Na primeira parte desse exercício de cultura inútil sobre machismo na Língua Portuguesa (ou de seus dicionaristas), publicada ontem (14), sugeri ao leitor dar uma espiada nos verbetes ‘homem’ e ‘mulher’ em alguns dos nossos mais concorridos dicionários, para conferir a diferença de tratamento a um e outro gênero. Bem, aos que acataram ou não a sugestão, reproduzo adiante o resultado de minha própria busca.
Comecemos pelo Aurélio (versão ‘Beta’).
- • Homem – s.m. Indivíduo dotado de inteligência e linguagem articulada, bípede, bímano, classificado como mamífero da família dos primatas, com a característica da posição ereta e da considerável dimensão e peso do crânio. / Espécie humana, humanidade: a evolução social do homem. / A criatura humana sob o ponto de vista moral: todo homem é passível de aperfeiçoamento. / Pessoa do sexo masculino, macho;
- • Mulher – s.f. Ser humano do sexo feminino. / Aquela que atingiu a puberdade. / Esposa. / Amásia, concubina. // Mulher à-toa, mulher da vida, mulher pública, meretriz.
Agora, no Houaiss. Vou logo avisando que é ou era bem pior (e é porque vou usar apenas algumas acepções).
- • Homem – s.m. Mamífero da ordem dos primatas, único representante vivente do gên. Homo, da espécie Homo sapiens, caracterizado por ter cérebro volumoso, posição ereta, mãos preênseis, inteligência dotada da faculdade de abstração e generalização, e capacidade para produzir linguagem articulada; a espécie humana, a raça humana, a humanidade (eita nós!); adolescente do sexo masculino já dotado de virilidade; aquele em que sobressaem qualidades como coragem, força, determinação, vigor sexual; pessoa da confiança de alguém; marido, companheiro ou amante; indivíduo que uma meretriz considera seu amante e que, não raro, a explora financeiramente.
- • Mulher – s. f. Indivíduo (não tem ‘indivídua’, apesar da boa eufonia) do sexo feminino, considerado do ponto de vista das características biológicas, do aspecto ou forma corporal, como tipo representativo de determinada região geográfica, época etc.; aquela que tem sua fisiologia e sua vida genital percebidas como essência do ser humano feminino em sua evolução; na puberdade, com a chegada dos ciclos menstruais, quando ovula e pode conceber, entre menina e moça; na fase núbil, pronta para se casar; quando deixa de ser virgem; descendente do sexo feminino; a outra; amante, concubina; a fêmea humana como parceira sexual.
Ah, essas locuções…
Se você entra no reino das locuções (modo de expressão que junta duas ou três palavras para construir um mesmo significado), o bicho pega. Não posso dizer ‘a bicha pega’ porque soaria estranho, pejorativo até, como soa a maioria das locuções apuradas pelos dicionaristas para nos ilustrar acerca das diferenças entre o homem e a mulher.
No próprio Houaiss, para o homem lá estão locuções como ‘homem da lei’, ‘homem do povo’, ‘homem de bem’, ‘homem de letras’, ‘homem de palavra’ ou ‘de poucas palavras’, ‘homem de pulso’ e ‘homem público’. Para as mulheres, ‘mulher à-toa’, ‘mulher da vida’, ‘mulher da zona’, ‘mulher de má nota’, ‘mulher de ponta de rua’, ‘mulher de programa’…
No caso das locuções de acepção mais literal, digamos, jogam o ser feminino à submissão ou funções subalternas ao homem. Exemplos: ‘mulher do lar’, para significar a mãe de família que resume a sua vida a cuidar do marido, filhos e casa; ‘mulher de casa’, ‘mulher de verdade’ (que remete a mais uma verdade doméstica), ‘mulher honesta’ ou ‘mulher séria’ (só para aquelas fiéis a seus maridos).
Mais: se você usa ‘homem da rua’, está significando que ele é um homem do povo, mas se usar ‘mulher da rua’, veja o que acontece! E ‘homem público’, que se contrapõe mais ainda a ‘mulher pública’? ‘Homem público’ nos leva a um presidente, deputado, senador, governador, prefeito etc., políticos, enfim. Já ‘mulher pública’ passa direto pelas ruas e termina no prostíbulo.
Sei não, mas me parece urgente uma revisão dessa prática, norma ou mania. A Academia Brasileira de Letras bem poderia se deter sobre a questão. Não para censurar ou esconder. Não daria certo. Palavras e expressões não estão nos dicionários por machismo ou preconceito de quem os faz. É porque estão mesmo na boca do povo, fazem parte da nossa cultura, do nosso jeito e razão de ser.
Não quer dizer, contudo, que devamos nos render à passividade eterna de ouvir, ler, ver e repetir palavras que degradam as mulheres em geral e a condição feminina em particular.
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2 Respostas para LÍNGUA DE MACHO (II)
Compartilhando, salvando e esperando ansiosamente o momento ideal (presencial) para trabalhar essa temática com os alunos! Obrigada, Rubens, por abordar de forma tão leve essa importante reflexão!
Excelente matéria. Faz a gente refletir muito…