Imagem meramente ilustrativa (Foto: Félix Zucco/Revista Cult)
Outro dia o prezado colega Saulo Londres indagou-me o que levou a nossa classe médica a desenvolver tanta admiração por um indivíduo como Jair Bolsonaro. Claro que estou generalizando, pois conheço inúmeros médicos que votarão exatamente contra essa figura, pelos motivos que exponho abaixo.
Desde então tenho refletido na procura de uma resposta lógica e convincente. E que seja honesta para com aqueles que fizeram a sua opção, livre e conscientemente. Acho que a escolha de um ídolo é muito complexa, pois resulta de muitos fatores. Mas o que faz um brasileiro admirar alguém como Bolsonaro, seja ele médico ou outro profissional?
Também tenho pensado muito nisso, tentando entender o mecanismo, a fisiologia de alguém que desenvolva empatia por outrem que possa ser considerado por todos como pessoa no mínimo muito difícil, para não ser deselegante. Considerando que empatia são afinidades de ideias, pensamento, palavras, atitudes e identificação com o outro, Jair Bolsonaro apresenta o seguinte perfil de personalidade:
- Quanto às ideias
- * ele tem desprezo pelos fracos; tem o pensamento da supremacia de macho, de cor; tem desprezo pela natureza; exibe total indiferença ao sofrimento, à dor alheia; tem inveja e ciúmes de todos que venha a considerar melhores do que ele;
- * as suas palavras são grosseiras; agressivas; humilhantes; ofensivas; desestimulantes; jocosas; imorais; mentirosas ou despidas da verdade;
- * Apresenta atitudes de agressão; humilhação; ofensas. Pratica o negacionismo da ciência e vem realizando o desmantelamento das pesquisas científicas no Brasil;
- * Nunca é sincero, pois o que ele diz não se escreve e sua falsidade é explícita, além de comportar-se como um mitomaníaco, do tipo que à tarde desmente o que disse pela manhã usando outra mentira.
- Quanto à identificação com o próximo
- * ele sempre exibiu total ausência de empatia, porém exibe proteção irrestrita dos seus parentes e amigos, mesmo quando existem evidências de que estão em situação irregular ou ilegal.
- * Outros fatores devem ser levados em consideração, na escolha do candidato. O perfil ideológico, por exemplo. Ele representa o meu pensamento? Compartilha a minha fé? A religião provavelmente é um fator importante que deve ser levado em consideração. Pelo menos pelos cristãos católicos e evangélicos, que juntos são a quase totalidade dos eleitores brasileiros.
Até o surgimento do “mito” Jair Messias Bolsonaro, Jesus Cristo era o maior ídolo do cristianismo, de quem deriva a denominação. Assim, é difícil imaginar que um cristão possa fazer uma opção por um anticristo, pois aprendeu ao longo de sua formação religiosa a reconhecer e procurar se inspirar na personalidade de Jesus: candura, amor ao próximo, capacidade de perdoar, sinceridade, mansidão, fé, esperança, solidariedade, caridade, amor pela natureza, amor pelas crianças, pelos necessitados, pelos fracos e oprimidos.
Bolsonaro é perseguidor implacável de tudo o que representa minorias: pobres, pretos, mulheres, índios, ciganos, quilombolas. Alguém como ele considera arte e cultura manifestações de fraqueza, assim como radares controladores da velocidade nas rodovias. E faixas para pedestres.
Ele fala uma coisa e comporta-se diferente do que disse. Como a antítese do cordeiro de Deus. Como um agnus-diaboli. Apesar de tudo isso, um segmento importante de cristãos, médicos ou não, aderiu ao culto desse moderno Bezerro de Ouro.
É, portanto, muito difícil compreender por que um cristão possa se deixar impressionar por um indivíduo que tem atitudes exatamente contrárias às de Jesus: é grosseiro, agressivo, mentiroso, rancoroso. Assim, fica a pergunta: como pode um VERDADEIRO cristão votar em Bolsonaro?
Mas, como muitos deles têm feito essa opção, acho que não é apenas a religião que faz com alguém venha a perfilar cegamente com essa antítese do Salvador, esse anti-Jesus. Devem existir outros fatores. A identidade política é um desses fatores.
Na eleição de 2018, muitos eleitores votaram em Bolsonaro por ele ter representado o antipetismo. Desde 2013, a sociedade brasileira tinha sido intoxicada por uma atmosfera de repulsa ao Partido dos Trabalhadores.
A campanha teve origem puramente elitista.
Incomodada pela situação econômica do Brasil, a elite brasileira, com a participação ativa dos grandes empresários do agronegócio e da indústria, além de usineiros, mega comerciantes e industriais da fé, junto com a aristocracia brasileira, que nunca engoliu um governo de origem popular, arquitetaram uma forma de excluir o PT dos desígnios da nação.
Essa campanha foi executada pela grande imprensa liderada pela Rede Globo, mas com a participação de diversas outras emissoras e rádios, como a Record, a Band e o SBT, além das rádios CBN, Globo, Jovem Pan, dentre outras. E pelos jornais Folha de São Paulo, Estadão, Jornal do Brasil, além das revistas Veja, Época e Isto É.
Aproveitaram-se do momento de fragilidade econômica e social, que afetava mais as classes B, C e D; e do surgimento dos resultados da Lava jato. Os veículos da grande imprensa deram ampla publicidade às operações realizadas pela Polícia Federal. Todos os dias os telejornais jorravam imagens de prisões de empresários da construção e políticos famosos, provocando ódio e terror à classe média, que passou a estigmatizar o PT e seus símbolos.
O clima ficou tão ruim que, numa quarta-feira à noite, a Globo pôs no ar a ausculta ilegal de um diálogo entre a então presidente Dilma Roussef e o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, publicizada irresponsavelmente pelo então juiz Sérgio Moro, que nem no Brasil estava. Essa foi a senha para as famigeradas redes sociais, que ainda engatinhavam no veneno potencial que se cristalizaria em 2018, mobilizarem a população numa grande manifestação nacional contra o PT.
Naquela noite, o ódio contra o PT foi tamanho que, se um torcedor devidamente uniformizado do Internacional gaúcho ou Náutico de Recife passasse nas imediações da Avenida Paulista correria o risco de ser agredido pela turba açulada pelas redes sociais. A apoteose foi a prisão de Lula meses depois, comemorada em tons carnavalescos na Avenida Paulista. O antipetismo foi, portanto, fator decisivo para uma parcela importante dos eleitores na escolha de Bolsonaro como seu representante na eleição de 2018.
Mas, quatro anos depois, com toda a incompetência administrativa revelada e o verdadeiro Bolsonaro totalmente exposto, um número muito significativo de eleitores mudou, passando a rever a sua escolha para o próximo dia 30 de outubro.
Assim, voltando à indagação do Dr. Saulo Londres, podemos acrescentar varias perguntas. Por exemplo: como pode uma mulher votar em alguém que tem um sério distúrbio psicológico em relação a elas, pois, ao contrário de Jesus Cristo, que defendeu abertamente as Marias Madalenas, Bolsonaro sempre toma a atitude de atirar a primeira pedra nas mulheres que atravessam o seu caminho?
Como pode alguém que seja culto ou bem educado votar numa pessoa tão grosseira e acanalhada? Como pode um preto votar em Bolsonaro, se ele sempre demonstrou preconceito e desprezo explícito por essas pessoas? Como pode um profissional de saúde votar em alguém que nega e combate sistematicamente a ciência e desmantelou o Ministério da Saúde, perseguindo e excluindo, por ciúmes e negacionismo, ministros que demonstraram competência e pautaram a sua conduta pela ciência, sendo trocados por aqueles que sejam subservientes ao presidente, tendo como consequência, por exemplo, o mau funcionamento da saúde em todo o Brasil, e o comprometimento da eficiência do nosso Programa Nacional de Imunização, que era modelo para todo o mundo?
Como pode um professor ou um estudante votar em alguém que desmantelou o Ministério da Educação, entregue a pastores que negociaram as suas verbas por barras de ouro e bíblias, no escândalo chamado Bolsolão do Mec, e que empobreceu as universidades federais, chegando a comprometer o funcionamento dos hospitais universitários?
Para mim é muito difícil explicar. Com a palavra, o Dr. Sigmund Freud.