Renitentes, e imperativos como uma sombra, certos sentimentos me perseguem e me fazem deslizar constantemente na pessoal arguição: sou ou estou velho?
Sempre tive a constante cristalização de que ainda não sinto ter esgotado a cronologia da vida. Fragmentos e intensos sentimentos de juventude desmentem a minha idade. Nunca me sinto rígido como um código de barras submisso à tecnologia que impõe o dever.
Nunca me inquietei com as idades que tive. Vivi como um danado. Medo ou coragem não me recordo se os tive ao enfrentar os meus caminhos por mais tortuosos que tenham sido. Não sei se me acometeram também vacilos ou graves temores.
A morte sempre a releguei a uma condição de uma longínqua ideia com uma desprezível projeção. Calendários existentes, sempre os achei que o tempo e a sua inexorabilidade podem passar, as pessoas não.
Impetuoso e atrevidamente admito até hoje que não se devem perder paixões, e que é melhor se perder nelas pelos desejos com emoção.
Os acertos e os contrários defrontados até hoje fazem a minha mente vivamente querer conservá-los e fazer tudo de novo similarmente. Até por que há uma estranha dialética entre o amor e o desamor. Da vida sem a percepção da morte.
As coisas da vida real ou dos sonhos são o que elas são e nunca o que gostaríamos que elas fossem.
Paixões as tive e também as perdi. Cumpriram um pequeno ou grande ciclo de emoções. O que seria dos amores se não houvesse a evidência dos desamores. Agora, pouco importa. Em outros termos, nos termos de Camus, “o que seria da vida se não fosse a morte”.
Os anglo-saxões têm uma verbalidade extraordinária. “Não somos velhos. Apenas somos – ‘ageless like a wine’ – intemporais”. Até por que todos os idosos são mais interessantes pela sua renitente jovialidade, experiência e equilíbrio. Parece que hoje, mais do que antes, ser idoso é ser e estar up to date. Estamos na moda porque “temos crepúsculo no olhar”, como nos assegurou Rubens Alves.
Ao cérebro e à mente ativos não devem se sentenciar apenas frustações e cultivar saudades e lamentos pela nossa não mais juventude como nos sentenciou Marcel Proust na irrealizável “recherche du temps perdus”.
Devemos nos debruçar com alegria sobre o continuum de todas as nossas idades. Cumpre-nos apenas reinventá-las. Os tempos pretéritos e a idade provecta nos ensinam contemplar que a vida é como o mundo, é uma escola, e que após os aprendizados temos o direito de usufruir dos nossos intermezzos e pausas que nos reservam a recreação e o lazer, ou seja “le bonheur de vivre”, como nos revelou Matisse.
A genética responde apenas por um quinto das nossas vidas. O resto é caudatário apenas do estado de espirito que nos revelam os gênios geneticistas de Havard. A data de fabricação pouco importa. A libido não se aposenta, os sonhos demonstram que os mitológicos Eros e Psiqué já não têm subterfúgios e continuam vivos . O que nos ofende: é o infame preconceito da idade do que hoje se designa de “etarismo”. A morte é apenas um incidente técnico.
A sexualidade não se extingue, recicla-se ao seu tempo. E mais: são fundamentais o que nos ensinam as veredas da idade a sermos pacientes e sábios. A cada tempo se vão as longas partituras e ficam nas lembranças vividas preciosos adágios e que a cada momento, estes sejam dedicados à alegria e à doçura do verbo viver.
A genética tem segredos insondáveis. Cumpre-nos a cada momento domesticar as nossas improváveis façanhas. A nossa condição de veteranos impõem-nos limites às transgressões que o corpo já não mais atende. O espírito e as mentes não têm restrições ao ser e ao pensar que somos melhores do que fomos na juventude. Os desafios que nos impõe a vida não encontram respostas nas juris (prudências) da vida jovem que frequentemente se ampara na frivolidade e na esbórnia que frequentemente se cristalizaram em frágeis e inconsequentes desejos e energias.
Se já não somos, como erámos, temos que ser melhores porque a inteligência, a experiência e o intelecto abençoam as nossas idades. Todo tempo é tempo para abdicar de nossas medíocres impossibilidades e desafios. Só o tempo nos ensina.
Para além da tão questionada e aviltada “velhice”, as nossas úteis e serviçais bengalas nos conduzem também aos certeiros alvos da jovialidade equilibrada nos indicando passos seguros ao prazer de estarmos e sem tropeços sermos o que podemos e temos que ser. Já não trocamos lâmpadas, mas temos lumens a oferecer.
A dimensão temporal pode até ser curta, mas a vida bem vivida, ainda que, minutada, é longa e profícua. Os nossos caminhos podem sempre desembocarem em “blues zones” de prazeres.
(Fotos: arcevo do autor)