Neste 13 de Março, como qualquer vivente fui contemplado com o privilégio assentado para recepcionar a vacina que poderia me conceder um sursis diante da pandemia. Iria ser uma exceção estatística dos milhões brasileiros que nos dias atuais erguem as mãos para os céus invocando a dádiva divina para se furtarem do desastre pandêmico que assola brutalmente a nação brasileira.
Esta angustiante expectativa, para todos, é circundada e ameaçada pela extinção da vida. Tempos sombrios conduzidos por irresponsabilidades públicas do poder central, amplamente conhecidas, que negligenciou a aquisição de vacinas capazes de poupar milhares de mortes em toda a Nação brasileira.
No citado dia, com a minha idade, no meio da tormenta iria ao encontro de um salvo conduto agendado que me concederia o beneficio de continuar vivo. Pairou em mim, contudo, inexplicável e insólito sentimento de rejeição a tal regalia, enquanto que os meus iriam permanecer nos umbrais de uma crise existencial expressa pela curta distância entre a vida e a morte. Estranha encruzilhada.
Assim, ao me encaminhar ao processo de vacinação, açoitou-me o estranho sentimento de que os meus filhos, netos e amigos todos continuariam a expensas de possíveis fatalidades pandêmicas motivadas pela incúria governamental. Continuei contornando a dúvida motivada apenas por razões emocionais. Segui com uma firmeza vacilante embora fraturado internamente.
Cheguei ao local da vacinação. Fui pronta e eficientemente atendido. Em não mais de cinco minutos passei a receber o precioso líquido ignorando a endiabrada premonição que poderia me transformar num crocodilus terrificus.
Naquele atendimento impecável, tudo metricamente organizado, o único gesto meu foi o de demonstrar a minha condição etária. Fui acolhido com exemplar profissionalismo por várias jovens com o brilho de seus delicados olhares, apiedados. Certamente pela minha condição provecta.
Antes de a vacina penetrar o braço, fui instado pela atenciosa atendente a observar a seringa, o êmbolo e o conteúdo. Contestei, disse que era desnecessário, que ela tinha a minha irrestrita confiança. Insistiu. Não me convenceu o argumento do protocolo obrigatório. Alegou que era algo sempre requisitado pelos que ali estiveram, momentos marcados por fotos e filmagens.
Não obedeci, nem me permiti efetuar os registros de imagens. Confiava na honestidade daquelas servidoras públicas. Compreendi de imediato que atos de desonestidades difundidas em outros locais haviam atingido inocentes e dedicadas vacinadoras a serem renitentemente fiscalizadas. Achei tudo isto um desrespeito fazer da desonestidade de alguns poucos uma jurisprudência da má fé.
Concluído o ato da vacinação, pedi a permissão de entregar à equipe uma oferenda, um simples gesto de gratidão diante de tão elevada missão por elas executadas. Era apenas simples uma torta de chocolate. Surpresa e alegria geral. Fui intimado a descer do carro e, cercado por valorosas e surpresas jovens, a fazer o registro fotográfico.
A minha gratidão resultou num gesto pelo visto sem paralelo ou similar nos múltiplos atendimentos anteriores. Com frequência, longe dos sentimentos gratificantes dos beneficiados, vicejavam por vezes a indiferença e a irritabilidade dos antecessores e provectos transeuntes para com as jovens que apenas procuram lhes assegurar a continuidade da vida.
Mesmo hesitante, com minhas inquietudes mais íntimas, compus uma cena onde as mais genuínas e justificadas emoções se entrelaçaram. Um momento formidável. Abandonamos o protocolar distanciamento e nos saudamos. Naquele instante, não havia mais espaço para o danoso vírus, o afeto tinha que ser vivenciado. E assim o foi.
Naquele rápido contato ficou a luminosa impressão de que aquelas jovens por competência e generosidade haviam demonstrado que longe da burocracia vacinal estavam ali conscientes a serviço da vida e de quebra exercitavam o afeto. Repartimos as nossas lágrimas. Fui embora convencido de que havia encontrado as Ninfas do SUS da Prefeitura de João Pessoa.
Que radioso encontro com aquelas que estavam a serviço da preservação da vida. Certamente elas exibiam a generosidade das antigas divindades gregas oriundas dos campos, das florestas e dos mares como nos transpiram a mitologia helênica. Elas reoxigenaram meus sentimentos de que o bem e o serviço publico de saúde nesta João Pessoa demonstram competência e afetuoso respeito ao cidadão numa hora em que se exerce o clamor popular pela preservação das nossas vidas.
O Blog do Rubão publica anúncios Google, mas não controla esses anúncios nem esses anúncios controlam o Blog do Rubão.
3 Respostas para AS NINFAS DO SUS, por Francisco Barreto
Grande Francisco Barreto, sua excelência na escrita nos faz viver momentos felizes é emocionantes. Parabéns, amigo. Regina e Marivardo Toscano
Lúcida e generosa homenagem em tempos insanos e desumanos em que vivemos. Parabéns, Barreto! Há razões para acreditar em dias melhores.
Querido Barreto, daqui de Sao Paulo lhe mabdoum abraço afetuoso. Lindo texto.
Assim como as ninfas do SUS, dedecadas e sensiveis, voce exala a sua sensibilidade, fraturada seja, mas a demonstracao do grande ser humano que voce ê.