Canindé, no Ceará, nosso destino. Onde tive o prazer, ao lado de familiares, de testemunhar inesperada e desejada chuva numa terra árida, castigada pela seca!
O relógio marcava 12h quando chegamos à cidade cearense, num mês de dezembro. A nossa expectativa era conversar com residentes que nos falassem um pouco da história do lugar, notadamente das romarias.
A religiosidade da população atrai um alto fluxo turístico de peregrinação, recebendo anualmente romeiros de todo o país que lá depositam a sua fé e devoção a São Francisco, representado em bela estátua, monumento com mais de 30 metros de altura.
Com aspecto de cidade-fantasma, a população canindeense estava retraída dentro de suas casas, protegida do sol escaldante. O panorama era estranho e hostil para quem visitava aquele lugar pela primeira vez. Fomos conhecer, inicialmente, a Basílica de São Francisco das Chagas, situada numa das principais vias públicas.
Ao sairmos da igreja, ficamos surpresos por nossas preces terem sido atendidas tão rapidamente: a dádiva da chuva, embora torrencial e rápida, banhou toda a cidade, colocando sorriso em todas as faces.
A chuva extemporânea e providencial irrigou a terra e os caminhos de Canindé, libertando a população dos seus casulos. Todos saíram às ruas com os braços voltados para cima em gestos triunfais e de agradecimento.
Percebemos a euforia das pessoas ávidas em se molhar louvando ao santo padroeiro. Toda a população brindou efusivamente cada gota caída, com abraços, danças e cantorias. Formou-se um espetáculo semelhante à magia carnavalesca, uma alegria bonita de ser assistida.
A chuva produziu um aroma terroso em nossas narinas quando caiu no solo depois de um longo período de estiagem.
Do desânimo e recolhimento, os habitantes rapidamente evoluíram para uma festiva agitação. Balde, bacia e vassoura nas mãos foram utilizados na faxina das casas, lojas, bares e calçadas. Tudo carente de limpeza. Souberam aproveitar com sabedoria o presente da natureza com muita disposição.
Disposição contagiante. A vontade em nós de adesão foi imensa, mas nos contivemos. Ficamos apreciando o banho coletivo nas ruas, todos entusiasmados com a graça dos céus. A higiene pessoal foi completa. Debaixo das bicas d’água naturais improvisaram duchas a céu aberto.
As crianças aproveitaram cada minuto de chuva para brincadeiras até com os mais velhos, comumente avessos à movimentação lúdica. Os adultos faziam tudo a um só tempo: lavavam as roupas, tomavam banho, limpavam os recintos e armazenavam o que fosse possível daquele tesouro.
Presenciamos uma chuva numa cidade com precipitação pluviométrica média anual de 639,3mm, segundo a Funceme (Fundação Cearense de Meteorologia e Recursos Hídricos). Foi comovente observar a formação repentina de nuvens pesadas umedecendo a terra seca de Canindé. Especulamos a reação dos agricultores junto às suas plantações em toda a região.
Foi uma experiência enriquecedora, inesquecível, enfim. Que nos permitiu sentir de perto o significado da privação ou escassez da água, uma das maiores riquezas da humanidade. A mesma humanidade que vive a ameaçar constante e crescentemente um tesouro tão valioso para a própria vida humana.