O VELHO E O MENINO, por Frutuoso Chaves

Calendário de 1953, comemorativo dos 50 anos da Ford

As viradas dos anos trazem-me sempre à memória aquelas antigas figuras de calendário: as do velhinho e do menino, o primeiro a se despedir do tempo e o segundo a nele ingressar. Mas não são quadros difusos o que me vem à lembrança nessas ocasiões. É, ao invés disso, uma gravura específica que suponho ter visto, pela primeira vez, na Farmácia de Seu Israel, no Pilar da minha infância. Apenas suponho, dada a possibilidade de tê-la contemplado em outro ambiente.

É provável que, sem consciência disso, haja eu, então, associado a imagem em carne e osso do velho farmacêutico à do Matusalém de papel e tinta. Dono da calvície mais completa que alguém possa merecer, o primeiro deles ainda exibia o peso e os males da idade numa corcunda impressionante. Tinha na coluna as dobras de um anzol. Espantosamente, porém, tais defeitos sublinhavam suas virtudes. Afável, cortês, obsequioso, fizera-se admirado e benquisto pela cidade inteira.

Eu nunca soube de uma viva alma que dele não gostasse. O saudoso professor José Augusto de Brito, um dos seus muitos admiradores, contava que, de tão bom, Seu Israel, ao pressentir a morte, tratou de esconder a caderneta de fiados para que os herdeiros não fossem cobrar aquilo que os amigos mais pobres não poderiam pagar. A farmácia durou o tempo exato da existência do dono. Morreram ambos quase com o mesmo suspiro.

Está explicado porque eu passei a unificar os dois velhinhos: o boticário e o da gravura. Isso também esclarece porque, até hoje, me compadeço da figura provecta tomada como símbolo da morte do Ano Velho. A pintura tinha a resignação, o corpo alquebrado e o olhar triste de Seu Israel. Daí eu acreditar que estivesse pregada à parede da pequena farmácia. Não, noutro lugar qualquer. Estaria, isto sim, ali, no seu templo, à semelhança do dono da casa.

Salvo raríssimas exceções, não maldigo um ano que se encerra. Afinal, nada é totalmente perfeito, ou imperfeito. Por essa mesma razão, nunca me dispus a ver o Ano Novo como prenúncio da felicidade plena e absoluta.

Mas, como você, também sou feito de fé e esperança. Torço para que atravessemos o Ano Novo sem maiores problemas com a subsistência, com a saúde, com a família e com as amizades. Digam os anjos Amém.

É BOM ESCLARECER
O Blog do Rubão publica anúncios Google, mas não controla esses anúncios nem esses anúncios controlam o Blog do Rubão.