O REINO DOS CÉUS E AS INOCENTES CRIANÇAS, por Francisco Barreto


“Nunca te esquecerei.

Espero que tenhas sorte no céu.
Espero que estejas no paraíso.
Obrigado por minha infância".
Carta de uma criança ucraniana de nove anos à Mãe morta.

Nos escuros umbrais da história da humanidade, a miséria humana sempre submeteu – com toda a virulência – a morte, a violência e a desgraça às crianças. Não há na historia da humanidade momentos perenes em que a paz, o amor e o beneplácito misericordioso, raramente, foram concedidos para preservarem as crianças.

Nos tempos modernos, os fatos que nos aterrorizam derivam das violências brutais que foram e são impostas aos inocentes. São monstruosos os exemplos que os homens são capazes de fazer. É terrível se debruçar sobre os fatos.

Sir Bertrand Russel e J.P. Sartre criaram em 68 o Tribunal dos Crimes de Guerra sobre a tragédia do Vietnam. Em sua grandeza e agnosticismo, Russel pontificou em suas reflexões filosóficas: “O homem destruiu a sua capacidade de ser feliz e insiste destruir a sua própria vida”. Questionava: como age a Providência Divina diante dos morticínios praticados contra crianças? Severa indagação: Deus criou o homem e o dotou de livre arbítrio para agir como desejasse?

Todos nós fomos na esteira da fé cristã e seus dogmas. Fomos treinados para não conflitar. As respostas que nos são oferecidas recorrem a raciocínios banais. Sir Russel nunca se conformou com esta premissa. E a questionou escrevendo o impetuoso libelo ‘Porque não sou Cristão’. Uma prece ao agnosticismo.

Nos tempos recentes, a maldade e a inconsciência humana aliadas ao refinamento da tecnologia utilizada nas guerras modernas indiscriminadamente matam, mutilam e causam enormes sofrimentos às crianças. De todos os atos criminosos os mais aterradores foram Hiroshima e Nagasaki. Na guerra da Coreia, no norte, o Agente Laranja buscou exterminar a população civil e crianças indiscriminadamente.

Em 1969, estarreci-me no quando vi a brutalidade das cenas no Vietnam, no massacre de My Lai, crianças desesperadas correndo pelas estradas com seus esquálidos corpos sendo consumidas pelas chamas do napalm jogados pelos helicópteros dos marines. Tudo isto obra dos americanos.

Em 1971, fui ao Campo de Concentração Nazista de Dachau, perto de Munique, e até hoje não tenho como definir a minha estupefação ao ver montes de sapatos infantis dos que sucumbiram envenenados por gases letais, ao tempo em que se seguia a incineração dos pequenos corpos de judeus brutalmente trucidados. No mesmo Dachau, estavam à mostra abajures feitos com peles humanas e de mulheres grávidas com as pernas atadas impedindo o parto. Contabilizavam o tempo de sobrevida das parturientes.

Visitei ainda, em 1972, o terrível cenário do massacre nazista do Village de Ouradour-sur-Glane, na Aquitânia, que no amanhecer de 10.06.44 uma divisão de SS Panzer reuniu 642 civis e numa Igreja todos foram fuzilados, inclusive muitas crianças. Levei meus filhos adolescentes (2001) para conferir a maldade humana. Nada foi mudado em Ouradour. O tempo parou e tudo foi preservado.

Em Estalingrado, a maior batalha da 2a Guerra ganha pelos russos, algumas centenas de milhares de mortos eram civis e crianças sob os bombardeios alemães que pereceram ao lado de mais de 2 milhões de mortos de russos e alemães. A ordem nazista era matar e morrer todos.

Na África Negra, ainda hoje se contabilizam milhares de crianças que morrem brutalizadas ou vitimadas pelas epidemias. Em Beirute, 1982, Israel, sob o comando de Ariel Sharon, promoveu o brutal massacre de palestinos encurralados nos acampamentos de Sabra e Chatila. Cerca de 2.400 pessoas, em sua maioria mulheres e crianças, foram mortas enquanto dormiam. Israel nada aprendeu com o genocídio dos judeus, pelo visto. Agiu sem misericórdia.

E hoje, na invasão da Ucrânia, ainda se contabilizam os mortos infantis e estimam que centenas de milhares de crianças, muitas sem a presença dos pais, refugiam-se em outros países. Centenas de milhares crianças, muitas sozinhas, famintas, vagam pelos violentos corredores humanitários. São as atrocidades que hoje nos aterrorizam. 

Europa e Estados Unidos, que nos legaram a grandeza humana da cultura e do saber, são exemplos repugnantes quando nos debruçamos sobre as suas perversas trajetórias sob profundas violências genocidas. Luís IX (século 13), venerado santo católico, foi um matador impiedoso ao edificar o Estado Francês. Temos que, pacientemente, apenas nos conformar com o que nos disse São Mateus 19:14 ? “Deixai vir a mim os pequeninos porque deles é o Reino dos Céus”.

Absoluta razão tinha Millôr Fernandes na finesse de sua inteligência quando suspeitava que das criaturas de Deus a única que não deu certo foi o homem.

Somos ainda criaturas de Deus?

Vencedora de prêmios literários lança livro sexta, em João Pessoa

“Ogivas”, novo livro de Débora Ferraz, marca retorno ao conto, gênero com o qual estreou na literatura aos 16 anos

Débora Ferraz (Foto: Bruno Vinelli)

Autora do celebrado romance Enquanto Deus Não Está Olhando (Record, 2014), Débora Ferraz lança seu novo livro Ogivas (Caos e Letras, 2022) nesta sexta-feira, dia 15 de abril, às 16h, na Vila do Porto, em João Pessoa.

Vencedora dos prêmios Sesc e São Paulo de Literatura, a escritora volta agora ao conto, gênero no qual estreou na literatura com Os Anjos (Câmara Brasileira de Jovens Escritores, 2003), quando tinha apenas 16 anos.

“Hoje eu me sinto mais madura na escrita, com mais paciência e consciência do que faço”, diz Débora, que depois do lançamento de Os Anjos passou os anos seguintes tentando recolher o livro das prateleiras, arrependida com os primeiros textos.

“Apesar de o conto ser o primeiro gênero no qual publiquei, não foi o gênero no qual comecei a escrever nem o gênero que acho mais fácil”, complementa. Segundo a escritora, “o conto é mais desafiador que o romance em vários aspectos, exige mais argúcia, mais clareza e coragem, “coisa que a gente só adquire com alguma maturidade literária”.

Apesar de ter sido uma longa jornada para retornar ao conto, a autora afirma que sua afinidade com o romance, longe de atrapalhar, acabou ajudando na edição do livro. “O Ogivas tem em comum com um romance, que é uma certa preocupação com a temática dos trabalhadores explorados, lições equivocadas sobre estupro, balas perdidas e até aulas de ballet, com todos esses personagens e conflitos se cruzando na mesma ambiguidade do título.”

O título, no caso, veio à autora em um sonho e faz referência ao mesmo tempo à descoberta dos arcos ogivais na arquitetura, um marco na história das artes, e ao conceito de armas. “Creio que este seja um livro político no sentido mais profundo da palavra, posto que é um convite ao nosso desconforto em sociedade, ou seja, um livro violento sobre violência”.

Além do tema em comum, a forma como estão dispostos os 17 contos também emulam a formação de um arco ogival. A proposta, ressaltada no projeto gráfico de Cristiano Rato (editor da Caos e Letras juntamente com Eduardo Sabino), é que as histórias evoluam em conjunto.

“Creio que o livro ganhe ainda mais força se lido na ordem proposta, onde há contos paralelos, personagens que reaparecem num novo arco e é como se os mesmos temas evoluíssem num crescendo que culmina num último conto”, avalia Cristiano.

  • Texto de divulgação da Edícula Literária (Assessoria de Imprensa)

INTEMPERANÇA E CAOS, por Francisco Barreto

Imagem copiada do Núcleo de Estudos da Violência da USP

Em futuro próximo, já não usufruiremos de paz e de temperanças. No cerne da temperança, teologicamente, sempre nos ensinou Sto. Tomás de Aquino em sua admirável Suma, esta se afirma pelo domínio de si e pela moderação em exacerbados e infectos desejos.

Na gênese da temperança está o saber dominar comportamentos pessoais e políticos, e que, esta mais importante das virtudes cardinais, assenta-se sobre a grandeza humana e a prevalência do bem sobre todo o mal. A ordinalidade de fazer o bem conflita abertamente com o uso do Poder e da inteligência, da força guiada pela desordem que aprisiona e domina a mais nobre das faculdades humanas.

Desastroso é o uso da inteligência para prática do desejo que se vocaciona ao uso das armas que se destinam à destruição em massa, às práticas de guerrear, de crimes, de injustiças e da imposição de atos ditatoriais. Enfim, o mal e a prepotência têm os seus desejos engatilhados contra seres indefesos.

Os filhos de Deus não foram criados para fazer o mal. A dimensão espiritual da condição humana e de sua temperança se contradiz com os atos de reprimir, amordaçar, suprimir e abafar guiados pela desordem. À luz dos ensinamentos de Sto. Tomás de Aquino, estamos diante do grave “pecado da insensibilidade”. Os nossos dias, de hoje e próximos, nos apontam para momentos de caos.

Não há qualquer sinal de paz e temperança a partir de Outubro próximo. Paira um temeroso sentimento de que se avolumam com possíveis descortinos de violência no cenário nacional. O embate político eleitoral pode assumir proporções violentas entre os vitoriosos e derrotados pela vontade popular.

Os indícios preconizam embates alimentados pelo ódio e vinganças. Não é dado a ninguém em sã consciência desconhecer no discurso dos poderosos o recurso às armas, a violência indiscriminada contra as instituições e pessoas. Já não há mais duvidas de que está armado um palco de turbulências e nelas se imiscuirão grupos armados disseminando focos de insurgência com violência. Há evidências de que incontáveis são os insurgentes grupelhos armados que irão atentar contra a alma democrática nacional.

As instituições públicas que edificam o pálio democrático resistirão? A sociedade civil, e as representações populares oferecerão resistência? As Forças armadas irão constitucionalmente se perfilar ao lado da legalidade democrática? Afigura-se na esteira da turbulência que a nossa frágil democracia poderá ser desmoronada por espíritos da discórdia, da desordem com matriz autoritária.

Renuncio agora a minha insana ingenuidade, que a idade e a minha longínqua trajetória de exilado me ensinaram: “Quem já foi mordido por cobra desconfia até de linguiça”.

A minha angústia pessoal, longe de qualquer veleidade ideológica, alimenta-se do meu olhar e afeto pelos meus filhos e netos neste cenário de aflição e intemperança. Apenas isto. Me dói o Brasil.

FOME E SEDE EM CANAÃ, por Paulo Montenegro

Barragem de Jandaia entra em colapso e 6 cidades ficam sem água | ManchetePB

Resto de água no Açude Jandaia, que abastecia Bananeiras (foto publicada em setembro de 2021)

Verdade nua e crua. O predador-homem, em sua fome pelo vil-metal não poupa nada. Está matando o planeta.

Na Paraíba, hoje, mais da metade de suas terras já são verdadeiros desertos. Os rios em sua grande maioria são esgotos das urbes que esvaziam as zonas rurais onde a mão de obra e a agricultura já quase foram dizimadas.

Veja-se o exemplo de Bananeiras. A mídia enganosa a fez transformar numa terra desejada. Têm beleza realmente suas serrarias com seus montes e vales. Mas cadê água para o homem-turista endinheirado dar vazão ao seu ego?

Até as fontes de água do antigo campus da centenária Escola Agrícola, em parte “vendido” em transação escabrosa por um dos seus diretores, justamente a um seu funcionário… Que hoje industrializa e vende aquela água a peso de ouro, enquanto o povo de Bananeiras e Solânea esmola água dos carros-pipas vindo d’além como favor eleitoreiro.

Assim, com o acréscimo da falta de água, a já secular inquietação de José Américo de Almeida ainda vale – e como vale! – para o Brejo Paraibano de agora: “Miséria maior que morrer de fome – e também de sede – no deserto é não ter o que comer na terra de Canaã”.

Paulo Montenegro é médico

À LUZ A CAÇULA, por Babyne Gouvêa

Leila, a caçula de Babyne (acervo familiar)

O calendário marcava 3 de abril de 1982. Início de noite. Ela resolveu antecipar a sua vinda ao mundo, prevista para o dia 21 daquele mês. Não é possível, pensei. A cesariana está marcada para daqui a 18 dias. Mas os sinais estavam claros: sensação de abertura nas costas e contração do abdômen. Não tinha dúvida, já tinha passado por três experiências de partos normais. 

Partimos para a maternidade, ligeirinho. O parto tinha que ser cesárea para em seguida me submeter à laqueadura. A minha bebê não entendia e queria sair a todo custo do corpo onde habitou temporariamente. Eu tentava mentalizar para ela assimilar a necessidade de aguardar mais um pouco. Mas ela respondia com pressões no sentido da gravidade.

Finalmente, chegamos. Fui colocada numa maca, sendo aguardada pelo anestesista e o obstetra, já informados por familiares. Estavam à minha espera porque conheciam o meu histórico de partos rápidos. Entre uma contração e outra, o anestesista fez o seu trabalho, pacientemente. Eu estava um pouco ansiosa porque ia enfrentar uma nova modalidade de parto. Até então tinham sido todos normais.

O seu corpo emergiu do meu. Com um chorinho suave ela apontou para a vida. Dei à luz a minha caçula. À época, a ultrassonografia para identificar o sexo ainda produzia laudos incertos. Tanto que o radiologista, equivocadamente, identificou um bebê do sexo masculino.

Imaginem a minha surpresa e alegria quando ela surgiu. Fiquei radiante quando foi anunciada uma menina. Pensei de imediato na companhia que faria à irmãzinha um ano mais velha. Chegou perfeita. A exemplo dos seus irmãos, coloquei-a junto a mim ainda besuntada, exalando cheiro de vida. Ficamos nos sentindo e trocando olhares por um agradável tempo.

Após a assepsia, demonstrou ser gulosinha, procurou a mama que guardava o que era só seu: o colostro. Sugou com avidez e proporcionou um sentimento de missão cumprida à mãe. Completa, a minha filha manifestava perfeição no seu corpinho e com ótimos reflexos.

Agradeço à natureza por ter tido a capacidade de gerar a minha caçula, a quem dei o nome de Leila, em homenagem à Leila Diniz, atriz que eu admirava.

Tornou-se uma mulher rica de atributos honrados de personalidade, beleza e competência profissional. Hoje, celebra os seus 40 anos junto à linda família que construiu, cuja base é o amor.

Parabéns, minha filha amada! Obrigada por ter me presenteado com a sua vida!