O analfabetismo funcional (incapacidade de uma pessoa compreender textos simples e de fazer operações matemáticas elementares) alcança um em cada três brasileiros.
Esse é o pano de fundo que explica boa parte do analfabetismo político existente em nosso país, determinante para a eleição de alguém com idéias obscurantistas, visceralmente autoritário e absolutamente despreparado para a Presidência da República.
O eleitor também dissocia sua escolha das questões fundamentais que dão sentido ao processo eleitoral: aptidão para o exercício do cargo e identificação com determinadas políticas públicas.
Com efeito, a incapacidade do Estado para o desempenho de suas atribuições mais básicas, como proporcionar educação, saúde, transporte e segurança decentes ao cidadão levou os eleitores menos politizados ao desencanto em relação à política, também contaminada pela corrupção e pelo cinismo.
Desse ponto de vista, há inegável semelhança entre o que ocorreu na Itália de Mussolini e no Brasil atual. Como disse Laura Fermi, na sua densa obra sobre o ditador italiano “muitas vezes na história da humanidade as massas têm sentido a necessidade de criar um herói, atribuindo-lhe qualidades sobre-humanas”.
Esse herói, segundo Laura, “foi Mussolini; não Mussolini o homem, mas Mussolini o mito, no qual os seus partidários queriam acreditar. É desnorteante constatar que as palavras que faziam surgir tão ilimitado entusiasmo, se não tivessem saído do ‘mito’, privados de sua voz, se revelariam banais e ocas”.
Em síntese: “O povo italiano, com Mussolini, estava querendo entregar-se nas mãos de um homem cujo futuro governo seria, quando muito, uma experiência esperançosa e cujo talento político não tinha condição de avaliar”.
São os analfabetos políticos – que também podem ser letrados – os esteios dos regimes autoritários: estúpidos – ou ingênuos – que estufam o peito dizendo que odeiam a política ou por ela simplesmente não se interessam.
De todo modo, “é da ignorância política que nasce a prostituta, o menor abandonado e o pior de todos os bandidos que é o político vigarista, pilantra, o corrupto e o lacaio dos exploradores do povo” (Bertold Brecht).
Além de amplos setores populares, também boa parte da classe média com diploma universitário absteve-se ou escolheu o candidato identificado com o regime militar de 1964, alegando não votar “de jeito nenhum” no PT.
Desconsideraram, portanto, a opção que estava embutida no voto do segundo turno: democracia ou autoritarismo, com risco de ditadura.
De nada adiantou sua condição de doutores, que, contraditoriamente, abrem mão da democracia, mas não dos direitos de cidadania.
Caíram, por um misto de ignorância e arrogância, na vala comum dos que desdenham a política, faltando-lhes aquilo que caracteriza o cidadão consciente: a compreensão do elo indissociável entre o bem estar individual, o da sociedade e o dos rumos seguidos pela política.
Mas nem todos que recusaram a opção pela democracia – representada, no segundo turno, por Fernando Haddad – eram analfabetos políticos.
Nesse rol, inclui-se a extrema direita, que sabe muito bem o que quer: o “Estado mínimo”, sinônimo do reino absoluto do mercado, e o centro cuja ampla maioria funcionou como apêndice da direita: se é para o bem do mercado, sacrifique-se a democracia.
Os eleitores do capitão reformado abraçaram discursos ideológicos incitadores do ódio e da intolerância, deixando a porta aberta para o aumento exponencial da violência que grassa no país. É na antessala desse monstro chamado fascismo (ou de sistemas afins) em cujo ventre são gerados os analfabetos políticos.
Rubens Pinto Lyra é Doutor em Ciência Política, Professor Emérito da UFPB
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