Demorei quase 60 anos para subir de novo a Serra de Dona Inês. Voltei lá no último dia 19, a convite do escritor Ramalho Leite. Ele me deu o cabimento de apresentar seu livro de memórias – ‘Era o que tinha a dizer’ – em memorável noite de lançamento na Casa da Memória da cidade.
Reapaixonei-me pelo lugar que a viagem tirou da parede de lembranças da minha infância. Lembranças imprecisas de um tempo que rememorei graças a vestígios de férias na Carnaúba, vasta terra inesense que pertenceu a Joca e a Severina Barbosa, pais de Maria Aparecida, minha adorada mãe.
Este neto não chamava um ou outro pelo nome que o povo de fora chamava. Ele era Padim Joca; ela, Mãe Ina. E do baixinho forte quase sempre carrancudo, plantador de agave e criador de gado, guardo bem a repreensão a qualquer algazarra de criança ou mesmo de adulto na sua presença.
“Homem de muito riso é homem de pouco siso”, ralhava. “Oxe, Joca, menino é assim mesmo”, rebatia minha avó, fazedora do queijo mais gostoso do universo. Adorava ainda mais o de manteiga, que ela esparramava até a borda dos pratinhos de ágata arrumados sobre a mesa do café da madrugada.
“Pera, menino… Come agora não… Vai queimar a boca”, alertava inutilmente. Esperar o quê? Bastava amornar um pouquinho. O guloso aqui não esperava, super ansioso para devorar aquele caldo grosso amarelinho, fumegante. Não esperava mesmo o esfriamento que daria consistência àquela delícia.
Após dois ou três minutos de sopros intensos, simultâneos a muitas mexidas com uma colher, engolia tudo avidamente. Mesmo de bucho já cheio do leite espumoso e quentinho que meu avô chiringava no copo grande de alumínio, forrado de açúcar, quando ordenhava uma holandesa no curral da fazenda.
Não deu tempo passar na Carnaúba no final de semana que passou. Ficou para uma próxima visita, que farei com mais tempo para conhecer mais de Dona Inês. Que, pelo pouco visto ou revivido, tem agora tudo para ser a bola da vez nos roteiros turísticos e rotas culturais do interior da Paraíba.
Atrativos e encantos não faltam, guiados por uma gestão aberta às boas políticas e práticas de educação, cultura e turismo. Para tanto, Dona Inês reuniu gente muito boa e competente para promover o que é bom e faz bem, lembrando-me bastante o desabrochar de Bananeiras, quase 20 anos atrás.
- (Republicada do Diário de Vanguarda)
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