e diploma é fundamental

Por FERNANDO PATRIOTA
Jornalista e produtor cultural 

Imagem: Abraji

Um estudo da Organização Repórteres sem Fronteiras revelou que o Brasil subiu dez posições no ranking de liberdade de imprensa, ficando na posição 82 entre 180 países avaliados. O levantamento, divulgado na sexta-feira passada (3), também revelou que os desafios, como violência contra jornalistas e desinformação permanecem presentes e precisam ser enfrentados, pelas instâncias governamentais e organizações representativas da categoria e o diploma de Jornalismo é fundamental e deve ser obrigatório.

Em 2021, o Brasil atingiu seu pior índice e ficou em 111ª posição e entrou na chamada zona vermelha do ranking, a segunda pior do ranking. Agora, o país se situou na zona laranja clara, a terceira melhor. O relatório também destacou que 100 repórteres palestinos foram mortos na Faixa de Gaza e na Cisjordânia, pelo menos 22 deles enquanto exerciam a profissão.

“O novo governo de Luiz Inácio Lula da Silva traz de volta uma normalização das relações entre as organizações estatais e a imprensa, após o mandato de Jair Bolsonaro marcado por uma hostilidade permanente ao jornalismo”, disse o relatório. A liberdade de imprensa é um dos pilares fundamentais de qualquer democracia saudável. Infelizmente, durante o governo Bolsonaro, houve um aumento alarmante nos casos de violência contra jornalistas e ataques à liberdade de imprensa em todos os estados da federação.

Durante quatro anos de governo Bolsonaro foi adotada uma retórica hostil em relação à imprensa, rotulando veículos de comunicação críticos como ‘fake news’ e desqualificando o trabalho dos jornalistas. Devido a essa postura foi criado um ambiente propício para a escalada da violência contra profissionais da mídia, difícil de ser desfeito. O relatório da Organização Repórteres sem Fronteiras ainda afirma que a desinformação intoxica o debate público. “O Brasil continua muito polarizado e os ataques contra a imprensa, que se tornaram comuns nas redes sociais, abriram caminho para agressões físicas contra jornalistas”, diz o estudo.

Para alguns observadores, Lula fortaleceu a democracia brasileira ao permitir uma imprensa mais livre, com a disposição para enfrentar perguntas difíceis em entrevistas coletivas e sua tolerância a críticas públicas. Além disso, apontam para políticas que promoveram a diversidade e a pluralidade na mídia, como o incentivo à criação de novos veículos de comunicação e a expansão do acesso à internet. Contudo, o presidente precisa colocar em pauta o fortalecimento das mídias alternativas e trabalhar junto à Câmara dos Deputados a obrigatoriedade do diploma de jornalismo para o exercício da profissão. Essa matéria (PEC 206/12) já foi aprovada no Senado, em dois turnos.

Para a diretora científica da Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares da Comunicação, Iluska Coutinho, à volta do diploma para jornalista é fundamental. “Os processos de descredibilização, o avanço da desinformação e a violência têm ligação com processo de perda de confiança e de qualidade decorrentes da queda da exigência do diploma para atuação como jornalista, que ocorreu em 2009. Aliás, a regulamentação do exercício profissional se relaciona com outra muito urgente: a regulamentação das plataformas digitais, essa em tramitação no Congresso Nacional”, destacou.

• Artigo escrito em colaboração para o Observatório Paraibano de Jornalismo 

O PRATO QUEBRADO, por Frutuoso Chaves

(Imagem: Infomoney)

Que maravilha! Tinha em mãos aquilo pelo que tanto lutara: o visto de permanência no País dos seus sonhos. Fora-se, finalmente, o tempo da clandestinidade, da fuga da polícia, da exploração em empregos ocasionais com salário duas vezes menor do que o destinado aos ali nascidos.

Quando a coisa ficou muito preta, pensou em voltar para casa, intento, porém, do qual desistiu ao imaginar a zombaria dos amigos de infância e da vizinhança em geral que já não mais aguentavam a história do seu embarque para o estrangeiro, “em busca do sucesso e da grana”, desse modo contada por um pai orgulhoso. Não, não permitiria tamanha humilhação, nem a si nem aos seus. Morreria por ali mesmo, se fosse o caso.

Mas assim não seria. O visto de permanência e, com ele, o trabalho correto, autorizado, em breve lhe permitiriam a boa sorte e o bem-viver. A terra das oportunidades já lhe sorria. Que bênção!

Documento à mão, não deixou de lembrar dos dias mais duros, ao longo dos quais o insucesso o agoniava tanto quanto a perda iminente daquelas paisagens, daquele clima de quatro estações bem demarcadas: primavera florida, verão ameno, outono com folhas cadentes e inverno com gelo. Ah, a primeira neve, como esquecer dela?

Foi quando o vento norte soprou-lhe, em inglês, os versos e a melodia de “Autumn Leaves”, as folhas outonais que o cancioneiro francês dispôs ao mundo, em 1945, com o título (aqui, aportuguesado) de “Folhas Mortas”. Antes, lembrava da “Iracema” de Chico e, compreensivelmente, se punha na pele dessa moça, um anagrama de “América”, como querem os entendidos na obra de José de Alencar, autor da trilogia indianista não relacionada, evidentemente, às migrações mal, ou bem-sucedidas.

“Iracema voou para a América/Leva roupa de lã e anda lépida/Vê um filme de quando em vez/Não entende o idioma inglês/Lava chão numa casa de chá”, cantava-lhe aos ouvidos, nos tempos mais difíceis, o Chico sempre disposto a denunciar as desigualdades, o desamor e a estupidez de um sistema que expatria parcela expressiva da juventude para o padecimento em terras alheias.

Avancemos no tempo. Seu Januário e Dona Helena começaram a notar depósitos na conta bancária que a ambos propiciava, até então, saques pelo cartão onde pingava o benefício magro da aposentadoria, não mais do que isso. E logo intuíram de onde provinham. Três meses depois, receberam a cartinha do filho mais velho com orientações para o emprego desse dinheiro. Atenderam, primeiramente, à recomendação para compra do telefone doravante utilizado nas conversas diretas, em viva voz.

Somados dois anos desses repasses, aqueles pais tinham o suficiente para aquisição de um belo sítio, à pequena distância da ponta de rua onde viviam, como lhes fora recomendado. A camionete e a carteira de motorista do caçula viriam a seguir. Que bom!

E, aqui e ali, a vida transcorria sem percalços até a quebra de um prato no piso aquecido da cozinha americana, quando lá fora o termômetro marcava dez graus abaixo de zero. “Que diabo! Por que, nessa terra de tanta tecnologia, ninguém fabrica prato inquebrável?”, perguntou-se o dono da casa, ao juntar os cacos. Incomodou-se, também, com a nevasca ininterrupta, impiedosa, deprimente. Quando essa coisa iria parar?

O duralex foi a primeira das suas saudades. Vieram, em seguida, a do filtro de barro, a dos ímãs na geladeira, a do porta-ovos em formato de galinha, a das flores de plástico na mesinha de centro, a do pano de prato na cozinha materna com desenho de um coqueiral e a frase bordada em ponto de cruz: “Lembrança de Tambaú”.

Até então, jamais achara que algum dia, sob qualquer circunstância, poderia sentir falta disso que os refinados relegam ao mau gosto da gente mais simples, ao demodê, à vulgaridade, à cafonice. Nem imaginara que aquelas árvores peladas nos outonos compridos, aquele frio de gelar a alma, aquela comida sem graça e aquele povo sisudo seriam capazes de aborrecê-lo, dia a dia, cada vez mais.

Retornou à casa paterna, pouco tempo depois, tendo em mente a pequena Dorothy e sua sentença: “Não há lugar como nosso lar”. Mas escondeu isso de Deus e do mundo. Nunca tomaria para si os reclamos da garota, quando na terra mágica de Oz, com suas carências. Isso era pranto de menina. O saco cheio é que o fizera voltar. E, afinal, voltava para um sítio do qual poderia viver, uma camionete novinha em folha, o clima quente, os temperos nordestinos e os pratos duralex das avós e mães.

MADONA, QUEM DIRIA, FOI PARAR NO NILTÃO! por José Mário Espínola (*)

Torcida do Ricão (Foto: José Mário Espínola)

Ao longo das duas semanas que antecederam o jogo não se falou em outra coisa, nas rodas de futebol, nos bares, nas rádios e na TV. Também pudera, a notícia não podia ser mais sensacionalista: aproveitando o show que ia dar na praia de Copacabana, a pop star Madona iria assistir o jogo do seu time de coração, o Botafogo de Futebol e Regatas. Ninguém sabe como, mas o fato era que ela ia.

A decisão seria na tarde do domingo, em pleno Estádio Nilton Santos, carinhosamente chamado de O Niltão, pela torcida. O show seria na véspera. A notícia dizia que ela só aceitou se apresentar no Rio de Janeiro, naquela data, por que coincidiria com a final do campeonato. O Botafogo enfrentaria justamente o Flamengo, para aumentar o suspense.

O adversário estaria à altura de uma pop star. Mas não era o jogo em si aquilo que ela queria ver: queria ver o time, especialmente os craques Tiquinho Soares e Túlio Louco Abreu. Pois desde a adolescência que ela sonhava em ver seu time jogar, e a oportunidade era aquela.

***

Os vôos para o Rio de Janeiro lotaram, vindos de todo o Brasil. Inclusive da nossa João Pessoa, onde a companhia teve que botar um avião extra para carregar a nossa torcida, especialmente a Torcida do Ricão, providenciado pelo grande André, que vendeu as passagens de todos, com lucro pra nós.

O vôo especial veio de Natal, com a torcida potiguar liderada pelo Grande (enorme!) Cycy. Já pousou no aeroporto Castro Pinto com a charanga a tocando a todo volume.

A Torcida do Ricão embarcou, comandada pelo próprio Ricão. Lá estavam com ele os mais fiéis torcedores do Glorioso em nossa cidade: Joca; Jair; Chumbinho; Rôrrô, a musa da Torcida do Ricão; André; Major Alessandro; Norat e Ronald; Almiro; Ana Laura e Ricardo Espínola; Teddy e família; os advogados Magela e André; Afro; Mota; Epitácio; Caio e seu pai, Valdir.
Os irmãos Nelson e Nemesius não podiam faltar. Nem Latilson e Mateus Coelho; Dr. Sergio; Ferrari; o pequeno Doutor e sua boca exaltada; Almir; André e Seu Edgar. Luciano Cartaxo; o psiquiatra Dinarte; João Ricardo; Silvino e os médicos João Modesto e Roberto Sérgio. O engenheiro Fernando Dias e Beto Dodô, carregando consigo a sua inseparável Corda, e o seu irmão, o professor Valdir.

O amigo e enxadrista Hélio Albuquerque também foi. Mas, exibindo aquela barba, no aeroporto ele foi confundido com o falecido Bin Laden e quase não o deixaram embarcar.

Marconi Formiga estava lá, sempre fiel. E também Zé Maria; o engenheiro Zé William; o meu amigo Zé Hugo; os enxadristas Fabiano, Túlio e Daniel Lavogarde.

Max Guedes Pereira antecipou a sua volta do Caminho de Santiago para não perder o vôo. O engenheiro Carlos Pereira; Dr. Sebastião, o Defensor do Pulmão. Lá de Patos, comandando a torcida, vieram Ronaldo e Cirino, do DER. Clécio Bocão quase perdeu o vôo, mas conseguiu embarcar.

Em Recife, embarcaria o cirurgião Luiz Alberto Leite, torcedor desde menino, lá em Misericórdia. Em Maceió, embarcaram os irmãos Marcelo e Karlisson Valeriano. No Rio de Janeiro, já nos esperava o nosso anfitrião, o grande botafoguense Luiz Carlos Soares.

Até o Mudinho e o Picolezeiro da Torcida do Ricão… Fizeram uma coleta e os levaram pra ver a Madona e o Botafogo! O Mudinho, que embora assistisse jogos na Torcida do Ricão, era conhecido como torcedor do Vasco. Ele foi delicadamente intimado por Ricão, que disse: “Olha aí, misera! Num vai torcer contra o nosso time! Não pode dar um pio contra o Botafogo! Se não, vai voltar a pé, seu misera!”

Lá no céu, sentados nas nuvens, as almas de meu pai, Chico Espínola; do grande Moreira, zagueiro caceteiro; de Zé Rui e do Professor, além de Tiago e Nelson Júnior, estavam todos lá em cima, torcendo pelo BotaFogo.

***

O estádio estava lotado. Uma festa! Os torcedores, muito excitados, cantavam hinos e construíam imagens de seus ídolos. Primeiro foi a do Garrincha, debaixo de aplausos uníssonos. Depois Nilton Santos, que foi o maior lateral esquerdo do mundo, de todos os tempos, e que emprestou seu nome ao estádio.

Os alto-falantes anunciam a escalação: Jefferson. Joilson, Juninho, Carli e Cezar Prates. Tchê Tchê e Túlio Guerreiro. Júnior Santos, Lúcio Flávio, Tiquinho Soares e Louco Abreu. Todo mundo vibra: “É seleção! É seleção!” Madona nem é mencionada.

À medida que o tempo passa o clima de festa torna-se mais e mais elétrico. Todos procuravam enxergar a Madona, nas arquibancadas e nos camarotes. Mas nem sinal dela.

De repente os alto-falantes anunciaram a entrada dos dois times em campo. Explosão de fogos, enormes tochas de fogo se ergueram diante da torcida. Delírio geral! O maior frisson nas arquibancadas!

As duas equipes se perfilam para ouvir o Hino Nacional. Mas as arquibancadas só cantam o hino do Botafogo: “… tu és o Glorioso, não podes perder, perder pra ninguém!!”

Logo mais o juiz apita, dando início ao jogo.

Zé Mário (e) com amigos na torcida pelo Glorioso

PRIMEIRO TEMPO
Tiquinho toca para Júnior Santos e corre para a área adversária. Júnior Santos toca para Tchê Tchê e também corre para receber o passe à direita.

Tchê Tchê domina, livra-se do marcador e sai correndo com a bola, entrando na área, funcionando como o elemento surpresa. Antes disso é derrubado: falta perigosa!

Quem vai cobrar é Lúcio Flávio, o melhor batedor de faltas de todos os tempos. Daquela distância ali, falta frontal, pra ele é pênalti! Chuta, a bola passa raspando a trave: “UUUHHHH!”, reage a torcida soltando um urro.
E nada de Madona…!

Ataque do Flamengo pela ala direita do Botafogo. O lateral deles vai até a linha de fundo e cruza para a área. Carli tira de cabeça pela linha de fundo: escanteio.

Cobrado o escanteio no segundo pau, Jefferson salva a testada do atacante deles e rapidamente joga a bola para Tchê Tchê. Ele leva a bola e passa para Cezar Prates, que vai até a linha de fundo e cruza para a área. Tiquinho mata no peito, chuta pra Louco Abreu, que faz um belíssimo gol de voleio: 1 a 0!

A torcida vai à loucura, as bandeiras balançam nervosamente, o mais belo escudo do mundo é içado ao longo da arquibancada!

Mas nada da Madona aparecer…

Ataque do Flamengo pela esquerda, chegando à linha de fundo. O atacante é desarmado por Carli, que passa a bola para Túlio Guerreiro. Ele leva até metade do campo e lança para Joilson. Joilson vai à linha de fundo e centra para a área. Tiquinho recebe e passa de cabeça para Júnior Santos, que vinha chegando mas é desarmado.
Falta contra o Flamengo. Muito distante, porém Juninho pega a bola, recua bastante, faz carreira e chuta forte. A bola atravessa a barreira e derruba o goleiro.

Jogo parado para dar assistência ao goleiro do Flamengo. Parece que não dá mais para o goleiro, sai de maca. Afinal de contas a pancada foi forte. Entra o goleiro reserva.

O resto do primeiro tempo só deu ataques do Flamengo. Mas o Botafogo soube segurar o ataque adversário, às vezes recorrendo a faltas, pois Juninho e Carli não eram caceteiros, mas eram dois zagueiros viris, como fora o Grande Moreira, que assistia a tudo lá do céu.

O árbitro apita: fim do primeiro tempo. No intervalo, Bombinha faz a performance de Sidney Magal. É aplaudido pelo Niltão em peso!
E Madona, que é bom, necas!

SEGUNDO TEMPO
Já a partir do apito inicial o Flamengo só faz atacar. E nós administrando o resultado, agüentando a defesa, mas sempre levando perigo nos contra-ataques.

Mas tem que sair logo o segundo gol, pois segundo o teórico Fernando Dias, “ganhando por um, ganhando por nada!” Pois numa bola parada o adversário pode empatar.

Até que numa jogada maravilhosa, bola de pé-em-pé, Tiquinho Soares recebe na frente da zaga, dribla o zagueiro, tira o goleiro e faz o segundo gol, para explosão do Niltão! Que gol! Que festa!

O Botafogo passa a administrar o jogo até os minutos finais, vencendo e convencendo as imprensas carioca e paulista, cujos comentaristas têm muita prevenção contra o Glorioso.

O juiz dá 10 minutos de acréscimo. A torcida explode protestando, elogiando muito a mãe dele! Esgotado o tempo, o juiz pede a bola e dá o apito final: fim de jogo! 2 a 0: Botafogo campeão carioca! Festa no campo e nas arquibancadas!

***

Mas, e cadê Madona?! Isso mesmo: onde estava a mais nova musa do Botafogo? Aquela pop star que se revelou ser pé quente, a anti-Mick Jaeger?!

A essa altura todos já estavam conformados, já nem se lembravam mais dela: deixando o estádio embriagados pela vitória e o título, além da cerveja, só falavam do jogo. Tinham a certeza de que tudo não passou de um golpe publicitário, provavelmente espalhado pela própria diretoria, pra dar renda.

E partiram de volta para as suas cidades, exaustos mas felizes: derrotar o Flamengo, ainda mais com o título de quebra, é vitória dobrada. Mesmo sem ver a Madona.

O fato é que, procurando somente nas arquibancadas e nos camarotes, e depois de olho somente na partida, ninguém prestou atenção nas equipes em campo.

Pois nunca antes na história do Niltão apareceu uma gandula de boné, tão bonita e charmosa como aquela lá embaixo, devolvendo as bolas!

FIM DE JOGO!

_____________________

(*) Alvinegro Fanático