JORNALISTA SE VÊ ALVO DE PATRULHAMENTO

Luís Tôrres, diretor de jornalismo do Sistema Arapuan, em entrevista ao Observatório Debate

Entrevista de ex-ministro da Saúde à TV Arapuan atacando a vacinação gerou Termo de Ajustamento de Conduta para o sistema do qual Luís Tôrres é diretor de Jornalismo

por Rubens Nóbrega, Observador Credenciado do OPJor (*)

Diretor de Jornalismo do Sistema Arapuan de Comunicação, o jornalista Luís Tôrres considera patrulhamento e criminalização do jornalismo ações ajuizadas contra veículos de comunicação que divulguem mentiras, deturpação de fatos ou acusações infundadas proferidas durante entrevista. O entrevistado deve ser responsabilizado, não o entrevistador, enfatizou.

Tôrres manifestou seu posicionamento nesta quarta-feira (27) no programa Observatório Debate, produzido pelo Observatório Paraibano de Jornalismo (OPJor) e transmitido pelo YouTube. Ele foi abordado sobre Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) firmado recentemente entre o Sistema Arapuan e o Ministério Público Federal (MPF) para combater desinformação sobre vacinação contra a Covid-19.

Segundo o jornalista, o TAC baseou-se em tese jurídica, adotada pelo Supremo Tribunal Federal (STF) em novembro de 2023, que fixou critérios para responsabilizar empresas jornalísticas “por divulgação de acusações falsas”. Por maioria, o STF decidiu que tais empresas “têm o dever de verificar a veracidade dos fatos alegados e de esclarecer ao público que as acusações são sabidamente falsas”.

De acordo com o MPF, a desinformação que tentou desacreditar a imunização contra a Covid-19 foi gerada em 24 de janeiro deste ano durante entrevista do médico Marcelo Queiroga, ex-ministro da Saúde, à TV Arapuan. Além de criticar o governo federal por incluir crianças de seis meses a cinco anos entre os grupos prioritários para receber a vacina contra a doença, ele relacionou a vacinação a mortes.

“Podem existir óbitos com efeitos adversos da vacina”, afirmou Queiroga ao ser perguntado se “a vacina mata?”. Pergunta formulada por Luís Torres, que entrevistava o ex-ministro. Indagado ontem porque não questionou nem contestou tal afirmação, Tôrres disse que Queiroga “deu uma opinião (…) e, absurdamente ou não, ele tem o direito de dizer e ser responsabilizado pelas loucuras que diz”.

O jornalista comparou ao AI-5 (Ato Institucional nº 5 emitido pela ditadura militar quatro anos após o golpe de 1964) a iniciativa de quem denunciou o Sistema Arapuan por conta da entrevista de Queiroga. “Isso é coisa de 64, esse negócio aí, movido por quem moveu, é coisa de AI-5”, acentuou, referindo-se ao fato de que o TAC nasceu de uma provocação de terceiros e não por iniciativa própria do MPF.

Tôrres lamentou que o episódio e suas consequências não façam justiça ao “histórico de responsabilidade de informação da Arapuan”. Garantiu que o grupo de comunicação liderado pelo empresário João Gregório celebraria e cumpriria “50 mil acordos como aquele”. Mesmo considerando o equívoco de quem o provocou, reforçou, e mais ainda de quem denunciou o sistema à Procuradoria da República na Paraíba.

Formado em jornalismo pela Universidade Estadual da Paraíba (UEPB), Luís Tôrres ingressou na profissão em 2000. Editou a revista O Forte (Cabedelo), foi subeditor de Política do Jornal da Paraíba, comentarista de política da TV Cabo Branco (João Pessoa), coordenou os portais ClickPB e PB Agora e exerceu o cargo de secretário estadual de Comunicação de 2014 a 2019.

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  • (*) Observatório Paraibano de Jornalismo

CIRCO, SANTOS E FEIJÃO NO COCO, por Frutuoso Chaves

Imagem: YouTube

Foi pequena a temporada do Circo Estrella del Mar, na cidadezinha. Não passou de uma semana, enquanto os outros, antes e depois dele, demoravam-se, ali, 15 ou mais dias, até a mudança para a praça seguinte.

A confusão em que seus artistas se meteram foi apenas uma das razões para a curta permanência. A outra foi a Semana Santa, tempo da reclusão de corpos e espíritos, dias de meditação e luto.

Também, de tudo com leite de coco: o peixe, o bredo verdinho e até o feijão nosso de cada dia. Das coisas assim temperadas por ordem expressa da minha mãe nem o dono da casa escapava. Mesmo ele que pretendia mandar em tudo com pulso de ferro.

Como eu detestava feijão no coco. E acredito, piamente, que assim estava em numerosa companhia. Não conheci menino da minha idade que disso gostasse. A não ser os bem pobrezinhos, aqueles que pediam um jejum para as mães jejuarem. Não estariam a pedir o contrário: um desjejum para a mãe, ou quem quer que mais fosse?

Pedido de perdão tem prazo validade? Espero que não tenha, pois, sinceramente, eu também não gostava da Semana Santa. Daqueles dias intermináveis de reflexão e reza, dos santos todos cobertos e da alimentação frugal, sem carnes, até o momento do exagero de peixes, favas e feijões, tudo com o bendito coco.

De circo, naqueles meus 14 anos, eu gostava. O Estrella del Mar – assim mesmo, metido a besta, espanholado – chegou sem aviso. A indicação do terreno deu trabalho à Prefeitura. O padre não queria aquilo perto da Via Sacra. O ponto então escolhido foi o Compra-Fiado, topônimo inspirado na penúria dos moradores. O lugar abrigou, direitinho, o tablado, a arena, o pano de roda, as tendas e tralhas da trupe.

Fugi duas vezes para ver o espetáculo e, já na primeira, caí de quatro pela contorcionista, um elástico em pessoa. Que vergonha quando o número terminou e aquela pequena deusa subiu ao poleiro (os degraus que nos estádios de futebol abrigam os geraldinos, a turma sem grana) e pôs uma fita perfumada no meu ombro, providência destinada a arrecadar um dinheirinho além da quantia mixuruca rateada pela bilheteria. Até Paulo Barbosa, duas fileiras abaixo, costumeiramente mais liso do que eu, contribuiu, fita no ombro, com a bolsa da menina. E eu, ali, sem um níquel.

O desejo da reparação foi o que me fez voltar ao circo onde tudo se repetia: o palhaço com as mesmas piadas, os acrobatas com as mesmas piruetas e a pirralha com aquela fita cheirosa. A diferença, acho eu, foi a cédula a ela entregue, desta vez, com o valor e o tamanho do meu encantamento. Demorasse mais por ali o Estrella del Mar, a padaria do meu pai teria falido mais cedo.

Minto. Havia outra coisa também diferente naquela noite: a segunda parte do espetáculo reservada ao teatro, se é que as falas recitadas e a má postura dos atores mereciam o termo. O tema escolhido, em homenagem à ocasião, era A Paixão de Cristo.

Mesmo inocente acerca de muitas coisas da vida, em razão da pouca idade, comecei a desconfiar do empurrão forte de um soldado romano num dos apóstolos. Não era em Cristo que ele deveria bater? A barba espessa na cara de surpresa do homem assim agredido não me era de todo estranha. Eu a conhecia da cena anterior quando na cara de Judas e, antes disso, na do mestre de cerimônia.

Não demorou muito para o distinto público, ao cabo do terceiro intervalo, se horrorizar com a perseguição ao barbudo por alguém de túnica levantada e faca na mão. O perseguido fugiu pelo picadeiro, a rota mais curta.

Escapou do inimigo, mas não do delegado Fonseca que deu ordem de prisão à trupe inteira. Eu soube, depois, que a bebida corria solta nos bastidores reavivando a inimizade entre aqueles dois. A encrenca tinha começado em Itabaiana, a praça anterior, por causa do desrespeito ao décimo mandamento.

Definitivamente, os homens não aprendem. É lição que advém dos tempos bíblicos, mas nunca aprendida. Os machos, em todas as eras, não atinam para o fato de que não se deve juntar mulher e cachaça, se um estiver de olho apenas na bebida e, o outro, também, no tira-gosto.

De todo modo, acho que os dois inimigos se reconciliaram depois de uma noite na cadeia, porquanto partiram juntos e em paz, três dias depois do acontecimento.

Quanto a mim, observo que certas coisas deixam marcas permanentes. Ponham-me, ainda hoje, frente a apresentações da tevê com essas divindades olímpicas que pairam no ar e assombram o mundo com seus rodopios e logo me vem à mente a garota do Circo Estrella del Mar. Mesmo que eu nunca mais tenha sabido dela.

SEGREDO FERVENTE, por Babyne Gouvêa

Imagem: TripAdvisor

Pilar, cidade da Paraíba, terra natal do escritor José Lins do Rego, o destino. Cercania da Rua do Cruzeiro, na Serventia, o endereço. Perguntando a um e a outro a casa de Mãe Solteira foi localizada.

A senhorinha franzina, que atendia pelo codinome Mãe Solteira, tinha os seus sessenta anos com aparência de noventa e alguma coisa a mais. Chegou à porta da frente de sua morada e, com cara de poucos amigos, encarou quem a procurava.

Tinha o rosto com sulcos causadas pelo excesso de sol no trabalho na lavoura. Habitava uma choupana de chão batido, paredes de taipa e telhado de palha. Da entrada do seu lar era possível visualizar todo o pequeno reduto que a abrigava.

A conversa começou com a forasteira sendo interrogada sobre o motivo da visita. Foi logo intimidando com um olhar de meter medo. A visitante resolveu dizer que tinha sabido do interesse de sua neta em trabalhar na capital.

De repente, surgiu a mocinha puxando uns caprinos por dentro de casa. A velha senhora gritou: “avie, menina, você vai pra capitá”.
“Chega qui”, falou Mãe Solteira mostrando à desconhecida uma chaleira com água fervendo num fogão à lenha. “Tá vendo, né?”, perguntou à futura patroa da neta. “Espia bem”. A moça ficou com a orelha em pé, questionando a advertência.

Logo depois, a neta apareceu com uma trouxa com os seus pertences. Ao sair, pediu a bênção à avó, que lhe tranquilizou: “não se avexe”, e apontou a chaleira como código de segurança das duas.

Graças ao “Padim Ciço”, dizem os devotos, o segredo da dupla não foi acionado.

O LEGADO DE UM HOMEM, por Frutuoso Chaves

Finalmente, tenho em mãos o autógrafo de Magdala Cavalcanti de Melo numa das folhas de rosto de “Chico do Pilar – O legado de um homem”, o livro sobre as origens e os feitos de uma figura admirável.

A assinatura toma a data de 17 de setembro de 2023, o que permite a contagem de tempo desde a oferta até o recebimento. A prestimosidade do editor Iam Pontes fez com que me chegasse o exemplar que me fora reservado na Livraria do Luiz pela generosidade da autora. Isso, com o auxílio luxuoso do querido Paulo Emmanuel, o filho que tomo por empréstimo do companheiro Gonzaga Rodrigues.

A suspeita da dengue, confirmada em exame posterior, impediu-me a presença no lançamento. Em seguida, a convalescença empurrou a entrega mais para adiante e, com o reforço de uns lapsos de memória e da locomoção mais difícil, pois não dirijo há cinco anos, o tempo foi passando. Mas, felizmente, tenho comigo a dedicatória envaidecedora no livro com o selo da MVC/Forma, sinônimo de competência editorial. Da Gráfica A UNIÃO não seria de se esperar menos do que a impressão e o acabamento primorosos.

Magdala fala de Chico do Pilar – prefeito por duas vezes e deputado estadual – com o olhar e o desvelo esperados, porquanto trata do pai a quem ela e os irmãos idolatram. Mas é espantoso observar que não é menor, ainda hoje, a admiração de muitos, entre os pilarenses, pelo amigo de todas as horas.

Lembro das caras fechadas das irmãs Rosa e Guajarina, primas do poderoso chefe político local, o usineiro Agnaldo Veloso Borges, de quem eram primas, em razão de haver meu pai rejeitado um candidato a prefeito por este então indicado. Lá em casa, votava-se em quem viesse dos lados e agrados da Fazenda Independência. Ainda criança, lamentei a proibição à performance de Rosa quando da execução ao piano de antigas marchinhas, parede e meia com nossa casa. Minha mãe proibiu-me as visitas enquanto duraram os ressentimentos.

Fiz parte, porém, da plateia de meninos para o quebra-pau da TV Ringue Torre e os jogos do Santa Cruz contra o Sport exibidos pelo televisor dos pais de Magdala, na sede da Fazenda. A sintonia em preto e branco era a da TV Jornal do Commercio do Recife, com direito a chuviscos. Não mais lembro de quem partiam os convites endereçados, prioritariamente, ao amigo Wolney, aluno, como eu, de escolas primárias situadas no Recife. Estávamos em casa nos períodos de férias quando restabelecíamos contato com irmãos de Magdala. Convivi, ocasionalmente, na fase da juventude, com Rogério e Aristeu. Um jipe sem capota do primeiro deles nos conduzia até os braços de umas tantas morenas, ao cabo do pastoril profano de Itabaiana. Hoje, aquela rua é tão honesta e decente quanto assim eram as lapinhas abençoadas pelo Padre Gomes, no Pilar da nossa infância.

Li, de um fôlego só, o saboroso relato de Magdala acerca da vida e dos predicados do pai. Leitura fácil e prazerosa, sobretudo, pelos que tiveram a sorte de conviver com aquela boa gente. Seu Francisquinho, assim tratado entre nós, tinha o acolhimento do seu povo em razão da boa têmpera, dos bons préstimos e do propósito de bem servir. Bem lembro disso: dentista prático, ele socorria, graciosamente, legiões de pilarenses sem levar em conta suas preferenciais partidárias.

Quantos nomes (muitos já me escapavam) o texto de Magdala me trouxe de volta à memória… O canoeiro Petório foi um deles. Seu medo de enfrentar o Paraíba, numa das grandes e perigosas enchentes, fez o jovem Francisco cruzar a nado as águas revoltas para levar à Estação de Trem a cartinha destinada à noiva Oza, a moça da cidade de Aliança, Pernambuco, com quem se casaria em primeiras núpcias. Assim contava aquele povo e assim Magdala confirma a seus leitores. A convivência estreita e pacífica entre os personagens desses dois ramos familiares rende um belo conto. Mas, antes de tudo, bem ressalta a grandeza espiritual da Dona Carminha, a bela senhora de cujo ventre Magdala e seus irmãos vieram ao mundo.

Repleto de fotos e documentos, “Chico do Pilar – O legado de um homem” reproduz os fatos, tal como ocorreram. Foi o resgate de um débito bancário contraído pelo amigo de quem era fiador – e não o carteado no Cabo Branco, talvez, seu único defeito – o que fez Seu Francisquinho e família perderem a bela casa de pedras róseas instalada na esquina da Maximiniano Figueiredo com a Camilo de Holanda e, de resto, também, na memória afetiva de gerações de pessoenses. O coração o matou no último dia de agosto de 1964. A você, Magdala, grato pelo autógrafo e pelo livro tão grato à memória da nossa gente.

DE PIERRE A MALAKA, por Frutuoso Chaves

Pierre Landolt (Imagem do YouTube)

Romã… Eu não consigo ver essa fruta sem que me venham à lembrança duas figuras interessantíssimas. A primeira, o francês Pierre Landolt que a cultiva, de forma orgânica e consorciada a carneiros, nas Várzeas de Sousa, onde o conheci quando acompanhava, em 2015, uma inspeção do Tribunal de Contas ao Perímetro Irrigado. Além de limparem os aceiros os bichos, ali, ainda adubam o terreno.

Preparava-se Pierre, na ocasião, para exportar o resultado das primeiras safras à Europa. Brinquei: “Quer dizer que veremos, dentro de pouco tempo, o tratamento de gargantas, no mundo inteiro, por remédios feitos com romãs do Sertão?”.

A resposta me surpreendeu, como, aliás, surpreenderia à minha e às avós de vocês. “É mito. Romã serve mesmo é para combater a depressão”. Falava, sem dúvida, com a autoridade de quem é sócio da Novartis, o quarto maior laboratório farmacêutico do planeta, um patrimônio advindo do bisavô, o suíço Edouard Constant Sandoz. Repito: Sandoz.

Pois bem, foi a união da Sandoz com a Ciba que originou a Norvatis. Li, numa edição da Revista Exame, datada de 2000, que a Fundação Sandoz controlava, em Genebra, o Banco Edouard Constant, a Interoute (empresa de telefonia atuante em onze países europeus) e a World Online International, um provedor de serviços de Internet criado na Holanda.

A outra lembrança é a do grego Malaka, cujo nome de batismo não me recordo agora, mas poderia conferir, se a preguiça deixasse, em matéria de duas páginas, resultado de entrevista que ele me concedeu para o Jornal do Commercio do Recife. Para tanto, eu teria que abrir alguns baús.

Foi o companheiro Figueiroa Oliveira da equipe de Circulação do jornal, quem me apresentou a Malaka. Que história o grego me contou. Descendente de judeus, foi prisioneiro em Auschwitz e ali esteve, por duas vezes, na fila da câmara de gás. Em ambas as ocasiões, a sirene acionada ao final de cada expediente o salvou da morte lenta e brutal.

Ele viu, entretanto, a execução dos pais e tios. Quando um soldado russo o resgatou, o moço alto, que então já era, estava reduzido a 45 quilos. Os alemães não o mataram, mas a vergonha quase o conseguiu, posto que estava a furtar chocolates da mochila do salvador enquanto era socorrido.

E a romã com isso? Pois bem, ficamos amigos depois da publicação da matéria e, assim, fui inscrito, juntamente com Figueiroa, na seleta lista de convidados para a Festa de Reis que Malaka e a paraibana Terezinha, com quem se casou, davam na casa da família, em Tambaú.

Cada convidado recebia três sementinhas de romã a serem mantidas na carteira, em meio a cédulas e moedas, para devolução na festa do ano seguinte. Neste caso, as sementes velhas eram jogadas no telhado do anfitrião, depois do que recebíamos sementes novas. A repetição, ano após ano, jurava o grego, nos garantiria dinheiro e saúde. Acho que esta foi a única mentira que ele me contou na vida.

O TEMPO E OS COSTUMES, por Frutuoso Chaves

Imagem copiada da CNN

Este sujeito que vos fala, este que começou a teclar notícias na máquina datilográfica, como tantos de seus semelhantes, não para de se espantar com a invasão da privacidade proporcionada pela internet.

Logo me vem à mente o Big Brother. Não a franquia de mídia criada há 20 anos, em escala mundial, pelo executivo de uma tevê holandesa, esta abjeção que a Globo põe no ar. Mas, sim, o Big Brother original, “O olho que tudo vê”, como descrito no livro “1984”, de George Orwell.

Pois bem, eu me descobri diabético, tempo atrás. Fui ao médico, que me prescreveu remédios e à nutricionista que me impôs uma dieta severa. Sabem de quem recebi, depois disso, pedido de adição à relação de amigos que mantenho na minha página pessoal, a que abri no Facebook? Lá vai: de um troço chamado “Diabetes Mellitus”.

É claro que recusei o pedido. Já me basta a invasão orgânica da doença em si. Entrou-me sem que eu assim pedisse. E, como se isso já não bastasse, essa coisa também me invade o espaço eletrônico no qual apenas deveriam caber os temas requeridos e amigos antigos, ou de ocasião.

Como explicar isso? Penso e logo percebo que eu – a exemplo de todos vocês – sou um número de computador. Tenho a vida e a sorte registradas no CPF. Uma simples consulta ao cadastro de contribuintes e o Sistema (assim entendidos os Poderes Públicos, a rede bancária e financeira, as lojas, supermercados, restaurantes, bares e hotéis) logo sabe quem você é, onde mora, onde trabalha, qual o número do telefone.

A “Diabetes Mellitus” – certamente, um grupo clínico, ou farmacêutico, que deletei sem abrir – entrou sem bater, invadiu-me o espaço. Não sei o que me oferecia, embora disso desconfie. Mas sei como me encontrou no santo recesso do lar.

Uso, como você, dinheiro de plástico. Deixo rastros eletrônicos a cada vez que pago minhas despesas com cartão de débito. Isso voltou a acontecer quando desembolsei uma boa grana com o endocrinologista, com a nutricionista e com a farmácia. Pronto: tornei-me, apesar da idade avançada, um diabético novo na Praça, fresquinho (no bom sentido), apreensivo e abordável. Achar-me foi bem fácil. Bastou aos urubus de plantão seguir meus passos de clínica em clínica e de farmácia em farmácia. “O tempora, o mores”, diria Cícero.