Dentre as manias adquiridas nesse confinamento, assistir a vídeos com entrevistas, músicas e documentários impele-me a mais um vício incurável. Raro o dia em que não passa nas minhas telas – tevê, computador ou celular – algum filme que não me descubra tesouros, não desvende mistérios ou não me faça revelações surpreendentes sobre pessoas e fatos relevantes da minha contemporaneidade. O que vi ontem, então…
Encantou-me em nível de hipnose o vídeo no qual Ângela Bezerra de Castro concede entrevista a Humberto Fônseca de Lucena para a série Memórias Paraibanas do Século XX, produção dos estúdios MDias (M de Mirabeau, professor, físico e cineasta, entre outros bons predicados). Está na Internet. Se não quiserem ver pelo link que ofereço abaixo, procurem por ‘Entrevista Professora Ângela Bezerra de Castro’ no Youtube. Depois me digam se não é um depoimento espetacular de uma história de vida exemplar.
Sabia algumas coisas de Ângela. De sua prodigiosa inteligência, por exemplo. Não sabia da menina precoce que aprendeu a ler e escrever aos quatro anos de idade. O vídeo mostra que sua alfabetização foi extraordinária, além de envolvida em detalhe de imensa ternura. Facilitaram o aprendizado as letrinhas estampadas no pijama que sua avó materna fez para agasalhar a netinha nas noites friorentas da casa de fazenda do avô. Na Serra da Confusão, em Araruna, de onde a menina saiu ainda muito nova para estudar em internatos dirigidos por freiras.
Sabia que Ângela era professora de Literatura da UFPB. Não sabia, contudo, que a ditadura militar e seus calabares a fizeram sofrer espera de três anos para assumir a cátedra universitária que conquistou por classificação em concurso público. E assumiu graças à assunção de Lynaldo Cavalcanti na Reitoria, em 1976. No mesmo ano, o magnífico reitor mandou limpar as gavetas da filial do SNI no campus e arquivou todos os inquéritos persecutórios a que respondiam alguns dos quadros mais qualificados da Universidade, todos dedurados como ‘comunistas’ ou ‘subversivos’ pelos ratos de porão do arbítrio.
Um dos pontos altos do vídeo é também o texto com que o entrevistador introduz os espectadores no planeta Ângela. “Em qualquer projeto de resgate da memória paraibana, não poderá faltar a palavra, falada ou escrita, da professora Ângela Bezerra de Castro, que durante os últimos 40 anos vem deixando sua marca e sua contribuição nos campos na cultura e na educação na Paraíba, quer na Universidade Federal, na administração pública do Estado, na Imprensa ou na Academia Paraibana de Letras”, escreveu Humberto Fônseca de Lucena.
Merece especial atenção o arremate do historiador-entrevistador. “Corajosa, coerente com suas verdades essenciais, Ângela sempre manteve suas posições definidas, sem medos de melindres ou polêmicas, fazendo de suas ideias e palavras suas únicas armas”, diz ele, encorajando-me a cometer frase bem ao estilo Martinho Moreira Franco. Algo tipo “quem se criou na Confusão vai lá ter medo de disputa!”.
Como se fosse pouco, além de tudo e graças a essa entrevista descobri que Ângela é natural de Bananeiras, o lugar onde mora minha saudade, onde ela certamente nasceu “com o dom de dominar a palavra”, conforme a bela definição do mesmo Humberto. Ela é ainda – ou principalmente – filha de Dona Miriam, contemporânea e conterrânea querida de Dona Aparecida, minha adorada mãe, que nasceu nos trinta do século passado em Tacima, então distrito da Grande Araruna. A terra que até então eu julgava ter dado ao mundo a mui provável futura presidente da Academia Paraibana de Letras.
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