O LADO BOM DA COISA, por José Mário Espínola

(Foto: Doutor Multas/IG)

Tudo na vida tem dois lados. Sempre que surgir um revés temos que procurar o lado bom da coisa, pois ele existe. Às vezes como menos esperamos.

Nós tínhamos chegado de uma longa viagem ao exterior, alguns anos atrás. Observei que a minha cédula de habilitação tinha recentemente vencido, e resolvi ir até o Detran para atualizá-la. Ilma, minha mulher, decidiu ir comigo.

Após as filas e esperas de praxe, fui informado pelo gentil moço que a minha pontuação havia “estourado!”. Mas, como assim?! Pacientemente o funcionário dissecou o meu prontuário. Por conta de multas geradas por radares vagarosos, invejosos da minha destreza na direção, passei dos 24 pontos tolerados pelo Código Nacional de Trânsito.

Ingenuamente, Ilma pediu ao funcionário que verificasse a pontuação dela, abusando da boa vontade do moço. Não deu outra: guincho! A sua habilitação também estava suspensa. E já foi retendo as nossas CNHs.

Fomos orientados para não mais dirigirmos por um mês e que devíamos procurar uma autoescola para cumprir castigo. Nossa filha Ana Laura foi nos buscar no Detran.

Puxa, que chato! Que vergonha! Logo comigo, que tanto zelo pelo trânsito. E, pior ainda, com Ilma, que dirige devagar…

Depois de muita procura, optamos pela autoescola Rainha da Paz, na Avenida Epitácio Pessoa, pois nos era mais acessível. Depois, viríamos saber que essa foi a melhor escolha. Vou dizer porque.

Na primeira noite de aula lá chegamos muito envergonhados, no meio de tantos moços candidatos a motorista. Depois de preenchermos todos os pré-requisitos (quase que eu digo “todos os papéis!”), de cadastrarmos os nossos dedos e as nossas faces, fomos dirigidos para uma das classes.

Lá, de repente a vergonha começou a desanuviar, quando prestamos atenção à composição da turma. E que turma! Me senti em casa, de tão à vontade!

Quatro médicos. Dois dentistas. Fisioterapeutas. Educadores físicos. Dezenas de motoristas. Só de jornalistas, seis. E, vocês não vão acreditar: um juiz de direito!

Havia uma jovem senhora, cabelos ora na cintura em rabo de cavalo, ora num coque enorme, toda na paz do senhor, aleluia, amém. Figura interessantíssima. Ela era motorista de táxi e pretendia se habilitar para dirigir caminhão! Mas foi flagrada pelo estouro da pontuação do Contran.

A turma era muito engraçada. O primo Josué era a alegria da classe, mexendo com um, bulindo com outro, não ficava quieto. Piadas finas se sucediam, alternando com outras menos publicáveis.

Mas o melhor estava para acontecer. Depois de esperarmos um pouco, eis que entra a nossa mestra, a “tchia” Márcia!

A professora Márcia é uma comunicadora de primeira, daquelas que a gente vê nos palcos da televisão, animando auditórios, mexendo com um e com outro, dizendo uma graça, estimulando o aprendizado. A classe vinha abaixo com a atuação de Márcia.

E ensinava! Aprendemos tudo do Código de Trânsito: legislação, normatização, categorias preferenciais. Foi quando fiquei sabendo que um ciclista só tem preferência quando está desmontado da bicicleta.

Aprendemos sobre tara de caminhão, tipos de sinalização, radares modernos, distância mínima entre os automóveis, psicotécnico, psicológico, psicodélico… Por aí.

Tudo ministrado com alegria contagiante pela professora Márcia, que era um show da comunicação!

Passou-se o mês e conseguimos a duras penas nos reabilitar. Cada um foi para o seu lado com a sua nova habilitação. Foi bom enquanto durou.

Escrevo tudo isso porque acabei de saber que um projeto lei está para ser aprovado no Congresso e, entre outras medidas, eleva a pontuação punitiva para acima de 40 pontos. Sou contra!

Sou contra principalmente porque vai relaxar o mau motorista, que poderá causar mais acidentes, com riscos de morte para mais pessoas.

Mas se essa regra estivesse valendo em 2015, nós jamais teríamos tido a oportunidade de conhecer uma turma tão eclética, tão agradável, com uma professora tão boa como a “tchia” Márcia.

Memorável!

  • José Mário Espínola
  • Motorista doravante mais cuidadoso
É BOM ESCLARECER
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