A REVOLTA DOS SAPATOS, por Ana Lia Almeida

Mulher tirando sapatos de salto alto Foto Premium

(Imagem meramente ilustrativa copiada de br.freepik.com)

Ao tomar conhecimento da flexibilização da quarentena, meus sapatos se animaram. Um mundo de possibilidades voltou a se abrir para eles. Finalmente se encontrariam novamente com as tão queridas calçadas, com o concreto, com as rampas, degraus e ladrilhos, com outras cerâmicas além do chão dessa casa enfadonha onde estamos todos enclausurados há 4 meses.

As sandálias organizaram um Plano de Reabertura com detalhado rodízio em que elas próprias, os tênis, as alpercatas, as botas, os sapatos baixos e altos ganhariam a liberdade, dois pares por dia. As chinelas havaianas ficaram de fora e quiseram protestar, mas no fim reconheceram seus privilégios de livre trânsito pela casa e até mesmo uma ida ou outra à farmácia e ao banco.

Qual não foi a revolta quando lhes comuniquei que meus pés ficariam guardados ainda por um bom tempo! Recusaram meus argumentos, irredutíveis. Às favas com o isolamento social, gritaram alto. “Lugar de calçado é onde ele quiser”, “liberdade quando? Já!”, “A rua é nossa casa!” e outras palavras de ordem tomaram a sapateira. Organizados com os cachorros, armaram um Plano que me fez pisar em cocô por três vezes consecutivas numa manhã só.

As coisas estavam ficando fora de controle, e precisei entrar em acordo com a sapatada. Tiraram uma comissão para se reunir comigo, composta da sapatilha preferida no dia a dia do trabalho, o saltinho que arrasa nas festas e o tênis de corrida – as havaianas foram vetadas da comissão, por receio de golpe.

Ainda bem que a negociação foi um sucesso: duas voltas no quarteirão por dia. Uma pela manhã bem cedo, em companhia dos cachorros, outra à tardinha, na direção inversa. A paz, então, voltou a reinar na sapateira.

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Uma resposta para A REVOLTA DOS SAPATOS, por Ana Lia Almeida

  1. Que você crônica encantadora! Deliciosa! Um deleite para os nossos olhos.
    A autora escreve leve, macio. Me fez lembrar George Orwel.
    Parabéns, Ana Lia, que estilo!