Antes de tentar responder a essa pergunta, é necessário contextualizar as razões pelas quais ela foi feita.
No mês de outubro de 2022, a Fundação Espaço Cultural (Funesc) lançou edital para ocupação dos boxes do Espaço Cultural José Lins do Rego. A Federação Paraibana de Xadrez resolveu participar do processo seletivo, tendo em vista seu interesse em ter um espaço físico para a prática do jogo.
O item 4.1.3 do edital estabelecia que “as propostas com atividades culturais teriam prioridade na avaliação e seleção de cada requerimento”. Em razão disso e em função do desenlace da seleção, a questão levantada no título é oportuna.
De pronto, posso afirmar categoricamente que o xadrez é uma atividade cultural. São inúmeros os estudos acadêmicos que confirmam essa afirmação. Mas algumas citações resumem e refletem com clareza a inserção do jogo na cultura. Uma das mais famosas é a do físico J.R.Bowman, que diz:
- A impossibilidade de conhecer o melhor lance em uma partida de xadrez é o que eleva o xadrez de um jogo científico para uma forma de arte, um meio de expressão individual.
Anatoli Karpov, ex-campeão mundial, e E. Guik escreveram o livro “Mosaico Enxadrístico”, e no prólogo fizeram a seguinte ponderação:
- Nas discussões, com frequência se levanta a seguinte questão: o que é o xadrez: esporte, arte ou ciência?
Cada um destes três elementos está presente no antigo e sempre jovem jogo, mas em diferentes situações prevalece algum deles. O participante de competições classificatórias encara o xadrez como esporte. O grande mestre que sacrifica com elegância a dama ou o compositor que cria uma miniatura veem no xadrez antes de tudo uma arte. O pesquisador que elabora uma nova ideia de abertura ou analisa um complicado final dirá que é ciência.
Daí podemos afirmar que o xadrez oferece ao seu praticante a oportunidade de desfrutar de uma atividade que envolve o esporte, a arte e a ciência a um só tempo.
Retornemos ao edital. A proposta da Federação Paraibana de Xadrez foi desclassificada, e a decisão da comissão de seleção se baseou em um parecer jurídico que afirmou o seguinte: “A parte recorrente tem como atividade Xadrez, também conhecido como xadrez ocidental ou xadrez internacional, é um esporte, arte e também ciência, enquanto que a vencedora tem como atividade principal a DANÇA. Portanto, a atividade de XADREZ É ANTES DE TUDO UM ESPORTE e não se enquadra quando seu concorrente detém de um enquadramento específico por se tratar de DANÇA.”
É importante esclarecer que a primeira parte do referido parecer é uma transcrição literal de um verbete da enciclopédia livre Wikipédia. Já a afirmação da segunda parte, a que diz que o XADREZ É ANTES DE TUDO UM ESPORTE, provavelmente seja decorrente de uma interpretação personalíssima do autor do parecer, pois nem o próprio verbete no qual ele foi baseado faz tal afirmação. Aliás, essa é uma assertiva que não existe na literatura especializada. Então, entendo que tal interpretação foi certamente baseada na ordem das palavras (esporte, arte e ciência), o que, convenhamos, é uma visão extremamente frágil, para dizer o mínimo.
Mas o entendimento de que o XADREZ É ANTES DE TUDO UM ESPORTE levanta outra questão. Para justificar sua posição, o parecerista excluiu o esporte do rol das atividades culturais. Logo o esporte, uma das mais importantes manifestações socioculturais da humanidade!
É evidente que as instalações físicas do Espaço Cultural José Lins do Rego não são direcionadas para a prática de atividades esportivas em geral, mas são perfeitamente adequadas para abrigar o xadrez, haja vista se tratar de uma atividade eminentemente mental.
Por fim, de se lamentar a postura de um órgão que visa difundir e estimular as atividades culturais, mas tenha se utilizado de uma justificativa eivada de falácias para discriminar uma atividade tão nobre como o jogo de xadrez. Vida que segue.
- Marcelo Urquiza é presidente da Federação Paraibana de Xadrez
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