UMA ESCOLHA DIFÍCIL, por José Mário Espínola

(Foto: imagem de mera ilustração/Desconfinados)

Final dos anos 1970, já havia muitos médicos no Brasil, embora com imensa concentração na faixa litorânea. Nada a ver com as lindas praias brasileiras, mas é nessa zona onde se encontra a maioria dos grandes centros, que oferecem melhores condições de trabalho ao médico. Mas, como a concorrência já se fazia levar em consideração na escolha da especialidade, o futuro médico tinha que fazer uma profunda análise do panorama profissional.

Cristina não era apenas mais uma carinha bonitinha no curso de Medicina. Muito estudiosa, chegava a ser uma das melhores da sua turma. E concorria com seu namorado, o futuro Dr. João Ribeiro Neto. Este, muito inteligente, dinâmico e decidido, rápido escolheu a sua futura especialidade: apaixonou-se pelos hieróglifos do eletrocardiograma, as curvas do vetorcardiograma e as oscilações do fonocardiograma. Ou seja: Cardiologia.

Já Cristina ficou em dúvida: área clínica ou cirúrgica? Viu que tinha mais pendores, habilidade e paciência, decidindo-se por cirúrgica. Por ser mulher, a tendência era que se tornasse obstetra. Mas era mais esperta e tinha muita visão: fez a sua própria pesquisa de mercado e tomou a decisão inabalável.

O difícil foi contar ao futuro esposo qual seria a sua especialidade médica. Machista e, pior ainda, dotado de um excelente humor mordaz, jamais iria compreender ou aceitar, embora sempre tenha se destacado como um aluno muito inteligente. Mas, chegada a hora da inscrição para a residência médica, teve que revelar o seu segredo. Aí, começou o inferno.

A briga já vinha durando desde o Hospital Universitário, continuou no ônibus do Castelo Branco e rolou até chegarem a casa, no Miramar.
Dona Zuzu, mãe de Cristina, mulher prática, tranquila, viu aquela confusão entrando, João muito vermelho, exaltado, falando alto, e perguntou:

– Ave-Maria, como vocês brigam! Estão brigando porque, desta vez?

– Nada não, mamãe.

E o João Ribeiro:

– Diga a ela! Diga a ela!

– Diga a ela o quê, Cristina?

– Nada não, mamãe!

João insistiu:

– Conte pra ela! Du-vi-dê-ó-dó!

– Contar o que, Cristina? De que é que vocês estão falando?

– Da escolha dela, da especialidade que ela escolheu!

– E qual é?

– Não interessa, mamãe!

– Fale! Conte, se tem coragem!!

– Qual foi, minha filha?

– Depois eu digo, mamãe…

– Conte agora! Ah, duvido!

– Qual foi minha filha? Diga!

– Proctologia…

– Qual? Não escutei nada, filha.

Abusada, Cristina respondeu:

– PROCTOLOGIA, MÃE!!

– Ah, sim. Muito bem, minha filha, parabéns.

Surpreso, João olhou para a sogra, olhou para a namorada, e maldoso perguntou à sogra:

– Dona Zuzu, me responda: a senhora sabe o que é proctologia? Sabe para que serve, mesmo?!?

Inocentemente, Dona Zuzu respondeu:

– Não é alguma coisa de Medicina?

Venenoso, João Ribeiro fez uma breve explanação pouco científica à sogra, sobre a especialidade de Proctologia. Dona Zuzú passou mal:

– Oh! Oh! Oh! Ai, meu Deus! Não acredito! Não acredito! Tão bem que criei minha filha, tanta educação que lhe dei, com muito sacrifício coloquei-a no colégio das freiras! E é isso que recebo?! É este o pagamento que você me dá? Estudar seis anos para ser médica de CU??!!

José Mário Espínola
Especialista em especialidades médicas

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