O TALIBÃ BOLSONARISTA

Desfile militar vira meme nas redes; único modelo de tanque soltava fumaça  preta

Imagem: Pragmatismo Político

1. Comida pela hora da morte, matando de fome quem não pode comprar, gasolina a 6 reais e etanol a 5, variante Delta espalhando seis vezes mais Covid por onde chega; na Amazônia, os predadores de sempre – madeireiros, garimpeiros, latifundiários e grileiros – torram no fogo criminoso uma Inglaterra a cada ano. Enquanto isso, o governo Bolsonaro mobiliza-se para promover mais uma pantomima bélico-militar no 7 de Setembro. Dessa vez, quem sabe, com tanques menos sucateados e fumacentos cedidos pelo Talibã.

2. Durante a pandemia, o crédito para microempresa caiu R$ 6,6 bilhões (com “bê de bilhão”, como disse aquele delegado PF da Lava Jato). A informação está publicada hoje (16) na capa e dentro (Página B1) do Estadão. Com um acréscimo nem tão surpreendente: no mesmo período, o crédito para grandes empresas cresceu mais de R$ 144 bilhões. Na chamada de primeira página, o jornalão paulistano arremata: “Embora gerem muitos (muito mais) empregos, as microempresas têm menos de 3% dos financiamentos”.

3. Enquanto isso, a possível nova tanqueata de Bolsonaro vem embalada com ameaça adicional de desabastecimento do Brasil por caminhoneiros supostamente liderados pelo deputado ultra-bolsonarista Sérgio Reis. Sob olhar complacente de quem deveria detê-los, o também cantor sertanejo e um bando de alucinados anunciam ao mundo ‘patriótico’ caos. A causa deles é chantagear o Congresso por voto impresso e destituição de ministros do STF.

A BRIGA DO COLCHÃO, por Ana Lia Almeida

Imagem: universal.org

Foi desse jeito, mesmo. O abençoado não reconheceu a própria casa, podre de bêbado. Parou na frente da cadeira de balanço de Cicinha, cambaleando, perguntando o que é que ela estava fazendo na calçada dele; a boca troncha, sem conseguir nem falar direito.

Cicinha nem se deu ao trabalho de responder nada, somente apontou a direção e continuou se balançando. Parecendo um cachorro perdido, ele ainda olhou para todos os lados, sem saber nem onde estava. Bem na hora que o menino de Suzana veio passando, teve pena, pegou o bebum pela mão e voltou duas casas com ele.

Rita escutava essa conversa no banco da frente das duas mulheres, cabeça baixa, fingindo ler o panfleto de uma empresa de dedetização que recebera antes de entrar no ônibus. Aliás, sua casa estava mesmo precisada, infestada daquelas baratas pequeninas andando pelas suas panelas. Resolveria o problema com veneno de feira, mesmo, que era bom e barato, porque não tinha dinheiro para empresa de dedetização.

Guardaria a propaganda para a patroa, que casa de gente rica os bichos gostam também, tem até mais comida espalhada pelos cantos. Melhor que pensar nas baratas, as suas ou as de D. Laura, com certeza era se inteirar daquela fofoca que lhe chegava sem esforço aos ouvidos.

Quando eu vim chegando do trabalho, Cicinha não esperou nem o boa noite: Osvaldo passou agorinha, cheio das cachaças! Apois eu entrei voando em casa, com óóódio. Peguei ele roncando de barriga para cima no meu colchão novo, aquela catinga de suor e bebida, não sabe? Meu medo é ele mijar ou vomitar no meu colchão, quando ele fica assim. Tanta luta para comprar esse colchão, mulher…

A gente trabalha o dia todinho, só quer um canto pra dormir direito e no outro dia levantar boa para o trabalho de novo. O colchão que eu tinha antes, só você vendo, eu acordava parecendo que tinha levado uma surra, todo esburacado. Já era muito velho quando ganhei da minha patroa, sendo que ainda passei três anos com ele, até descobrir um ninho de rato dentro de um buraco perto do pé da cama. Por isso tenho cuidado com esse colchão novo, só deito tomada banho, não deixo ninguém comer nem beber nada na cama, para não esculhambar.

Osvaldo diz que eu gosto mais do colchão do que dele. Vai ver que é verdade e, pra descontar, ele veio deitar todo fedido no meu lençol bem cheirosinho… Mas também, nem tive pena: forrei um lençolzinho e empurrei ele pro chão, nem acordou, de tão melado. Tá sem falar comigo já tem 3 dias. Eu já tô querendo é terminar com ele, mesmo, porque agora só quer viver em bar, nem faz mais nada comigo. Mas eu vou pra onde? Esse colchão é grande demais, não cabe lá na cama que tem na casa de mainha. Tô juntando, ainda, pra comprar uma cama bem espaçosa para o meu colchão, aí eu saio da casa dele.

JOGO EM MARTINS, por Sebastião Costa

Imagem: Lei em Campo

O jipe de duas portas era de Mário Teodorico. O percurso: Serra de João Dias, Demétrio Lemos, Martins.

O empresário, Francisquinho. Nasceu empresário. Ele deveria ter entre 16 a 17 anos e em todos os jogos que fizemos fora de Catolé (muitos) ele foi o responsável.

Fico imaginando a fé em Deus de nossos pais, soltar seus filhos por aí afora sob a responsabilidade de Francisquinho.
 
 O último a ser embarcado foi Cabral, na Marechal. Enquanto a gente esperava o zagueiro, de repente Canelão, que não estava na relação do técnico, subiu no jipe.

– Desça, Canelão!

Canelão, calado.

– Canelão  o jipe não cabe, desça!

E Canelão sem dar uma palavra. Canelão foi!

Como o jipe não cabia mesmo, sobrou pra mim, o menorzinho (acho que menos de 14  anos de idade). Fui até Martins sentado nas pernas do Gordo de Arnaud.
 
Chegamos ainda de  manhã e precisávamos almoçar para ter condições de jogar. E cadê almoço? Depois de muita confusão, o rapaz que havia acertado o jogo com Francisquinho levou a gente pra uma bodega e almoçamos pão doce com refresco.
 
O time foi formado mais na base da panelinha. Futebol mesmo, só quem jogava era eu (muito pequeno ainda), Nena, Josa, Genaldo. Mais ou menos: Cabral, Canelão (ponta direito muito veloz) e Zuquinha. Tuninha era o lateral direito e adivinhem quem era o quarto-zagueiro?  Carlinhos Rodrigues. Sem falar que o time deles estava numa  faixa etária acima da nossa.
 
O jogo teve um lance interessante. 4×1 pra eles e a bola dentro da área, nos pés de Nego Carlinho, que deveria chutar pra longe, tirar dali o perigo. Um gaiato lá fora deu um apito e Carlinhos não contou conversa: abaixou-se e  pegou a bola com a mão. Pênalti. 5×1. Pra encurtar a conversar, o jogo terminou 9×1. Gol nosso de quem? Canelão!
 
Na volta, muita chuva. Mário Teodorico queria ficar pra voltar no outro dia.

– Eu não vou botar meu jipe nesses buracos.

12×1 pra gente e saímos já escurecendo.
 
Mário: “Em Demétrio Lemos tem um armazém de um amigo que dá pra todo mundo dormir lá”. Era um paiol de algodão, cheio daqueles piolhos que dá muito no algodão estocado. Uma coceira desgraçada e saiu todo mundo correndo pro jipe.

Vamos simbora!

E tome chuva!

Lá na frente, um riacho. Quem desce pra ver a fundura? Naquele toró? Ninguem desceu e Mário, fumaçando de raiva, botou o jipe no riacho com água cobrindo os pneus.

De repente uma cancela no meio do caminho. E quem tinha coragem de descer para abrir aquela cancela? Na verdade, o problema maior não era nem o chuvaral. O medo era da vizinhança da cancela, um cemitério de parede branca alumiado pelos coriscos do céu e repleto de almas.

Depois de 5 minutos de muita confusão, Zuquinha, que teve o privilégio de ir e voltar na porta da frente, foi o sacrificado. Desceu chorando, mas desceu.

Já perto de João Dias, Mário radicalizou: “Não vou descer a serra  que só tem lama, numa chuva dessa!” Dessa vez foi 1×12 pra ele.

– Vocês vão dormir no alpendre de um conhecido meu ali na frente  (ele conhecia toda a região, foi prefeito de João Dias).
 
Alpendre estreito pra tanta gente, quando a chuva arrochou, começou a molhar. Foi quando Tuninha apareceu, não sei de onde e falou baixinho: “Sebastião venha pra cá!” (o pessoal tinha um certo carinho por mim, pois era o caçula e jogava bem).
 
Numa casinha ao lado, Francisquinho convenceu o dono pra ele e Tuninha dormirem lá. Quando olhei, tava Francisquinho deitado no chão, num couro de algum animal. Quando ví aquele conforto, voltei e fui chamar Josa, meu irmão. A galera ouviu e invadiu a casinha.
 
O homem, muito bom, estirou outro couro, esse de vaca e acomodou todo mundo (Mário e Zuquinha dormiram no jipe).

Ocorre que, quando já tava todo mundo deitado e em silêncio, começou a cachorrrada. Apagaram a lamparina. O dono da casa reclamou e acendeu a lamparina. Apagaram de novo (o pior que tinha era Genaldo).

Depois de quatro apaga/acende, o senhor falou sério e disse que ia botar todo mundo pra fora. Foi a única maneira de manter a lamparina  acesa.

Em determinado momento, Francisquinho, com seu olhar ‘empresarial’, enxergou uma rede lá no fundo da sala e aboletou-se. O senhor reclamou que aquela mordomia era pro filho dele que ia chegar mais tarde. Francisquinho, muito vivo, levantou-se, mas ficou em pé, escorado na parede e todo mundo reclamando. 

– Deita, Francisquinho.

E ele nem aí! Foi quando o dono da casa, compadecido, mandou que ele fosse pra rede, mas teria que sair quando o filho chegasse. Naquele toró?

Francisquinho amanheceu na rede e fazendo inveja a todo mundo:

– Dormi com dois lençóis. 

Acordamos com um dia lindo. Cheiro forte de mato novo, uma brisa refrescante, um sol brilhante… Talvez a natureza, no seu esplendor, quisesse compensar  a noite mal-dormida daqueles meninos.

Saímos dali felizes da vida!
 
•  Sebastião Costa é Médico

OS DEDOS DE DEUS, por Bethania Rolim da Nóbrega

As estrelas quando piscam é pra chamar nossa atenção!

Elas piscam desse jeito para acender em nós uma chama que arde dentro da gente.

Elas piscam por uma lembrança boa de quando apontávamos pro céu e o nosso olhar refletia a sua luz.

E até hoje elas piscam que é pra gente não perder o reflexo desse brilho em nosso olhar.

As estrelas
São toques
Do brilho
Dos dedos
De Deus
A riscar
O céu
Mostrando
Na noite
Um rastro
Do Seu amor
Que vem
E vai
Num acender
E apagar
De luzes
Nos chamando
A olhar
Para cima
E ver
O brilho que
Vem das estrelas
E a luz
Da Lua
Que ilumina
O caminho
Feito um tapete
Que se derrama
No chão da noite
Pra gente passar

@bethania_nobrega

O CIRCO NOSSO DE CADA DIA, por Babyne Gouvêa

Globo da Morte está entre atrações do Le Cirque (Foto: Divulgação)

Senhoras e Senhores, o espetáculo vai começar! Os músicos iniciam o seu repertório enquanto o comandante da arena cumprimenta o público fazendo gestos com as mãos em forma de gatilho. É ovacionado pela ala dos camarotes.

Os palhaços entram em cena ora dando cambalhotas para a direita, ora para a esquerda em posições desarticuladas, honrando as suas fantasias. O espectador atento nas arquibancadas fica com ares indagadores.

Os trapezistas, adoradores das alturas, com gestos oportunistas passam de um lado para outro observando a rede de proteção abaixo com desprezo. O seu patrão em lugar estratégico pede aplausos. Os posicionados à frente – os privilegiados –  levantam-se e gritam com euforia.

O mágico entra em ação dando a ilusão de que algo impossível ou sobrenatural ocorreu. Consegue ocultar os bens surrupiados de alguns presentes, num faz de conta que nada aconteceu.

Os palhaços voltam à cena com gestos de aplausos a Nito, Nito – nome do dono do circo. Ele, orgulhoso, apresenta os seus filhos contorcionistas de movimentos bizarros da arte circense.

Os equilibristas entram fazendo zoada um tanto desconfiados, com cara de quem pergunta: “Será que há segurança nessas cordas? Elas parecem frágeis, podendo se partir”. O povão no poleiro acompanha o sentimento cético dos artistas.

Os malabaristas encenam equilibrar os seus objetos de trabalho numa artimanha fiel ao seu perfil retilíneo. O autocontrole desses artistas leva o patrão a questionamentos paranoicos.

Essa apresentação agrada à arquibancada que num grito uníssono repete: “De novo”. Mas não podem desobedecer às regras para não despertar ameaças opressivas do seu gestor.

Os camarotes gritam: “Moto, moto, moto”, ansiosos pelo Globo da Morte. Os exibicionistas, todos paramentados, iniciam acelerando as suas motos num barulho ensurdecedor.

Nito leva os seus abastados espectadores ao delírio pilotando a equipe. Muito envaidecido solicita aplausos. Terminados os giros segue para o centro do palco – cercadinho dos camarotes -, e chama os seguidores das motos para erguê-lo.

Microfone em mãos convoca todos os artistas do circo, que ensaiados bradam: “Nito, Nito…”. Ele, com peito inflado, anuncia, enfático: “O show vai continuar”.

***

  • Ilustração: foto-divulgação do Le Cirque para temporada na Paraíba. Em novembro de 2012, durante sessão em João Pessoa um dos motociclistas do circo francês caiu no Globo da Morte, mas escapou com ferimentos leves
  • A autora garante que eventuais analogias ou semelhanças com pessoas vivas ou mortas não se prestam de modo algum a desqualificar ou menosprezar os artistas circenses, “que merecem todo o respeito que houver nesta vida”

CLASSIFICADOS DE LIVROS, por Babyne Gouvêa

Quem não conhece os “Classificados”, parte antológica dos jornais, destinado ao leitor interessado em anúncios de venda, troca, aluguel de imóveis, veículos, objetos, dentre outros.

Sempre descartado por aqueles avessos ao seu conteúdo, servia de calços em embalagens e até de higiênicos improvisados em casos emergentes.

A seção passou a divulgar de tudo a partir do advento da tecnologia e mudança nos costumes da população. Muitas vezes as esquisitices divulgadas beiravam o surreal, tanto na edição impressa ou eletrônica.

Todavia, esse espaço jornalístico poderá ganhar uma face atraente e dinâmica. Basta introduzir produtos baratos, porém ricos em ideias – os livros. Com um breve comentário sobre os seus títulos, os leitores de jornais terão ao seu alcance opções literárias valiosas.

Simpatizante dessa ideia, um dono de jornal resolveu inovar com a introdução de um caderno específico no seu veículo de comunicação, denominado “Classificados de Livros”.

Inicialmente, exigiu que o texto fosse conciso, claro e objetivo, já que o gênero “Classificados” tem a persuasão como característica.

Outros aspectos estruturais do anúncio foram impostos, como a sequência das informações a serem comunicadas: título do livro, nome do autor, corpo do texto, meios de contato e preço.

O responsável pelo novo caderno seguiu as orientações da direção e exibiu o modelo a ser editado com os primeiros títulos recebidos.

ZIGNAU: DOZE MULHERES IMPLACÁVEIS E UM HOMEM EM PÂNICO, de Marta Pessoa

A obra contempla doze histórias bem narradas com forte dose de humor. As histórias não fazem apologias, como o subtítulo do livro pode sugerir, nem empregam esteriótipos. A originalidade e clareza da escrita da autora paraibana incentivam uma leitura ininterrupta, sem intervalos, estimulando o imaginário do leitor.
Meios de contato:
Preço:

BRINCOS PRA QUE TE QUERO?, de Ana Adelaide Peixoto

Livro de crônicas com temas diversos. A autora paraibana consegue atrair os leitores para uma conversa por meio de suas letras muito bem transcritas, ora colocando assuntos cotidianos, ora de foro íntimo.

UM DIA PERFEITO PARA CASAR, de Julia Strachey

Um clássico da literatura inglesa, com um senso de humor refinado e uma narrativa crítica e perspicaz sobre a sociedade britânica do final dos anos 1920.

LAÇOS, de Domenico Starnone

O escritor italiano tornou esse romance provocativo e de leitura irresistível sobre os vínculos familiares e as amarras do casamento. A obra possui uma introdução prodigiosa escrita pela tradutora do italiano para o inglês.

ESBOÇO, de Rachel Cusk

Esse volume inaugura uma trilogia. Nessa envolvente obra a autora canadense, radicada na Inglaterra, posiciona os personagens narrando enquanto a escritora e narradora descreve; um certo trocadilho que sugere experiência em leitura e reflexão sobre o ato da escrita.

TODOS OS NOSSOS ONTENS, de Natália Ginzburg

O livro discorre sobre a dor coletiva causada pela Segunda Grande Guerra, seus antecedentes e consequências, no ambiente italiano. O estilo da escritora italiana – lírico e lúcido – tem como foco as particularidades do ser humano.

FIQUE COMIGO, de Ayobami Adebayo

Um livro sobre a busca da felicidade e o quanto estamos dispostos a perder, esconder e magoar para alcançá-la. As histórias das tradições e costumes africanos são descritas por essa escritora nigeriana envoltas em um paradoxo – do trágico ao belo.

A URUGUAIA, de Pedro Mairal

O autor argentino escreve um romance curto, mas enfático e atraente, sobre um escritor que busca a sua felicidade partindo de iniciativas adversas unindo traição, amargura, humor e uma diversidade de sentimentos que o leitor mais atento poderá identificar na trama.

A seção “Classificados de Livros” se compromete em publicar fielmente o anúncio do interessado.


Babyne Gouvêa

A NOITE DO BIZU, por José Mário Espínola

Churrascaria Bambu, cenário dos ansiosos caçadores de bizu (Foto: Histórias de Jampa, 1971)

Olhando para trás, a uma distância de 50 anos, as palavras não são suficientes para dizer o que nós sentimos naquela noite, quando tivemos a oportunidade inusitada de viver uma aventura eletrizante.

A noite de 2 de janeiro de 1971 por si só já prometia ser agradável, pois era uma noite de sábado, ainda dentro do clima de Festas Natalinas, que só termina no Dia de Reis, 6 de janeiro (e aniversário de Seu Alberto Teixeira!). Mas terminou memorável para todos aqueles que a viveram intensamente.

Havíamos acabado de concluir o científico, hoje curso médio, boa parte de nós no Liceu Paraibano. O regime havia engrossado com Ato-Institucional nº 5, o famigerado AI5, a ditadura militar evoluía em direção aos seus piores momentos. Mas ainda faltava um pouco para a repressão atingir o seu ápice, o que aconteceu em 1972-73.

Com o regime fechado, restava nos dedicarmos somente aos estudos. O terceiro científico era ano de preparação mais intensa para o vestibular. Mas 1970 fora um ano atípico.

Esse foi um ano em que estudamos como nunca no preparo para o vestibular. Mas foi o ano em que mais nos divertimos. E como nos divertimos!

A Copa do Mundo do México marcou a conquista do Tricampeonato, com o Brasil trazendo para casa a Taça Jules Rimet. A diversão emendou com a tradicional Festa das Neves e pouco mais tarde com os Jogos da Primavera.

Frequentando à tarde o Liceu, todas as noites, após o cursinho pré-vestibular de Jader (física), Honório (biologia), Valtércio (química) e Aléssio Toni (português), estudávamos até amanhecer, virando a noite. Dia seguinte dormíamos um pouco, tomávamos um banho e íamos para o Liceu.

Alternávamos os estudos na garagem da casa de Roberto Lira com a república de estudantes de Itaporanga, na Rua General Osório, onde morava Nilvando Gabriel Ferraz, um grande colega e amigo. Nas noites das sextas e dos sábados, porém, só brincávamos (depois do cursinho, claro), pois ninguém é de ferro!

Alguns iam para o Elite Bar, na praia de Manaíra. Outros, para o jantar dançante no restaurante do Clube Cabo Branco, no Miramar. Muitos, aqueles que tinham um namoro fixo, iam para as casas das suas namoradas.

O ponto de chegada, de final de farra, mesmo, era a churrascaria Bambu, que tinha esse nome por se situar dentro do bambuzal do Parque Solon de Lucena, a Lagoa. Ou o cabaré.

***

Mas nessa noite todo mundo convergiu para a Bambu, devido aos boatos de que estavam vendendo o bizu (que é como antigamente chamavam a “cola” da prova) da primeira prova do vestibular da Universidade Federal da Paraíba, português, que seria aplicada na manhã seguinte no Campus I da Universidade.

Roberto Lira foi me buscar lá em casa com Zé Paulo: “Zé, tão espalhando que o bizu da prova de português está sendo vendido. Vamos atrás? Se não conseguirmos, pelo menos tomaremos um bom porre! Vamos buscar Paviva”. Foi assim que começamos uma das nossa melhores aventuras.

Lá na Bambu grupos se formaram em torno de garrafas de Rum Montilla com coca-cola e pratos de galeto nas mesas, e depois se espalhavam pela cidade, à medida que os boatos iam chegando.

O boato se espalhou e muitos vestibulandos correriam para a Bambu nessa noite. Nesta foi estabelecido o QG das operações da Caça ao Bizu. Nesse tempo não existia celular e a comunicação se fazia pelo telefone da churrascaria. Ou pelo boca-a-boca, gritando de um carro para outro, quando cruzavam.

Foi assim durante toda a noite. Chegavam notícias de bizu procedente de todos os bairros da cidade, todas posteriormente descartadas por serem falsas.

“Estão vendendo uma lista de resultados na Praça dos Motoristas, lá em Jaguaribe!” Ou: “Um contínuo da Universidade está vendendo um bizu lá em Mandacaru!” Era o suficiente para uma debandada de vários carros lotados.

O clima, verdadeiro frisson, era uma mistura de alegria com preocupação, pois havia quem realmente acreditasse. Ou quisesse, precisasse acreditar, por não crer em sua própria capacidade.

A noite era uma aventura só. Lá pras dez Roberto nos chamou para irmos até a casa daquela colega, na qual estavam várias outras também interessadas no bizu.

Dono de boa lábia, um gentleman, impressionava mais as mães do que as meninas. E foi dessa forma que convenceu a mãe da colega a ceder o seu jipe para ir atrás de um bizu lá em Jaguaribe.

Fiquei com Leninha e Ana, na ladeira de São Francisco. Partiram ele, Zé Paulo e Paviva. Depois me contou: na Avenida João Machado cedeu a direção do jipe a Paviva, para que este aprendesse a… DIRIGIR!

Pois é, Paviva, muito bom de futebol (era um craque com a bola!), não sabia dirigir nem carrinho de mão, quanto mais um jipe. O resultado foi uma trombada com um tonel de lixo por cima da calçada. E voltaram para entregar o jipe, dizendo que o bizu foi falso alarme, sem mencionar o acidente, e muito menos a autoescola de Paviva.

Outro grupo foi chamar Marcos Melquíades, que estava dormindo em casa. Gritaram pelo seu nome, mas quem acordou, e atendeu, foi o pai, que não ouvia muito bem:

– Quem é?

– Sou eu, Coronel Melquíades. O senhor podia chamar Marcos?

– Marcos? Pra quê?

– É pro bizu!

– O peru? Solte aí no jardim.

– Não, Coronel, a prova…

– Farofa? E esse peru já está assado?

Desistiram e foram embora sem Marcos, que só no dia seguinte veio saber da aventura que havia perdido.

A noite toda foi nesse ritmo: cachaça, boato, correria, frustração, mais cachaça…

Nessa noite fiz boas amizades na aventura: Zé Rubens e Nisbel, que estão cursando pós-graduação na universidade lá do Céu, Rosimar China e Pedro Corredor, só para citar quatro. Roberto Lira e Paviva também estão estudando lá em cima com eles.

A noite terminou com uma tragédia. Já amanhecendo chegou a notícia do grave acidente na falésia da Ponta do Cabo Branco. Corremos para lá e encontramos o carro de Marcos Sá lá embaixo, à beira mar, destruído. O corpo já tinha sido levado para o Hospital do Pronto Socorro. Ele havia caído lá de cima quando estava num colóquio amoroso com uma moça. Morreu de amor, coitado, encerrando uma vida que prometia ser brilhante.

***

Ao amanhecer do dia cheguei a casa, para tomar uma ducha revigorante, um caldo de crista de galo para eliminar o cansaço e um copo de suco de laranja. Ouvindo as reprimendas (plenas de razão!) de Papai e Mamãe: “Irresponsável!”

Na hora da prova, que foi aplicada pelo advogado Paulo Américo Maia, ao nos depararmos com os 50 quesitos confirmamos com o que desconfiava: as dezenas de bizus eram todas falsas!

Ficou evidente com o comentário lacônico de Zé Paulo: “Chambalaio!”

Mas essa história de bizu foi apenas um detalhe. O bom foi a impagável noite de aventuras, que antecipou o prazer e a glória de termos passado naquele vestibular só com os nossos próprios estudos.

Nordeste debate taxação de grandes plataformas digitais

Com exposição de profissionais do Nordeste, a Federação Nacional dos Jornalistas (Fenaj) encerra nesta terça-feira (3) o ciclo de seminários regionais ‘Jornalismo, Sim’ sobre taxação das grandes plataformas digitais e criação de um fundo de apoio à atividade jornalística.

O seminário será realizado em sala de debate virtual, com início previsto para 20h. As inscrições, que darão direito a certificado a quem participar do evento, podem ser feitas através do link https://us02web.zoom.us/webinar/register/WN_eu-x5wsmRvW8SPVGhQXjWw.

Os debates têm apoio da Union to Union e da Federação Internacional dos Jornalistas (Fij), com transmissão pelas redes sociais da Fenaj e sindicatos filiados.

DEBATEDORES

Maria José Braga – jornalista do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia. Graduada e mestre em filosofia, pela Universidade Federal de Goiás. Tem experiência na área de Comunicação, com ênfase em Jornalismo Especializado (Comunitário, Rural, Empresarial, Científico).

Rubens Nóbrega – jornalista, foi revisor, repórter, redator, secretário de redação, editor, colunista e ombudsman em vários veículos da Paraíba. Foi presidente da Associação Paraibana de Imprensa (API) e vice-presidente do Conselho Estadual de Direitos Humanos da Paraíba (CDHPB).

Juliana Almeida – jornalista e radialista, professora, doutora em Cultura Digital, Mestrado e Doutorado em Sociologia pela Universidade Federal de Sergipe e Pós-Doutoranda em Educação pelo PPED/UNIT. Atualmente é professora adjunta da Universidade Tiradentes e Chefe de Redação da Secretaria de Estado da Saúde. Vencedora de 24 prêmios de Radiojornalismo.

COORDENAÇÃO

Rafael Mesquita – jornalista, mestrando em Comunicação. Assessor de Imprensa da Federação dos Trabalhadores no Serviço Público Municipal do Estado do Ceará (Fetamce), presidente do Sindicato dos Jornalistas do Ceará (Sindjorce) e diretor da Fenaj.

QUALIDADE

O objetivo da maratona de debates é levar aos jornalistas brasileiros e à sociedade propostas de desenvolvimento e financiamento direto de um jornalismo de qualidade.

As federações e sindicatos de jornalistas entendem ser viável e necessária para atingir tal objetivo a tributação de gigantes da Internet como Google, Facebook, Twitter e YouTube, entre outros.

Enquanto faturam dezenas de bilhões de dólares anualmente, essas empresas e seus aplicativos ou similares distribuem conteúdo jornalístico que não produzem nem pagam; quando muito, monetizam irrisoriamente.