Os juízos de valor emitidos sobre o drama venezuelano refletem, regra geral, dois pontos de vista antinômicos, embora expressos em diferentes tonalidades.
O primeiro – compartilhado por liberais e a extrema-direita – considera o regime de Nicolás Maduro fruto de eleições não democráticas, ilegal e ilegítimo, tratando-se, portanto, de uma ditadura com a qual não é possível dialogar.
Para eles, o legítimo representante da Venezuela seria o presidente da Assembleia Legislativa, Juan Guaidó, que se autodeclarou Presidente interino da República e foi reconhecido como tal por cerca de 50 países, dentre os quais os Estados Unidos e a maioria dos países latino-americanos.
Segundo esse entendimento, todas as pressões seriam válidas para derrubar Maduro. Há até os que, como Guaidó e Donald Trump, não descartam sequer a intervenção militar.
Já os setores hegemônicos da esquerda consideram que o sucessor de Hugo Chavez foi democraticamente eleito. Portanto, seu mandato deve ser defendido contra todos os que querem destituí-lo: o imperialismo americano, seus coadjuvantes na América Latina e alhures, além dos inocentes úteis que se deixam enganar por sua propaganda.
Essas teses, embora antinômicas, compartilham uma mesma visão maniqueísta do mundo e da política, a prolongar concepções vigentes no período da Guerra Fria. Nele, para muitos, o capitalismo era sinônimo de prosperidade geral e de liberdade. Já para os seus críticos, esse regime estaria apodrecendo e não resistiria à superioridade do socialismo soviético e similares.
A história provou que o capitalismo não estava apodrecendo e o suposto socialismo (que nunca o foi, pelo menos segundo Marx) é que estava se decompondo.
Mas o capitalismo também não realizou suas promessas de bem-estar crescente e de democracia para a humanidade. Sucede o contrário: a concentração de renda se aprofunda cada vez mais, enquanto o regime democrático vem perdendo terreno para o autoritarismo e as ditaduras.
O persistente alinhamento automático de liberais e de socialistas a posições “puras e duras”, portanto, demonstra que nada aprenderam com a experiência histórica.
É assim que temos assistido à cínica tentativa de intervenção na Venezuela, supostamente em nome da defesa da democracia. “Doações humanitárias” têm sido utilizadas como meros instrumentos para enfraquecer o governo Maduro, à custa, paradoxalmente, de vidas humanas.
Com efeito, os países que querem impô-las a todo custo são os mesmos que se empenham em sufocar a economia da Venezuela, agravando seus problemas sociais. ]
Confirmam essa análise as críticas da Cruz Vermelha da Colômbia sobre o caráter político dessa “ajuda humanitária”. E, surpreendentemente, as do próprio Presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia, que denunciou a possível instrumentalização dessas doações para atender interesses de terceiros – no caso, dos Estados Unidos.
É também de causar espécie o estranho apego, no que diz respeito à democracia na Venezuela, do presidente Bolsonaro, a tudo justificando em nome de sua defesa. Logo ele, que nunca considerou ditatorial o regime militar de 1964!
Mas… E a nossa inefável esquerda? Essa, continuando, como o PT, na defesa incondicional do governo venezuelano, compromete cada vez sua credibilidade. Não consegue enxergar ser esse governo produto de eleição limitada aos simpatizantes do chavismo nem perceber as graves restrições às liberdades individuais impostas aos cidadãos daquele país.
Têm razão a União Europeia, os organismos da ONU e os setores e partidos como o Bloco de Esquerda, em Portugal, o ex-Presidente Mujica no Uruguai e todos que clamam por uma solução negociada.
Nem Maduro nem Guaidó!
- • Rubens Pinto Lyra é Doutor em Ciência Política e Professor Emérito da UFPB
- • Contato: [email protected]
O Blog do Rubão publica anúncios Google, mas não controla esses anúncios nem esses anúncios controlam o Blog do Rubão.