Elas nos preenchiam os olhos e os sentidos no fim das tardes mornas da Lagoa quando os colégios se abriam para a saída dos bandos de azul e branco. Elas, as normalistas.
Na década de 1960, a rapaziada provinda, sobretudo, do Liceu Paraibano abandonava os carroções de álgebra, aquelas expressões quilométricas, ou de química, conforme fizesse o Científico para Engenharia ou Medicina, em busca de acenos e sorrisos. E era o que, no máximo se conseguia. Mas sei de casamentos iniciados no passeio circular sem direito aos bancos em volta do espelho d’água nem carícias na vastidão do bosque projetado no coração de João Pessoa com posterior interveniência de Burle Max. Dele mesmo, o gênio do paisagismo urbano de fama universal.
Nesses casos, todavia, o padre e o altar foram escalas finais do bate-papo esticado no ônibus para o mesmo bairro, ou nas matinês do Cine Rex, previamente combinadas. De resto, a blusa branca, a saia azul e aquele lacinho de fita no pescoço impunham barreiras que a moçada, em quase sua totalidade, não ousava ultrapassar. Encostar uma menina assim vestida numa árvore qualquer seria violar uma instituição inteira. Temia-se, além do mais, que alguns colégios mantivessem olheiros na tocaia dos atrevidos.
Voltei a suspirar ante a visão desses anjos de duas cores quando a Globo levou ao ar a minissérie “Anos Dourados”. Lourdinha, a personagem a quem a beleza morena de Malu Mader deu corpo e vida, agudizou as saudades de muitos marmanjos. Impagável aquela cena do primeiro baile.
Avô, torno a ser assaltado por essas lembranças e, desta vez, a culpa é de David Nasser, autor dos versos musicados por Benedito Lacerda: “Vestida de azul e branco, trazendo um sorriso franco num rostinho encantador”. A expressão “brotinho em flor” contida nessa peça composta em 1949 era então inscrita pela primeira vez na música popular brasileira. E contaminaria a literatura.
No livro “Parceiros da Glória”, Nasser revela que a canção “Normalista” foi inspirada num caso real. O coronel Félix Valois, interventor no Acre, tentou impedir, por todos os modos, o namoro da filha com o tenente por quem a menina havia-se tomado de paixão. “Só depois de se formar” era a ordem desrespeitada em episódio (a fuga do casal) encerrado, porém, com final feliz. Os dois se casaram e o pai, antes revoltado, bancou a festa.
Nos anos seguintes ao do lançamento da música, os brotinhos e as normalistas já quase se equivaliam, aproximavam-se do sinônimo, confundiam-se nas produções literárias e da dramaturgia. E, isso, para o bem e para o mal. Não é, Nelson Rodrigues? É pergunta, aliás, a ser também dirigida a Vinícius, em razão do conto “Brotinho indócil”.
Falaria da menina que o perseguiu com intenções além do mero autógrafo, não fosse esta, provavelmente, uma história inventada. Seja como for, encontro marcado, ele se espantava: “Desta vez fui. E qual não é minha surpresa quando, às 4 em ponto, vejo aproximar-se de mim a coisinha mais linda do mundo: um pouco mais de um metro e meio de mulherzinha em uniforme colegial, saltos baixos e rabinho de cavalo, rosto lavado, olhos enormes, uma graça completa. Teria, no máximo, 13 anos”. O então contista afirma que resistiu ao assédio da mocinha e a ameaçou com telefonema aos pais a fim de que fossem buscá-la de chinelo em punho. Isso, para ouvir da garota: “Você não sabe o que está perdendo”.
Aqui temos, portanto, um desfecho absolutamente inverso ao do conto “Alice” escrito por Salvá que ainda o aproveitou para roteirizar e dirigir “A menina do lado”, o filme que em 1988 rendeu, no Festival de Gramado, o Kikito de melhor atriz coadjuvante à pirralha Flávia Monteiro. Quem não lembra?
Pessoalmente, gosto dos brotinhos menos problemáticos. Os de Drummond, por exemplo, com travessuras que não iam muito além do namorico e do barulho incômodo aos moradores do território neutro do Edifício Jandaia, como dito na crônica “O Murinho”. E até aceito os de Paulo Mendes Campos assim, em parte, descritos:
“Ser brotinho é sorrir bastante dos homens e rir interminavelmente das mulheres, rir como se o ridículo, visível ou invisível, provocasse uma tosse de riso irresistível. (…) É dizer palavra feia precisamente no instante em que essa palavra se faz imprescindível e tão inteligente e natural. (…) É querer ser rapaz de vez em quando só para vaguear sozinha de madrugada pelas ruas da cidade. (…) É permanecer apaixonada à eternidade de um mês por um violinista estrangeiro de quinta ordem”.
Ah, esses homens talentosos e os brotinhos por eles assim imaginados! Tão belos, tão surpreendentes. Mas tão irreais e diferentes daqueles que tivemos a cada entardecer, em azul e branco e com a alma em festa, no passeio circular da Lagoa.
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Uma resposta para DE AZUL E BRANCO, por Frutuoso Chaves
Ótima leitura