Rita cochilava em pé, o rosto apoiado no braço levantado que unia a mão firme à barra de segurança do ônibus. Sonhava aos pedaços no sacolejo da viagem, interrompida vez ou outra pela atenção à bolsa velha sufocada debaixo do outro braço.
Nessa vigília sonolenta já passava da metade do caminho quando a conversa de duas moças a despertou. “Eu ainda não entendi, me explique de novo”, perguntava impaciente a que ia em pé, bem ao lado de Rita, mãos apoiadas nas ferragens ao redor do banco em que a amiga ia sentada.
Conhecia bem o tipo, dessas pessoas folgadas que se espalham na condução ocupando lugares onde várias outras poderiam se segurar. A outra passou a repetir a história, agora em volume mais alto, e Rita desperta pôde reconhecer o enredo de um de seus quase-sonhos nos cochilos interrompidos instantes atrás: “Ele apareceu lá em casa com uma barra de chocolate e uma flor, todo meloso, dando os parabéns pelo dia das mulheres”. “E o que tem de errado?”, indagava a amiga, e Rita agora também queria saber.
A moça lamentava que nos dias de hoje os homens ainda parabenizassem as mulheres no dia oito de março, quando este era um dia de protesto feito para ir a passeatas e gritar contra as tantas coisas ruins que ainda aconteciam nesse mundo, o tanto que apanhavam e ganhavam salários menores que os dos homens etecetera e coisa e tal, por isso ela sabia que não ia dar certo com o tal do Marcelino.
Se ela havia devolvido a flor e o chocolate, quis saber a outra, que, de tão intrigada, havia levado uma das mãos ao queixo e assim liberado um dos apoios, prontamente ocupado por Rita. Não, não havia. A flor estava murchando num vaso e o resto do chocolate ainda estava ali guardado dentro da bolsa, se ela quisesse um pedaço. “Está servida também, senhora?”
Rita agradeceu e recusou, fingindo desinteresse na conversa. As meninas desceram em frente à faculdade. Sentada, retomou seus cochilos. Sonhou com Sandro Valério, o galã da novela, em frente ao seu portão com as mãos para trás. De repente, surge diante dela um buquê de rosas vermelhas e logo em seguida uma caixa de bombons de chocolate. O galã a toma em seus braços para um beijo apaixonado. Bem na hora em que o cobrador a acorda, já no fim de linha.
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