Já não havia mais arroz nem cuscuz há três dias, o café acabaria dali a dois turnos, mas foi com o fim do papel higiênico que a verdade se impôs: a feira não poderia mais ser postergada.
Ir ao mercado nunca foi o meu forte. Essas coisas mundanas do comer e do limpar, grande prisão do cotidiano, desde sempre roubaram a minha paz. Depois da pandemia, no entanto, as compras se transformaram de vez num inferno.
Mais se parece com uma missão de guerra. Armado de máscara e álcool em gel você sai para a batalha, corajoso, ciente dos riscos. Nunca sem uma lista de compras, dessa vez organizada pelas seções do supermercado, para evitar a cena clássica de atravessar todos os corredores de volta em resgate de um produto esquecido lá para as bandas da entrada.
Ao entrar no supermercado, você lamenta profundamente a presença de todas as outras pessoas, desumanizadas em sua mente como potenciais transmissores de coronavírus. Acabou-se aquela intimidade dos corredores, aquelas avaliações sobre o sabão que lava a roupa do mesmo jeito pela metade do preço, a indignação compartilhada pelo quilo de feijão custar nove reais. Nada disso, agora é foco na missão: cumprir a rota das prateleiras, manter distância e chegar o quanto antes, são e salvo, em casa.
Na volta para casa você nem se anima mais, pois sabe que os seus problemas estão apenas começando. Terá de tirar a roupa do lado de fora, na área de serviço, correndo o risco de dar lance para a vizinhança. Borrifar álcool 70 em todas as sacolas e deixa agir enquanto toma banho. Desinfetado, volta à última luta: o banho das compras. Experiente em banho de menino e banho de cachorro, o banho dos produtos me deixa até hoje estarrecida.
Feliz por estar vivo, você encontra as últimas forças para guardar tudo em seus devidos lugares. Toma um copo d’água. Passa um café. E reza em prol da multiplicação da feira na dispensa para que você nunca mais precise passar por isso.
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