No dia 1º de abril de 1964, o Brasil amanheceu debaixo de um golpe. Os militares brasileiros, estimulados pelos Estados Unidos e com o apoio explícito da elite, de parte da imprensa e das classes empresariais, depuseram o presidente João Goulart. Este havia sido eleito em 1960 e estava governando o país democraticamente há três anos antes, desde a renúncia do então presidente Jânio Quadros, com apenas oito meses de governo. Em seu governo, Jango procurou promover reformas estruturais que beneficiassem os menos favorecidas. Isso provocou a ira das classes dominantes, embora fossem a minoria da população.
Durante duas décadas de ditadura, os militares apresentaram aspectos positivos e negativos. Durante os governos militares, por exemplo, foi criado o Plano Nacional de Imunização, que se tornou um modelo para o mundo, até os dias de hoje, tendo a duras penas sobrevivido aos recentes ataques do atual governo. Se, por um lado, os governos militares rasgaram milhares de quilômetros de estradas promovendo a integração nacional, por outro destruíram a via férrea, com imenso prejuízo para o agronegócio, por exemplo, o que hoje mais do que nunca é lamentado, pois pesa diretamente nos preços dos alimentos.
A troca realizada pelo governo militar, dos trilhos pelo asfalto, atendeu a exigências do capital estrangeiro, pois beneficiou diretamente a indústria mundial do petróleo. E prejudicou a nação brasileira. O programa nacional de rodovias foi um dos que produziram suspeitas de corrupção dentro dos governos militares. É o caso da rodovia Transamazônica, jamais concluída, apesar dos bilhões despejados nela.
No plano interno, os governos militares impuseram censura a toda e qualquer manifestação de insatisfação, que era reprimida com vigor. Foi instituída a delação como instrumento de controle da população. Criou-se a figura do dedo-duro para aqueles cidadãos covardes e inescrupulosos, que não tinham valor próprio para progredir na vida, em sua profissão. Para auferir sucesso de carreira, bastava dirigir-se à guarnição militar e delatar alguém, fosse colega, superior ou mesmo parente próximo. Incontáveis são os casos conhecidos.
Qualquer atitude que pudesse caracterizar discordância, ideológica ou não, da população brasileira, era reprimida com um rigor que chegava às raias da eliminação. A partir de 1968, foi institucionalizada a tortura e o assassinato de adversários como política de Estado. Uma parcela pouco expressiva de brasileiros tomou a atitude, hoje considerada equivocada, do enfrentamento armado. Equivocada porque revelou pouco ou nenhum resultado prático, não reduzindo em nada a ferocidade com que o governo militar enfrentava os adversários. Pior ainda, serviu para que ele justificasse a repressão criminosa contra aqueles que se opunham ao arbítrio.
Em finais da década de 70, a linha ultradura da ditadura militar iniciou seu processo de declínio, no governo do general Ernesto Geisel. Surpreendentemente, essa queda continuou no governo seguinte, justo no governo do general João Batista Figueiredo, que tinha sido o chefe do Serviço Nacional de Informação, o famigerado SNI, catedral do dedurismo nacional.
Pois foi com Figueiredo que aconteceu a Anistia Nacional. Pressionado pelas ruas, pela repulsa dos cidadãos brasileiros, que já não tinham mais pão nem circo, pelo fracasso econômico, pelo desgaste dos militares perante a opinião pública, e, finalmente, por insatisfação da própria base parlamentar e empresarial do regime concentrada no Centrão da vez, que na versão da época igualmente acompanhava quem desse mais dinheiro e oferecesse mais lucros, finalmente a ditadura militar iniciou a sua retirada do panorama político.
Engana-se, porém, quem diz que ficou por aí. A Lei da Anistia havia beneficiado os dois lados, ou seja, tanto os torturados quanto os torturadores, tanto os perseguidos quanto os perseguidores. Com isso, os órgãos de exceção não foram desmantelados e continuaram a existir mesmo no regime de transição de José Sarney e nos governos democráticos que se seguiram. Continuaram a perseguir brasileiros que tiveram atuação na resistência à ditadura militar, como foi o caso do professor Rubens Pinto Lyra.
Agora, animados com a perspectiva do retorno do Brasil à ideologia da extrema-direita, os instrumentos da repressão, que, pensava-se, não mais existiam no regime democrático que a nação vive, estavam apenas mumificados e estão sendo azeitados para ficarem em ponto de bala (êpa!) caso o atual presidente continue a governar. Ou caso ele consiga, antes, dar um golpe “pra chamar de seu”.
Com o aparelhamento ideológico de órgãos como Polícia Federal, Polícia Rodoviária Federal, Controladoria-Geral da União e outros da República, nota-se que a parte podre da democracia brasileira está se revitalizando para retomar o poder.
PRECEDENTE EMBLEMÁTICO
A história é rica em episódios que se transformaram em pretexto de pessoas com tendências despóticas para justificar atitudes nefastas. São geralmente indivíduos egoístas, invejosos, personalidades fortes. Para alcançar o êxito das suas intenções, muitas vezes inconfessáveis, essas pessoas criam argumentos que, acreditam, justificam suas ações. Vamos ao exemplo mais notável e lembrado.
No final da década de 1930, Adolf Hitler, o cabo austríaco que se tornou ditador da Alemanha, estava decidido a conquistar a Polônia. Ele não confessava, mas a sua real intenção era chegar vizinho ao território russo, pois o que os nazistas queriam mesmo era conquistar a Rússia e tornar seus cidadãos escravos do povo alemão. Isto está escrito no livro ‘Minha Luta’ (Mein Kampf), escrito por Hitler quando estava preso em 1924, após a tentativa de golpe em Munique.
A estratégia era dominar a Polônia e daí viabilizar a invasão da Rússia. Líder de um dos maiores exércitos do mundo, e com certeza o mais moderno, Hitler esbarrava na falta de um real motivo que convencesse as potências ocidentais, lideradas pela Inglaterra. Para conseguir vencer a resistência desses países, ele arquitetou um atentado contra seus próprios soldados. Na madrugada de 1º de setembro de 1939, elementos do Exército alemão, estacionados junto à fronteira com a Polônia, invadiram o território polonês e, vestidos de soldados poloneses, atacaram uma guarnição alemã, causando mortes.
Era o pretexto que Hitler precisava para justificar ao Ocidente a invasão daquele país, deflagrando o pior conflito que o mundo já viu desde os primórdios da civilização.
SINAIS MUITO CLAROS
O presidente Jair Bolsonaro vem desde o primeiro dia de governo (?) expondo a sua intenção de continuar no poder, sabe-se lá por mais quanto tempo. E de qualquer forma, lícita ou não. Pelas vias constitucionais, terá muuuuita dificuldade, como apontam as pesquisas de opinião divulgadas até aqui. Por isso é que há muito tempo ele vem criando falsos motivos que justifiquem o seu A objetivo.
Em setembro de 2021, tentou dar um golpe de estado com a ajuda dos militares das três armas, coadjuvados pelos policiais militares estaduais. Generais da reserva bem que se deixaram seduzir pela ideia de voltar a governar o país de forma tirânica, sem limites constitucionais. Os comandantes da ativa, bem mais ajuizados, não se deixaram iludir pelo arremedo de comandante-em-chefe. Não soltaram seus blocos na rua no Dia da Pátria. A montanha pariu um rato!
Aquele que arrotava poder e liderança inquestionáveis, que bradava ameaças (“Basta!” ou “A paciência acabou!”), fazendo delirar os seus súditos… Aquele que ameaçou o Supremo Tribunal Federal… Bateu pino, recolheu-se à sua insignificância. Depois, choramingou implorando que alguém aplacasse a ira dos ministros do STF. Foi quando entrou em cena o ex-presidente Temer, que lhe ditou uma cartinha pedindo clemência ao ministro Moraes. Mas isso só durou alguns meses, pois, como sempre, tudo o que ele diz não se escreve.
Atualmente, diante da forte perspectiva de terminar os seus dias no ostracismo, de ser derrotado pelas vias constitucionais, nas urnas, ele engendrou novo plano para justificar ações a serem adotadas no futuro próximo. O plano é o seguinte: criar um pretexto para, em caso de derrota, não sair perdendo, manter o poder inconstitucionalmente. Para tanto, além de manter a sua claque obtusa motivada por absurdos diários, o presidente tomou como desafetos os ministros do STF Roberto Barroso e, principalmente Alexandre Moraes, que vai presidir as eleições deste ano, nas quais estará em disputa a cadeira de Presidente da República.
Como todos devem lembrar, desde os primeiros momentos de governo que Bolsonaro iniciou uma batalha para desacreditar a votação eletrônica. Elegendo o ministro Moraes como o seu desafeto, ele terá (assim acha) o pretexto para culpar o TSE pela sua provável derrota e tomar alguma atitude antidemocrática, no caso de derrota nas urnas. Será o cavalo de batalha para “invadir a ‘sua’ Polônia”.
Vamos ver quem o acompanhará, além dos tresloucados fiéis seguidores.
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