Até a década de 1960, os cabarés tinham muita importância para a sociedade de João Pessoa. Mais exatamente para o lado masculino. Histórias mil são contadas de figuras que praticamente “viviam” dentro dos cabarés. Lá tinham uma vida social e comunitária intensa: encontravam-se, dançavam, fumavam, bebiam e jogavam baralho.
Alguns próceres da sociedade para lá transferiam as suas atividades profissionais, atendendo seus clientes de negócios. Os cabarés funcionavam como verdadeiros escritórios, onde abriam e fechavam negócios. Uma tarde de sábado aconteceu “um barulho”, como se dizia lá no Alto Sertão do Vale do Piancó. Dois sujeitos, antigos desafetos, se desentenderam por causa de uma das garotas que lá trabalhavam e partiram para as vias de fato.
Engalfinharam-se, quebraram todo o salão e cada um puxou da peixeira. Um desastre! Um caiu moribundo e o outro foi levado quase morto para o velho Hospital do Pronto Socorro, na Rua Miguel Couto. A família do futuro defunto foi avisada. Quando os parentes chegaram ao cabaré, o fulano já tinha emitido seu ultimo suspiro. “Quem foi? Quem foi???” bradaram. E não houve quem convencesse que tinha sido uma luta de iguais e o defunto fora o provocador. “Crime de honra!”. “Isso: sangue se lava com sangue!” E partiram para o Pronto Socorro, com sangue nos olhos.
Antes disso, o primeiro havia chegado ainda com vida no HPS. O urgentista reconheceu a gravidade e foi logo ordenando instalar sangue na veia e chamar o cirurgião plantonista. Este desceu correndo, viu a gravidade do caso e chamou o anestesista, indo os dois se lavar para entrarem na cirurgia, junto com o estudante estagiário de plantão.
Cirurgia melindrosa: a lâmina da faca perfurou o abdômen, transpassando o epíplon, transfixando o baço e o intestino delgado. Mas o cirurgião, que era muito hábil, rapidamente localizou o sangramento, realizou a esplenectomia, estancando a hemorragia. Partiu, então, para explorar a cavidade abdominal, verificando os demais órgãos, fazendo um inventário da cavidade, como manda a boa prática cirúrgica. Nesse ínterim, chegam ao Pronto Socorro os familiares da outra vítima, empurrando, agredindo até, quem estivesse na frente.
– Cadê? Cadê aquele corno? Vai morrer, o condenado!
E saíram procurando o paciente pelas dependências do hospital, causando pânico e alvoroço. Médicos, enfermeiros e atendentes correram para se esconder. Enfrentar seria morte certa. Foi quando um enfermeiro entrou correndo na sala de cirurgia e contou tudo para o cirurgião. O barulho da aproximação do bando já era ouvido no centro cirúrgico. Momento de tensão, suspense de Hitchcock. De repente, o cirurgião disse para o estagiário assumir o paciente e tomou uma atitude.
O estudante tremia todo, sendo necessário ser segurado pelo enfermeiro, para continuar a auxiliar. O cirurgião saiu da sala de cirurgia para o corredor, dando de cara com os familiares da outra vítima, sedentos de sangue:
– Cadê aquele canalha? O senhor é o cirurgião? Não adianta fazer nada, pois nós vamos matá-lo agora!
O cirurgião, então, arrancou as luvas e a máscaras, jogando-as no chão num gesto teatral. E disse:
– Fiz o que pude. Tentei de tudo. Infelizmente, nem sempre acertamos. Quando ele chegou já não tinha mais chance.
O bando estancou um olhando para o outro, todos frustrados. Concluíram que não tinha mais nada a fazer ali. E voltaram cabisbaixos. Quando dobraram o corredor do centro cirúrgico, o cirurgião correu de volta à sala, calçou rapidamente novas luvas e máscaras e terminou de salvar o paciente pela segunda vez!
Esse herói permaneceu anônimo até os dias de hoje. Ele se chama Dr. Genival Veloso de França (foto), orgulho da Paraíba que honra a Medicina do Brasil.
José Mário Espínola
Médico
É BOM ESCLARECERO Blog do Rubão publica anúncios Google, mas não controla esses anúncios nem esses anúncios controlam o Blog do Rubão.
3 Respostas para UM GESTO HEROICO, por José Mário Espínola
Sei que vou cansar de parabeniza-lo pelas crônicas, mas, PARABÉNS.
Parabéns José Mário 👏👏👏. Um grande abraço
Lauredo
Excelente