ANO PERDIDO? por Raíssa Santos

(Foto de mera ilustração copiada do Jornal da USP)

Em um não tão distante dia, uma aluna habituada a recitar poemas, declamou, dessa vez, sua angústia: “Será que, no próximo ano, os professores irão considerar que eu não aprendi nada com as aulas remotas? Será que irão considerar que o meu ano foi perdido?”.

Tentar acalmar alguém assim, e alguém tão jovem, em desenvolvimento, é complicado, considerando que tal calma ainda não me acometeu e, principalmente, por partilhar das mesmas angústias.

Há um bom tempo, e mais claro ainda após as últimas eleições, vimos um enorme fosso se abrir diante de nós. Não adianta afirmar que são situações discordantes, porque não são! E, agora, mais um debate escancara o que defendemos na política, e, consequentemente, na educação.

Daí, surgem as recorrentes divagações: que tipo de educação é essa que está sendo defendida? O que essas pessoas entendem por educação? Será apenas uma oferta/compartilhamento de conhecimentos?! Ensinar agora ficou restrito ao ‘toma lá, da cá”? Porque, mesmo com algumas dúvidas, vejo cada vez menos reflexão e curiosidade por parte dos alunos – o que é totalmente compreensível – e cada vez mais cobranças e pressão por parte das escolas e de seus radicados.

Será que devo afirmar que a minha sobrinha/pitoquinha de três anos não está tendo uma aprendizagem efetiva quando, ao dizer “ainda não” para as aulas remotas, aprende as letras do alfabeto de forma significativa bem como os números – em inglês também -, tira fotografias lindas, faz desenhos que nos emocionam e ainda reflete sobre o período pandêmico que estamos vivendo, o que, justamente, está faltando em muitos colegas de profissão.

Ensinar/educar sem a mediação de um professor e a convivência com os colegas não deve se restringir a uma abordagem conteudista. E isso não é novidade há décadas. Por que o retrocesso agora? Como afirmar que as crianças estão aprendendo mais passando horas diante de uma tela ao invés de estarem brincando com os pais, irmãos ou mesmo sozinhos, pois a imaginação deles é invejável e sem limites?

Tudo isso sem considerar as desigualdades que nos fazem perder o fôlego, como pensar nas famílias que não têm o que comer e, ao mesmo tempo, precisam manter o celular com internet para atender a pressão, por vezes, ilógica, de professores e dos gestores. Pensar que estamos incluindo nossos alunos de forma eficaz e satisfatória, é, no mínimo, inocência.

Para a minha querida aluna, respondo à sua inquietação sobre o “ano perdido” com a seguinte reflexão: será mesmo este um ano perdido ou será uma oportunidade de não apenas nos conhecermos melhor, mas também conhecermos aqueles com quem convivemos?

Saudades de quando comentei com uma amiga que a minha maior preocupação era com a data de estreia de “Judy” e ela revelou que a sua era a data do desfile do bloco mais elegante do Folia de Rua: Cafuçu!

  • • Raíssa Santos é Professora
É BOM ESCLARECER
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8 Respostas para ANO PERDIDO? por Raíssa Santos

  1. Danilo Gabriel escreveu:

    Queria saber mensurar a saudade que tô da senhora. Com esse texto, consegui te sentir um pouquinho, professora… lendo ele, me lembrava das vezes que reescrevi uma redação, ou a biografia❤️, e isso me alegrou, não o fato de reescrever, mas saber que tenho sempre alguém que posso contar, e que vai me dizer o certo, e não o que quero ouvir.
    E também já tive o pensamento de “o ano (escolar) está perdido”, ainda mais por não está tendo EAD, e lendo percebi que não. Pois eu estou conhecendo a mim mesmo, me relacionei melhor com meus familiares (que quase não tinha contato, pois passava o dia inteirinho na escola), é uma adaptação e tanto… mas eu creio que tudo irá passar, e vamos poder dar um abraço apertado novamente😭
    E professora, parabéns de verdade pelo texto, é lindo, cativante, inspirador e conseguiu trazer uma sensação muito boa ao coração❤️ Obrigado por tudo, amo a senhora.

    Emoção, e orgulho, definem.

  2. Júlia Dias Alves escreveu:

    Ficou ótimo. Nada além do esperado para a melhor professora de português. Saudades Raíssa <3.

  3. Milena escreveu:

    O que dizer? De verdade, estou emocionada.
    Sabe quando alguém fala exatamente como você se sente, é incrível,não é?
    Isso aconteceu agora comigo. A fala dessa aluna quando diz: “Será que, no próximo ano, os professores irão considerar que eu não aprendi nada com as aulas remotas?”. Inúmeras vezes esse ano eu falei isso, atualmente estudante universitária tenho que tentar manter a calma e correr de todos os lados para compreender um assunto que eu poderia ter um desenvolvimento tão melhor em minhas aulas normais no modo presencial. Entender que,muitos professores apenas dão a aula e pronto,e se por algum motivo o aluno perder não há mais jeito. Esquecem que muitos vivem em situações difíceis,esquecem que muitos precisam mais do que um acesso a internet. Nossas crianças, nossas crianças… Como está a convivência dos pequeninos, o aconchego do abraço, o compartilhamento dos lanches entre eles, a sinceridade e serenidade no olhar das crianças… Para alguns é mais fácil adaptar -se a tecnologia do que tentar lutar para manter o essencial,o presencial.
    Entregar um celular com acesso a internet e logo vem a distração, esquecem que nada pode trocar a brincadeira na rua, o desenho, o esconde esconde… Querem tirar a sinceridade, com tanta inovação.
    Nada contra a inovação, uma vez que seja com total benefício.
    É muito triste ouvir: “A aula foi dada”.
    Mas e eu? Será que foi de propósito que não acessei a plataforma, será que foi de propósito nao ter tido o melhor desenvolvimento, chegar no próximo ano com a angústia de que muitos vão perguntar e eu vou dizer que não consegui assistir as aulas,chegar no próximo ano e dizer falhei. É as vezes trazer para si uma culpa tão grande de querer fazer mais e não poder, mas que bom que ainda tem quem entenda, ainda tem quem esteja disposto a lutar.
    Raíssa Santos, você é excelente! Não falo isso para lhe agradar, sabes bem disso. Falo c imensa sinceridade, eu sou grata por cada ensinamento que aprendi ao seu lado, sou grata pela escola também que estudei, você Raíssa, da força a nós alunos. É bom encontrar em quem nos apoiar, eu te admiro, e se como um dia eu pensei, eu cursar letras… Quero ser como você. Sabe porque?Porque não basta teoria sem amor, não basta teoria sem prática, não basta ter diploma e não exercer com sinceridade. E tudo isso você faz, ensina com amor,com dedicação, e se importa com os alunos! ISSO É GRATIFICANTE!

  4. Camila escreveu:

    Falou tudo!!!

  5. Ana Caroline (Tia Carol) escreveu:

    Que texto incrível, parabéns pela sensibilidade, uma única palavra para demostrar meu sentimento “Empatia”

  6. São dúvidas que me afligem: será este é mais um ano perdido em uma década já totalmente comprometida?
    Meu Deus, quanto atraso!?
    Só estes últimos 2 anos foram de educação zero, em todos os sentidos que você imagine!
    Independente disto, excelente texto. Vê-se que a autora teve uma boa formação literária. Parabens

  7. Cristina Maria Tavares de Oliveira escreveu:

    Definindo o texto em uma palavra: Sensibilidade.