AS NINFAS DO SUS, por Francisco Barreto

Barreto, as vacinadoras e a torta, símbolo de gratidão e reconhecimento

Neste 13 de Março, como qualquer vivente fui contemplado com o privilégio assentado para recepcionar a vacina que poderia me conceder um sursis diante da pandemia. Iria ser uma exceção estatística dos milhões brasileiros que nos dias atuais erguem as mãos para os céus invocando a dádiva divina para se furtarem do desastre pandêmico que assola brutalmente a nação brasileira.

Esta angustiante expectativa, para todos, é circundada e ameaçada pela extinção da vida. Tempos sombrios conduzidos por irresponsabilidades públicas do poder central, amplamente conhecidas, que negligenciou a aquisição de vacinas capazes de poupar milhares de mortes em toda a Nação brasileira.

No citado dia, com a minha idade, no meio da tormenta iria ao encontro de um salvo conduto agendado que me concederia o beneficio de continuar vivo. Pairou em mim, contudo, inexplicável e insólito sentimento de rejeição a tal regalia, enquanto que os meus iriam permanecer nos umbrais de uma crise existencial expressa pela curta distância entre a vida e a morte. Estranha encruzilhada.

Assim, ao me encaminhar ao processo de vacinação, açoitou-me o estranho sentimento de que os meus filhos, netos e amigos todos continuariam a expensas de possíveis fatalidades pandêmicas motivadas pela incúria governamental. Continuei contornando a dúvida motivada apenas por razões emocionais. Segui com uma firmeza vacilante embora fraturado internamente.

Cheguei ao local da vacinação. Fui pronta e eficientemente atendido. Em não mais de cinco minutos passei a receber o precioso líquido ignorando a endiabrada premonição que poderia me transformar num crocodilus terrificus.

Naquele atendimento impecável, tudo metricamente organizado, o único gesto meu foi o de demonstrar a minha condição etária. Fui acolhido com exemplar profissionalismo por várias jovens com o brilho de seus delicados olhares, apiedados. Certamente pela minha condição provecta.

Antes de a vacina penetrar o braço, fui instado pela atenciosa atendente a observar a seringa, o êmbolo e o conteúdo. Contestei, disse que era desnecessário, que ela tinha a minha irrestrita confiança. Insistiu. Não me convenceu o argumento do protocolo obrigatório. Alegou que era algo sempre requisitado pelos que ali estiveram, momentos marcados por fotos e filmagens.

Não obedeci, nem me permiti efetuar os registros de imagens. Confiava na honestidade daquelas servidoras públicas. Compreendi de imediato que atos de desonestidades difundidas em outros locais haviam atingido inocentes e dedicadas vacinadoras a serem renitentemente fiscalizadas. Achei tudo isto um desrespeito fazer da desonestidade de alguns poucos uma jurisprudência da má fé.

Concluído o ato da vacinação, pedi a permissão de entregar à equipe uma oferenda, um simples gesto de gratidão diante de tão elevada missão por elas executadas. Era apenas simples uma torta de chocolate. Surpresa e alegria geral. Fui intimado a descer do carro e, cercado por valorosas e surpresas jovens, a fazer o registro fotográfico.

A minha gratidão resultou num gesto pelo visto sem paralelo ou similar nos múltiplos atendimentos anteriores. Com frequência, longe dos sentimentos gratificantes dos beneficiados, vicejavam por vezes a indiferença e a irritabilidade dos antecessores e provectos transeuntes para com as jovens que apenas procuram lhes assegurar a continuidade da vida.

Mesmo hesitante, com minhas inquietudes mais íntimas, compus uma cena onde as mais genuínas e justificadas emoções se entrelaçaram. Um momento formidável. Abandonamos o protocolar distanciamento e nos saudamos. Naquele instante, não havia mais espaço para o danoso vírus, o afeto tinha que ser vivenciado. E assim o foi.

Naquele rápido contato ficou a luminosa impressão de que aquelas jovens por competência e generosidade haviam demonstrado que longe da burocracia vacinal estavam ali conscientes a serviço da vida e de quebra exercitavam o afeto. Repartimos as nossas lágrimas. Fui embora convencido de que havia encontrado as Ninfas do SUS da Prefeitura de João Pessoa.

Que radioso encontro com aquelas que estavam a serviço da preservação da vida. Certamente elas exibiam a generosidade das antigas divindades gregas oriundas dos campos, das florestas e dos mares como nos transpiram a mitologia helênica. Elas reoxigenaram meus sentimentos de que o bem e o serviço publico de saúde nesta João Pessoa demonstram competência e afetuoso respeito ao cidadão numa hora em que se exerce o clamor popular pela preservação das nossas vidas.

É BOM ESCLARECER
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3 Respostas para AS NINFAS DO SUS, por Francisco Barreto

  1. Regina escreveu:

    Grande Francisco Barreto, sua excelência na escrita nos faz viver momentos felizes é emocionantes. Parabéns, amigo. Regina e Marivardo Toscano

  2. Arceu escreveu:

    Lúcida e generosa homenagem em tempos insanos e desumanos em que vivemos. Parabéns, Barreto! Há razões para acreditar em dias melhores.

  3. Rosa Maria Godoy Silveira escreveu:

    Querido Barreto, daqui de Sao Paulo lhe mabdoum abraço afetuoso. Lindo texto.
    Assim como as ninfas do SUS, dedecadas e sensiveis, voce exala a sua sensibilidade, fraturada seja, mas a demonstracao do grande ser humano que voce ê.