Um danado o barbeiro Parcela. Sem formação acadêmica, aprendeu por si próprio tudo aquilo com que impressionava aquele povo. Tinha, porém, um defeito: o da absurda intolerância aos broncos. Esfregava a estupidez na cara dos estúpidos sem dó nem piedade.
– Para que diabo estudar trigonometria? O que vou fazer com isso? – perguntou Zezinho, dono da nota vermelha que então revia no boletim escolar enquanto aguardava o corte de cabelo num sábado de fila grande. “Vai deixar de ser burro”, respondeu Parcela para o riso da freguesia. E, de pronto, defendeu o aprendizado da matéria com a pergunta ao jovem cliente: “Se a questão for sobre a altura da torre da Igreja você vai pedir ao professor andaime e trena?”.
Ele sempre recorria a problemas diários, a situações corriqueiras, para explicação de tudo. E, nessas ocasiões, atento à reação da plateia, beirava o orgasmo. Como gostava de se exibir… Pediu, então, ao rapazote:
“Tome essa torre como lado de um triângulo. O segundo lado será o comprimento da sombra dela no chão. Verifique o ângulo de inclinação do sol. Se ele nascer às 5 da manhã, estará a 45 graus por volta das 8 e meia. Faça a coisa nesse horário. Você terá um triângulo retângulo e os valores para o cálculo trigonométrico. Você vai querer a tangente, ou seja, a razão entre o lado oposto ao ângulo de 45 graus, que é a nossa torre, e o lado adjacente a este mesmo ângulo, o da sombra cujo comprimento você já terá medido. Tangente de 45 vale 1. Pronto, estará resolvido o problema”. Juro como houve aplausos.
Olival, um terraplanista juramentado, cortou relações com Parcela, por quem também foi chamado de burro. Quantas inimizades nosso barbeiro não faria nos dias de hoje? “Sabe quem foi Eratóstenes?”, perguntou ele a um Olival que, até então, nunca havia ligado o nome à pessoa.
E lá veio a explicação. Eratóstenes, nascido no ano de 276 antes de Cristo, mediu a circunferência da terra com margem espantosa de acerto. Esse camarada fez o seguinte: enfiou uma estaca, verticalmente, em Cirene, sua cidade, em 21 de junho, Solstício de Verão no Hemisfério Norte, com o sol a pino, mas sem produzir sombras. O mesmo não ocorria, porém, a 800 quilômetros, em Alexandria, na mesma ocasião e com estaca semelhante em verticalidade e tamanho. Ali, em relação à primeira, a segunda estaca tinha uma inclinação de sete graus. Eratóstenes intuiu que a Terra era redonda e calculou a profundidade em que ambas as estacas se tocariam ao cabo de duas retas até o centro do planeta. Eureka! Obteve o raio terrestre, valor imprescindível ao cálculo da circunferência planetária.
A encrenca começou quando Olival, duvidando dessa história, perguntou por qual telefone Eratóstenes informou-se da inclinação da estaca enfiada, concomitantemente, nos solos de Cirene e Alexandria. “Pelo da tua mãe”, foi a resposta curta e grossa. Parcela, quando contrariado, sempre botava a mãe dos outros no meio da conversa. No caso em pauta, perdeu o amigo e o bigode longo, belo, encorpado, por este doravante entregue aos cuidados de Manoelzinho, o barbeiro concorrente.
A cada eclipse eu me lembro de Parcela. Era um dos seus temas preferidos. Caso ainda vivesse, a ele eu não contaria que, decepcionado, nada vi além de um Sol ofuscante na tarde do sábado. Posso ser burro, mas não sou doido.
Eu quase me esquecia. Eratóstenes deu à circunferência terrestre o valor de 40 mil quilômetros. A ciência moderna corrige isso para 40.075. Errinho insignificante, não é não?
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