Sinto hoje, mais do que nunca, uma profunda indignação com os seres abjetos e inferiores, racistas infames que hostilizam os negros.
O Brasil é uma nação negra em todos os sentidos. O que seria de nós se não fosse, lamentavelmente, a dolorosa história da negritude que se enraizou pelo sofrimento do escravismo e fecundou o que hoje somos por sua incomensurável grandeza humana, sociocultural e o sincretismo religioso.
A brutal desonra pelos crimes históricos tem que se dobrar e reverenciar a grandeza de gentílicos africanos que somaram aos milhões brutalmente extirpados de sua terra e do seu ser.
Ao aportarem na Terra Brasilis submetidos ao “um sonho dantesco… o tombadilho. Que das luzernas avermelhava o brilho. Em sangue a se banhar. Tinir de ferros … estalar de açoites (Castro Alves)” se tornaram degredados e escravizados por vis homens sem almas.
O Brasil os algemou e os impiedosamente matou as suas almas e os seus corpos. Não tiveram a indulgência que se concediam aos animais irracionais. As lágrimas nos olhos, e o fel nas bocas dos homens e mulheres, ainda ontem, eram “simples, fortes, bravos” se tornando, sem luz, sem ar, sem razão: apenas míseros escravos.
Os clamores épicos e humanistas de Castro Alves até hoje ressoam diante das brutalidades do passado e de um presente aterrador: “Senhor Deus dos desgraçados! Dizei-me vós, Senhor Deus! Se é loucura … se é verdade Tanto horror perante os céus!”
Que abominável absurdo testemunhamos pela perpetuação do racismo, da insanidade que até hoje persiste no Brasil. A miséria humana, de ontem e de hoje, tem em sua gênese a crueldade, o crime e a desonra de almas sebosas que humilham, agridem pelo mais asqueroso prazer de se sentirem falsamente superiores.
Recorro a minha modesta trajetória pessoal. Desde a minha mais remota infância, sempre tive uma afetuosa convivência com os negros que conheci e viviam ao meu lado. Lembro da Nêga Rita, da fazenda do meu pai, que com mais de um dezena de filhos me acolhia na sua pobre moradia. Adorava entrar na fila do comer com seus pobres filhos, me esgueirar até a panela de barro no fogo com fava, farinha e rapadura. A fila andava devagar, a mãe Rita, com uma colher, ia com justiça servindo de boca em boca várias vezes.
Nunca esqueci do preto Lídio que morava na minha casa e à tardinha o esperávamos trazendo nos bolsos pirulitos de maracujá. Lídio era o avô que já não tínhamos.
Ao longo da minha diáspora politica, dois negros, espíritos superiores e generosos, abraçaram-me e me deram grandes alentos.
Monsieur Christian Vyeira, na Unesco, meu tutor, oriundo do Dahomey, ex-Ministro da Educação, bisneto de escravo baiano alforriado, e que retornou à Africa. O M.Vyeira era a reminiscência viva de uma origem escrava no Brasil. Vinha de africanos que retornaram e constituíram uma importante elite intelectual e comercial. Falavam o brasileiro.
Não poderia apagar da minha vida o Prof. Milton de Todos os Santos que me acudiu nas minhas veredas acadêmicas em Paris. Os dois tinham por mim uma ternura paternal.
Não consigo assimilar os sentimentos raivosos contra os negros. Logo eles que trazem consigo histórias submersas de crueldades que os ancestrais sofreram e derramaram sangue, suor e lágrimas.
Ao olhar os negros, tenho o sentimento de extremo respeito por serem descendentes diretos do maior sofrimento humano brasileiro que foi imposto às suas massacradas ancestralidades.
Insurgir-se contra a discriminação racista é um dever histórico de reconhecimento da importância dos negros na formação da nacionalidade brasileira.
Nenhuma presença étnica que se acomodou na Terra Brasilis é mais importante do que a contribuição afro-brasileira. Em todos segmentos intelectuais, artísticos, culturais, sociais, religiosos, inclusive, linguísticos, musicais, culinários etc., as raízes negras foram as mais profundas e generosas ao que hoje se convencionou chamar de “nacionalidade brasileira”.
O Brasil de ontem e de hoje tem uma dívida histórica com os sacrifícios dos negros que rastejaram por terras encharcadas de sangue, suor e lágrimas. Por uma razão elementar, deve-se respeitar aqueles que sopraram a alma deste extraordinário e cambaleante pais.
Cumpre-nos, por consciência e grandeza humana, ao contemplar os negros, destinar-lhes homenagens pela resistência e o espírito de sobrevivência que lhes legou Zumbi dos Palmares.
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