EM TORNO DA FOGUEIRA, por José Mário Espínola

Fogueira - Foto de Camping Viveiro, Alto Paraíso de Goiás ...

(Imagem meramente ilustrativa copiada de blog.thenorthface.com.br)

Não há dúvida que Wilson era, realmente, um gentleman. Em todos os nossos acampamentos, nunca tivemos um convidado tão fino. Mas tudo tem limites.

Quando namorávamos as nossas futuras esposas, costumávamos acampar nos fins de semana. Tempos outros onde não tinha poluição e sobrava segurança. Nunca aconteceu nada conosco. Nem piche nos pés, única poluição que encontrávamos nas praias. Consequente à lavagem criminosa de navios petroleiros distantemente da nossa costa.

Acampávamos em praias diversas: Jacarapé, Gramame, Itamaracá, Jacumã… E outras menos cotadas. Dias maravilhosos, trabalho em equipe, exploração da natureza. Banhos e mais banhos nas nossas águas límpidas e cristalinas.

Pescarias de redes, respeitando o máximo possível a natureza. Subir em árvores. Banhar-se nos maceiós e nos rios do litoral, desafiando a schistosoma. Explorar a barra do rio Gramame, natureza exuberante, à época praticamente intocada.

Exploração da mata litorânea, onde encontrávamos o lagarto preto tejuaçu, cotias, mangabeiras, guajiru. Pássaros lindos, que estão rareando. E saguis, bandos de saguis, fazendo macaquices.

Noites aconchegantes em torno de uma fogueira, histórias curiosas, piadas muito engraçadas. Clima de camaradagem por parte de todos. Ou quase.

Esses eram os nossos acampamentos, de tão gostosos que eram, ainda é uma lembrança muito recente nessas quase cinco décadas.

Geralmente, éramos casais completos, mas em um desses acampamentos a namorada de Jaime levou sua prima, lá de Piancó. Boa menina, porém muito tímida e acanhada, e pouco à vontade na Capital. Não usava biquínis, somente maiôs completos. Ah, sim, um detalhe: ela só raspava as pernas até os joelhos, mantendo as coxas cabeludas. O que fazia uma figura esquisita, quando ficava de short.

Coincide que Jaime levou seu grande amigo Wilson. Como eu disse lá em cima, era realmente uma figura fidagal. Sempre participativo, muito bem humorado, porém um humor muito educado. Um verdadeiro cavalheiro.

Não deu outra coisa: o tempo todo as meninas queriam fazer o namoro de Wilson com Maria dos Remédios. Wilson aceitou aquilo com a maior naturalidade, demonstrando estar gostando da brincadeira. Tratava a menina muito bem, sempre gentil e deferente para com ela. Porém…

Remédios reagia da pior forma possível, rejeitando com veemência exagerada as abordagens cordiais de Wilson. E Wilson insistia em cortejá-la, mesmo sem correspondência. Até que uma noite mágica aconteceu.

Estávamos todos em torno da fogueira, depois do jantar, ouvindo a boa música de uma fita cassete no gravador que David havia levado. A conversa derivou para o lirismo dos quadros de Hermano José, que pintou diversas praias do nosso litoral, especialmente a ponta do Cabo Branco, e que era quase que um roteiro para os nossos acampamentos. Wilson declamou, então, alguns versos de Vinícius de Moraes, olhando para Remédios. Foi aplaudido por todos, com exceção de Remédios, que o chamou de “leso.”

Silêncio gélido, que foi quebrado pela voz barítona e elegante de Wilson, que delicadamente disse, apontando as coxinhas da moça: “Minha filha, sabe o que eu mais gosto em você? É essa sua bermudinha de macaco!”.

Maria dos Remédios mergulhou em sua barraca, não mais saindo até irmos todos embora, dois dias depois. E nunca mais encontramos Wilson, para relembrar um momento de tanta ternura explícita.

José Mário Espínola
Acampista-aprendiz

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