QUEM MATOU CIDA SARINHO?

Cida Sarinho morreu ontem (12) em hospital de João Pessoa (Foto copiada do ParlamentoPB)

Cida Sarinho partiu muito cedo e eu não consigo acreditar que haja uma razão para isso, que a sua morte foi apenas por um vírus, esse que provavelmente nasce da hipocrisia que ela combatia, das desrazões humanas que maltratam o que nos é mais essencial e nos constitui, os recursos naturais.

Eu sei que ela e milhares de pessoas poderiam ainda estar vivas se não tivéssemos um governo que, desde as primeiras mortes, governa para o sucesso do vírus. Talvez alguém me acuse de politizar esta perda irreparável, mas, inclusive por respeito a ela, não cometerei o equívoco de separar o inseparável.

O atendimento à saúde, à educação e a promoção da vida, principalmente para as comunidades mais carentes, o público jovem, os idosos e as mulheres, foram, durante toda a sua vida profissional, objeto de muita dedicação técnica, política e afetiva.

Uma Assistente Social de verdade desaprende rápido a separar essas três coisas, pois descobre, também rapidamente, que a técnica não basta, que a política não basta e que é com a massa dos afetos que ela, mesmo sabendo que jamais conseguirá de forma plena, tentará tapar todos os buracos, curar todas as feridas e promover vida, dignidade e alegria no coração das pessoas mais carentes.

Quem não conheceu Cida Sarinho e quiser ter notícias dela, vá até a Favela do S, até o Gervásio Maia, no Baixo Roger e tantas outras comunidades da periferia de João Pessoa. Em qualquer desses lugares procure por uma mulher que transformou a vida de dezenas de adolescentes e que também perdeu outras dezenas para a violência, a miséria e as drogas (na realidade brasileira, a (o) Assistente Social que não aprende a perder não consegue jogar nem descobre a importância de um gol, mesmo quando o placar fecha em 10 a 1).

Procure mulheres violentadas pela própria história, que conseguiram, através do trabalho de Cida Sarinho, conquistar dignidade e autoestima, encontre também outras tantas que não conseguiram, mas que reconheciam Cida nas ruas, vinham abraçá-la e muitas vezes, mais uma vez, chorar de alegria ou de tristeza nos seus ombros.

Pois foi essa mulher, que viveu intensamente tantas vidas, que nunca perdeu a chance de investir seus próprios recursos para sanar uma necessidade mais radical ou para pagar um lanche para adolescentes famintos, essa mulher que lutava diariamente pela igualdade de direitos e de oportunidades, que transformava a sua indignação em atitude e força de trabalho, essa mulher intensa em tudo e em tudo que exercia apaixonada, que morreu do que sempre combateu: a incompetência na gestão dos recursos e das políticas públicas.

Não posso garantir que Cida Sarinho estaria viva se, há um ano, tivéssemos iniciado um esforço de combate ao Covid, coordenado pelo governo federal, que potencializasse os recursos regionais de forma racional, proativa, multidisciplinar e com respaldo técnico e científico. No entanto, certamente estaríamos poupando milhares de vidas e livrando da dor e da perda milhares de famílias. Talvez esta dor não estivesse agora na casa de Iago, Caíque e Jéssica, na casa de Osvaldo e de Rosa, na casa de Méa, de Déa, de Helena, de Mariinha, de tantos de nós. Muito provavelmente Cida, sim, estaria viva.

O que todos sabemos é que o presidente, desde a primeira oportunidade, em meados de fevereiro de 2020, negligencia, ignora, escamoteia, tergiversa e ironiza o poder letal do Covid 19 e, como um subverme institucional, fragiliza o Ministério da Saúde e subtrai o poder de reação natural e de articulação das instituições públicas de saúde de todo o país.

Se tivéssemos um Presidente, as chances de Cida e das milhares de pessoas que morreram até agora teriam sido muito maiores. Este raciocínio também é válido para as que serão infectadas amanhã, para as que amanhã morrerão e, inclusive, para as pessoas que discordam de mim agora e morrerão em breve do mal que defendem. Os brasileiros não têm, mas o vírus tem um presidente pra chamar de seu. Muitos vermes também têm.

Cida e mais 2.151 pessoas morreram, neste dia 12 de março de 2021, pela ação do Covid 19 e pela incompetência insana e genocida do verme mor que preside o nosso país. Se ele fizesse o que tinha e tem que ser feito, se ao menos não atrapalhasse quem quer fazer, muitos milhares de vidas estariam sendo poupadas, mas se não fossem tantas e apenas uma vida fosse salva, todo o esforço já teria sido válido.

Um governante não tem direito de errar, mas é humano e erra. O que não se pode perdoar ou admitir é a insistência no erro, mesmo com as pessoas caindo mortas ao seu lado, sob sua ironia e insensatez. Um governante é para a sua comunidade, para o bem dela e só o bem da população justifica o poder que ele concentra. Não vivemos em uma monarquia da idade média, não estamos a serviço do rei. Se há um déspota no poder a democracia está vilipendiada, o povo está sob o poder de um governo criminoso.

Luz e paz para Cida Sarinho, justiça para todas as pessoas que morreram e que morrerão por consequência da mediocridade na política e na gestão pública brasileira.

Texto de Gilson Renato

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