O DESABAFO DE UM MÉDICO

(Imagem: Biologianet)

Prezado Rubens,

O assunto que me move e me traz até você é a frágil saúde de crianças vulneráveis que não podem ser objeto de lucro de uma cooperativa de médicos. Quem vive ou sobrevive em João Pessoa e no resto da Paraíba sabe a que estou me referindo. Mas a mídia está silente e a classe médica, à qual pertenço, também. Envergonham-me.

Não tenho parente autista ou com paralisia cerebral, mas sinto a dor das mães e das crianças. Como médico, estou e devo estar sempre atento ao sofrimento alheio. É o que chamam de empatia. E não me importa, em absoluto, quem está certo ou errado nessa querela. Que, pelo visto, tem no dinheiro sua razão maior. Nesse terreno, no caso em apreço, a julgar por ações e reações de uma das partes em litígio, dela não cai um pingo de humanidade.

Quem tem o mínimo de compreensão das circunstâncias e sofrimentos que envolvem o problema deseja que todas as crianças vítimas dessa guerra sem sentido sejam atendidas com a melhor tecnologia disponível, atinjam o máximo da sua capacidade cognitiva e tenham um futuro não dependente de quem só objetiva lucros.

E a imprensa, hem? Também pelo visto, o jornalismo que tantos colegas seus dizem praticar não se pronunciou ou investigou. A classe médica e seus órgãos representativos, da mesma forma. Não o fazem, mas poderiam questionar – pelo menos refletir – sobre a função social de uma cooperativa médica. Lucros, lucros e lucros? E o lado humano?

Não me tornei médico para passar tamanha vergonha alheia. Peço, contudo, sigilo da fonte. Peço porque temo represálias. Inclusive por receber informações segundo as quais a cooperativa em causa estaria em situação pré-falimentar. Nessa conjuntura, se procedente, bate tanto o desespero como o corte de determinadas “despesas” por quem está à frente do empreendimento. E lá, quem já era capaz de tudo, é capaz de muito mais.

De qualquer modo, imagino: o mesmo temor que me oprime deve ser compartilhado por quem “anda falando de lado e olhando pro chão”, como dizem os versos de Chico Buarque. Pois é assim, desse jeito, que impera a omissão entre os temerosos. E nesse império do mal muitos sequer falam de lado, muito menos olham pro chão. Apenas fazem vista grossa. Por conivência, cumplicidade ou interesses outros que não dá para dizer aqui quais são.

Faça o que bem entender deste desabafo, meu caro. Sua atenção e leitura já me bastariam.

Fraternalmente,

Médico Indignado

***

  • Nota do Editor
  • No Dia Mundial da Conscientização do Autismo, o Blog do Rubão recebeu a carta acima transcrita. Por óbvio e evidências, remete ao caso Unimed-JP versus Clínica Estima, também de João Pessoa, especializada em autismo, Síndrome de Down e outros “transtornos do neurodesenvolvimento”.
  • A clínica enfrenta um processo de descredenciamento da cooperativa médica, supostamente por não permitir auditoria que a Unimed realiza em sua rede assistencial. Com isso, cerca de 700 crianças teriam sido prejudicadas por descontinuidade de tratamento.
  • Na tarde desta terça-feira (2), A Unimed divulgou nota informando que a partir de 6 de maio a Estima será substituída por sete prestadoras “equivalentes”, com “capacidade de atendimento aumentada”, posto que terminaria somente no dia 5 do próximo mês o contrato com a Estima.
É BOM ESCLARECER
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Uma resposta para O DESABAFO DE UM MÉDICO

  1. Juliana Karla escreveu:

    Simplesmente, FENOMENAL!!!!!

    A medicina é dom divino. Só os verdadeiros sabem do que se trata.
    Mãe de Autista que sou, concordo e agradeço cada palavra deste Médico com M.

    Linda homenagem à Comunidade Autista.