ASSALTO, por Ana Lia Almeida

Imagem meramente ilustrativa copiada do jornal Extra

Todo mundo passando carteira e celular, quem reclamar vai na próxima parada direto pro céu ou pro inferno, conforme o merecimento.

Bora logo, minha tia – era o assaltante armado apressando Rita, que vinha sentada em um daqueles bancos altos, logo após a roleta. Enquanto isso, o comparsa recolhia o apurado dentro de uma sacola preta, começando pela gaveta do cobrador, ordenando que todo mundo se calasse. Mas Rita, ao invés de entregar o seu pouco dinheiro e o seu celular muito velho, teve um ataque de riso, o que já tinha acontecido outras vezes em que ela entrara em pânico.

Como é? A senhora tá achando graça de quê? O rapaz não estava mesmo para brincadeiras e, com o revolver na mão, mandou Rita se levantar para torná-la refém, empurrando-a com os braços para trás até a metade do busú, a arma apontada para a lateral de seu rosto. Em meio a choros e gritos assustados, um homem forte e alto se recusava a entregar suas coisas, levando um soco no nariz e ficando desacordado enquanto o da sacola retirava-lhe o conteúdo dos bolsos.

A essa altura, Rita já havia conseguido dominar suas risadas nervosas, lembrando dos exercícios de respiração que a patroa fazia quando se dizia estressada, isto é, todos os dias. Especialmente quando se punha a reclamar do pó em cima de algum móvel, da comida salgada ou da pia do banheiro molhada depois que ela própria escovava os dentes. Respiiiiira e solta; respiiiiira e solta, era o celular de dona Laura numa tal de meditação guiada que Rita tentava recapitular para se acalmar naquela situação de agora.

Acabou a risadagem, tia? Agradeça a Deus eu não ter estourado seus miolos, vá me passando suas coisas agora, vá! O rapaz afrouxava o nó que havia dado nos braços de Rita, olhando atento para todas as direções, vigiando os passageiros enquanto o outro terminava o serviço, já quase alcançando os primeiros assentos, perto do motorista. Foi quando Rita virou-se, devagar, para entregar-lhe os pertences, e reconheceu o menino. Era Valdinho, filho da sua comadre Jaciara. A máscara preta de tecido escondia os lábios grossos que Rita conhecia desde pequeno, mas os olhos pretinhos e ligeiramente puxados aos potiguaras da mãe dele eram inconfundíveis.

Rita ficou ali parada, olhando para Valdinho pelos breves instantes que o coração prolonga noutra dimensão de tempo. O tempo de uma vida. A vida da comadre Jaciara grávida, pensando em tirar, e recebendo de Rita o apoio para criar aquele menino sem pai. O batizado dele, aos três anos, comemorado na laje da madrinha com uma feijoada. O garoto crescendo, gostando de estudar na mesma escola da menina de Rita, os dois muito elogiados pelos professores. Clarinha se afastando, dizendo que o menino estava com amizade errada. Jaciara se fazendo de inocente, se amostrando com roupa de butique no dia das mães. Rita na delegacia mais a comadre, jurando de pé junto que o menino era bom e não tinha nada a ver com o fumo que acharam com os colegas dele; deixando o salário do mês para inteirar a fiança. O afilhado todo arrumado voltando para a Igreja com a mãe. E agora aquele bandido diante das suas mãos estendidas com um celular e vinte reais.

Valdinho, envergonhado, afastou da madrinha seus olhos e a mira de sua arma. Deu-lhe as costas, poupando-a do roubo. O outro menino já tinha finalizado a operação, e os dois desceram do ônibus numa carreira desembestada.

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