SOMENTE UMA COXINHA! por José Mário Espínola

Vocês já devem ter notado que com alguma frequência gosto de relembrar a João Pessoa da minha juventude. Os hábitos. Os pontos de encontro. A tranquilidade, especialmente à noite. Ah, as noites de João Pessoa… Que tranquilidade!

Poucos de nós tínhamos carros. Circulávamos em ônibus ou a pé. Nos fins-de-semana, singrávamos as noites da cidade, madrugada adentro, sem o menor risco.

Por exemplo: o último ônibus da praia para o centro saia à meia-noite. Se o perdíamos, nós percorríamos toda a Avenida Epitácio Pessoa a pé, em grupo ou solitariamente. Nunca aconteceu nada.

Mais cedo (lá pelos 15 anos), após a nossa iniciação à bebida na Casa dos Frios, de Seu Leodécio, descobrimos A Bambu, que era uma churrascaria no meio do bambuzal da Lagoa¹.

Havia o Havaí Drinks, no mezanino do Paraíba Hotel. Mas lá era muito fino. E caro. Só quando João Neto, meu irmão mais velho, pagava.

Opções de lazer não faltavam naquelas noites. Geralmente, quando estávamos com pouco dinheiro, ou até mesmo lisos, começávamos a noite em algum assustado² do bairro. Ou então íamos para o Elite Bar, com ou sem dinheiro. Lá, sempre havia uma dose de cuba libre³ amiga nos esperando.

Os assustados eram, geralmente, ao som das músicas dos Velhinhos Transviados ou dos discos As 14 Mais, as canções românticas de Roberto Carlos, os roques de Erasmo Carlos. o samba-rock de Ed Lincoln ou o twist de Chubby Checker.

O Elite Bar era uma das melhores diversões da época, lá fora ou na boate (exigia muita amizade com o leão-de-chácara para conseguir entrar). Nas mesas ao ar-livre tínhamos o conjunto tocando músicas deliciosas, com Zé Rubens (Jangada) dando show de bateria.

Após o Elite Bar fechar, nós tínhamos as seguintes opções: ir para a Bambu, se tivesse dinheiro; para o cabaré. onde, mesmo lisos, a gente se divertia muito com os tipos que lá encontrávamos, principalmente no saudoso Bar Tabajara, cujas noites terminavam invariavelmente em briga. Ou ir direto pra casa, dormir.

Mas, para nós que morávamos no bairro de Tambiá ou adjacências, e teimávamos não ir para casa, embora já estivéssemos lisos ou bêbados, tinha o Independente Atlético Clube!

O Independente, como carinhosamente chamávamos, era uma agremiação de, predominantemente, classe média mais modesta: escriturários, balconistas, alfaiates, motoristas e cobradores de ônibus. Entre outros.

Lá no Independente já haviam se apresentado grandes astros da noite, como Eclipse, Cauby Peixoto, Noite Ilustrada, Reginaldo Rossi (em começo de carreira) e Bienvenido Granda, “El Bigote Que Canta!”.

Na noite em questão, de lembrança mais forte, meu irmão Humberto e sua turma (Mano Bizum, Luciano, Geraldo Maguinho e Brito), depois de fecharem a boate do Elite; depois de serem expulsos do cabaré de Normélia; depois de se alisarem na Bambu e ainda resistindo ir para casa, pois estavam com muita fome, resolveram terminar a noite no Independente.

Lá, encontraram um quadro dantesco: fim de farra, com bêbados dançando iê-iê-iê, uns com os outros. E nenhuma mulher! Isto é: só restava UMA. Mas estava acompanhada de seu noivo, que era um cobrador boa-praça da linha do Roger. E que conhecia Humberto, por isso chamou-o para a sua mesa, para tomar uma dose de rum ou comer alguma coisa.

Mas comer o quê? Só restava, sobre a mesa, um pratinho contendo UMA coxinha, filha-única. E que passou a noite se oferecendo, mas ninguém pegava, para não ser grosseiro com o anfitrião. A noite avançava, a fome apertava, mas todos, educadamente, fingiam que não viam a coxinha.

Logo ao chegar à mesa, Humberto e sua turma não fizeram cerimônias. Sentaram-se, serviram-se do rum, bateram um bom papo. Mas não conseguiam tirar os olhos da coxinha. E quanto mais olhavam, mais a fome apertava…

Foi quando o milagre aconteceu: SUBITAMENTE FALTOU LUZ! Era só o que Humberto precisava: protegido pelo escuro, rápido como um raio, ele meteu a mão… NA COXA DA MOÇA!

Chegou tarde: JÁ HAVIA OUTRAS TRÊS MÃOS!

  • José Mário Espínola
  • Aprendiz de Pasteleiro

O autor é Médico e Cronista

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  • ¹ Lagoa: Parque Solon de Lucena, no centro da cidade.
  • ² Assustado: reuniões caseiras dançantes, decididas de improviso, quando então todos os rapazes e moças iam para a casa escolhida sem nenhum aviso.
  • ³ Cuba-Libre: coquetel feito com rum e coca-cola.
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