A DEFESA DA FAMÍLIA, por José Mário Espínola

Manifestação por Diretas Já em Porto Alegre (1983): o Brasil vai precisar de campanha semelhante no futuro para restabelecer democracia hoje ameaçada? (Foto: Alfonso Abraham/Agência Senado)

A expressão “em defesa da família brasileira” foi um dos motes da última campanha presidencial, de 2018. E vem sendo utilizada por aqueles mesmos políticos vencedores. Mas, qual é mesmo a família defendida? A instituição brasileira? Ela estava ameaçada? De que? Por quem? Ela continua ameaçada? Ou seria a família daquele que se apossou do tema simplesmente com objetivos escusos, sinistros, eleitoreiros?

O perfil das três famílias do posseiro em tela justifica muito bem essa desconfiança. São membros que surgiram, cresceram e progrediram economicamente, fazendo fortuna, à custa exclusivamente de cargos eleitorais: deputados estaduais, vereadores, deputados federais e senadores. Nunca prestaram um concurso. Também nunca haviam antes se aventurado a concorrer a um mandato executivo. O que temiam?

Para dar o grande salto devem ter estudado profundamente, não o brasileiro, suas reais necessidades econômicas, educacionais, de justiça social. Senão tão somente as suas fraquezas, os seus medos. Não para tranquilizá-lo, senão para explorar esses medos, tornando-os verdadeira paranoia. E explorá-los. Pois para isso, desde que assumiu, vem promovendo o sentimento de insegurança, intenso e crescente.

Até eles se decidirem pela aventura vencedora, a instituição Família nunca esteve ameaçada. Como a sociedade brasileira é heterogênea, e pensa de maneira diversa, alguns segmentos mais conservadores, ou mesmo ultraconservadores, interpretaram equivocadamente que progressos sociais conquistados pela maioria poderiam se constituir como ameaça aos seus privilégios. E isso foi explorado de forma vaga por líderes religiosos como “uma ameaça à família brasileira”, como se esta fosse um organismo unicelular.

Pois foi o que os políticos mal-intencionados viram nesse sentimento, que constitui um bolsão isolado. Então eles viram nisso um filão eleitoreiro. Passaram a ampliá-lo e explorá-lo, e criaram uma crise artificial junto ao eleitorado conservador. Adotaram o medo como política de governo, dividindo a família brasileira, constituindo, isso sim, numa verdadeira ameaça para essa mesma família brasileira.

Como o país vem sofrendo um abalo em sua estrutura política e social há quase uma década, a tática surtiu efeito.
Por sua vez, a elite brasileira, ressabiada pela perda temporária do poder total, viu nesse grupo político a grande oportunidade da retomada de uma dominação exploratória, de viés escravagista, que nunca engoliu nem aposentou definitivamente a senzala, mais de 120 anos depois da “Abolição da Escravatura”.

A mesma elite adotou ardorosamente o candidato que pretensamente defendia a família, cegando intencionalmente para todos os defeitos que lhe são exuberantes, desde que era um nada à esquerda nos porões do Baixo Clero da Câmara dos Deputados. E com essa atitude concorreu decididamente para a sua eleição.

Hoje, parte inteligente dessa elite já se mostra desconfiada dos rendimentos e dividendos dos ‘valores cristãos’ nos quais investiu, pois o cidadão não tinha nada mais a oferecer senão a exploração do medo da sociedade brasileira. Enxerga que ele nada mais é do que o ovo de uma serpente sórdida, que prepara um golpe para varrer do país as instituições democráticas.

Quatro anos depois, a história quer se repetir como um escancarada farsa. Mas será que a sociedade brasileira ainda cai nessa esparrela? Ela também enxergou que o Brasil precisa de muito mais do que uma prosaica e fictícia “defesa da família”. Precisa de administrações competentes, voltada para o futuro, para a reconstrução da sociedade sob o prisma da realidade mundial.

A sociedade precisa de um governo de conteúdo real, imerso na realidade brasileira, com ministros que trabalhem e não vivam de ficção. E ministros que sejam eficientes e não fantoches de um camelô. Ministros que ofereçam segurança, saúde, economia, progresso, obras, justiça e cidadania. Que resgatem o respeito do Brasil entre as nações do mundo. Que garantam a soberania do nosso vasto território, a partir dos confins da Amazônia. Que tente recuperar o atraso de um década sofrido pela educação nos últimos três anos.

O Brasil precisa de um governo que traga de volta o nosso Plano Nacional de Imunização, que era a menina dos olhos do Ministério da Saúde, visto com respeito pelo resto do mundo. Que traga a paz de volta à nossa sociedade, propositalmente dividida, pois assim tornou-se mais fácil de ser conquistada por indivíduos sem caráter e sem empatia alguma para com o seu semelhante.

Manter o que aí está é, sim, a verdadeira ameaça à verdadeira Família brasileira.

FAMÍLIAS FLAGELADAS, por Babyne Gouvêa

Imagem: Jorge Araújo/Fotos Públicas

Abalada, vejo cenas na mídia, de famílias ao léu. Sem moradia os sem teto improvisam seus lares com entulhos recolhidos nas ruas.

Com as últimas chuvas os tapumes de papelão, servindo de paredes, se desfazem. Os moradores desses improvisados não têm para quem apelar. A solução é encontrada entre eles.

Aqueles mais “afortunados”, por terem encontrado mobílias descartadas no lixo, abrigam os mais necessitados. Reciclam tecidos e madeiras dos móveis imprestáveis e acomodam seus pares de acordo com a criatividade. Ratificam a máxima ‘Querer é poder’.

Como se não bastassem as imagens da mídia, assisto ao vivo árvores servindo de morada, e lençóis velhos usados como divisórias entre arbustos. Em área verde no bairro Manaíra. Como os desassistidos se protegem da chuva, sem teto, só Deus sabe.

Há na comunidade local ações solidárias. Transeuntes acobertam os desamparados com as suas próprias roupas. Mas ocorre, também, de serem observados com olhos enviesados.

Enquanto isso, vemos dados que nos estarrecem. Durante a pandemia de Covid – 19, o Brasil registrou um aumento substancial no número de famílias despejadas de suas moradias, mesmo com uma decisão do Supremo Tribunal Federal que impedia desocupações até o dia 31 de março de 2022.

Dignidade humana, no contexto em que está o Brasil, precisa ser defendida. Despejo de milhares de pessoas no país pode gerar uma desenfreada convulsão social. Some-se a essa conjuntura a estatística da fome.

Vulneráveis da nossa sociedade, população de rua, historicamente sofre com o descaso da falta de políticas sociais específicas. É preciso colocar a vida acima de qualquer outro interesse. É primordial levantar com força o direito humano à alimentação e à moradia.

Dormir sob marquises é indigno. Catar restos de comida em caminhões de lixo é sub-humano. O Estado tem o dever de criar condições para a população exercer a sua cidadania com integridade. Flagelado é uma condição cruel, sem espaço num país que clama por justiça social.