A recusa em honrar a parte que cabe ao Brasil na concessão do Prêmio Camões a Chico Buarque representa algo inédito em matéria de intolerância à diversidade de pontos de vista, mas é muito expressiva da forma totalitária com que Bolsonaro encara as manifestações culturais e artísticas.
Quem não compartilha de suas concepções, sintetizadas nos motes Pátria amada, Brasil e O Brasil acima de tudo, Deus acima de todos, notoriamente afins com os dos fascistas, é considerado cidadão de segunda categoria, quando não inimigo da pátria.
Apesar disso, a atitude do militar reformado foi pouco divulgada na mídia, não ensejando o categórico repúdio que lhe devia ter sido dado pela sociedade e, especialmente, pelos meios artísticos e culturais.
Um último exemplo de sua estratégia desagregadora diz respeito às declarações insultuosas dirigidas ao Presidente e Vice-Presidente eleitos da Argentina, Alberto Fernandez e Cristina Kirchner, quando ainda candidatos, tachando-os de “bandidos de esquerda”.
Nunca antes, em qualquer país civilizado, líderes máximos de uma nação amiga foram tratados como marginais, tão somente em virtude de discrepâncias ideológicas. Usa, desta forma, o arrogante Chefe de Estado de critérios manifestamente nocivos ao interesse nacional.
O resultado da estratégia bolsonarista, revelou-se negativa para o seu artífice, ao gerar um sub-produto inesperado: quem vai representar, de facto, para os argentinos, o Brasil na posse de seu Presidente e Vice-Presidente eleitos – por eles convidados – é ninguém menos do que Luiz Inácio Lula da Silva!
Orientado pelos mesmos critérios ideológicos – alheios às práticas diplomáticas consagradas – apostou todas as fichas em um governante objeto de processo de impeachment – Donald Trump – deixando o Brasil em situação delicada, caso o próximo Presidente dos EUA seja um democrata.
Mas qual o sentido dessas considerações, se o temperamento incontrolável do capitão reformado e sua combinação com o ultra-conservadorismo já é de todos conhecida? Conhecida, mas superficialmente e minimizada pelos que nele votaram e parcialmente oculta, ou filtrada pela grande monopólio midiático.
Esse é precisamente o desafio que temos a enfrentar: buscar se contrapor, com argumentos racionais, ao irracionalismo imperante. Essa é a única forma de fornecer à militância, que precisa abarcar todos os democratas, as ferramentas de que necessitam para se opor às tonitruantes e desagregadoras manifestações do ex-militar.
- • Rubens Pinto Lyra é Doutor em Ciência Política e Direito Público e Professor Emérito da UFPB
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