Da democracia à ‘democradura’?

por Rubens Pinto Lyra

(Charge publicada pelo Imel – Instituto de Imersão Latina)

Democracia e ditadura são conceitos antinômicos, um repele o outro. Mas isso não quer dizer que esses conceitos se concretizem de forma pura na realidade. No Brasil, o regime democrático já é de baixa intensidade, tendo em vista a investidura de um presidente ilegítimo como Michel Temer, a existência de monopólio midiático e a insegurança jurídica devida ao ativismo judicial, entre outros fatores.

Já a eleição de Bolsonaro enseja a possibilidade dessa frágil democracia transitar para uma democradura. Isto poderia ocorrer mesmo com a Constituição permanecendo em vigor, os Poderes de Estado funcionando e as liberdades públicas preservadas, mas diminuídas com a incorporação de textos legais repressivos, susceptíveis de estimular a demonização e eventual perseguição de oponentes.

Os sinais da possibilidade desse retrocesso se efetivar são muito fortes. Exemplo disso são as iniciativas legislativas em tramitação, como o da Escola sem Partido e a, em gestação, que criminaliza a “apologia ao comunismo”, acompanhadas de intensa pregação ideológica dos ministros indicados por Bolsonaro.

Cada um deles parece ver chifre em cabeça de cavalo, ora atacando a dominação “do marxismo cultural” (ministro das Relações Exteriores), ora dizendo-se investidos da missão de preservar os valores conservadores (ministro da Educação), ora verberando contra o PT e as esquerdas (ministro da Saúde) e, até mesmo, enxergando na globalização – pasmem! – a influência do marxismo!

Há, também, a possibilidade de presença maior dos militares combinar-se com a adoção de legislação que endureça a punição aos “bandidos” desonerando as “forças da ordem” de eventual responsabilidade penal, em caso de confronto com potenciais criminosos e com os movimentos sociais (o MST é considerado “terrorista” pelo “mito”). Nessa hipótese, a possibilidade de extrapolação da letra e do espírito da “Constituição Cidadã” se amplifica exponencialmente.

A isso se soma a preocupação obsessiva do capitão reformado com a homogeneização do pensamento e dos costumes, inspirados nos da “família tradicional”, combinada com a estigmatização dos petistas e de todos que discrepem de sua orientação político-ideológica.

Ter-se-á, ainda, de enfrentar o plano de privatizações generalizadas e a retirada de direitos dos trabalhadores. Todavia, o caráter regressivista, delirante mesmo, de algumas propostas e concepções, seu anti-comunismo primário, podem também funcionar como um bumerang, em dois sentidos. In primis: contribuindo para ampliar e fortalecer a aliança de todos os democratas, para além do campo das esquerdas, em defesa do pluralismo ideológico, político e cultural. Secundo: afastar os setores mais moderados das Forças Armadas, e até mesmo figuras como o Vice-Presidente, General Mourão, que tem se posicionado criticamente em relação às iniciativas mais destrambelhadas do Presidente eleito.

Mesmo nessa hipótese mais otimista, o enfrentamento do retrocesso à vista exigirá das esquerdas algo que nem mesmo nas condições adversas em que se encontram têm sabido construir. Primeiramente, a formulação de propostas alternativas às ultra-liberais, provenientes do governo Bolsonaro, a serem construídas e conduzidas com espírito unitário. Infelizmente, essa estratégia tem sido comprometida pelos partidos de esquerda rivais do PT, que têm buscado isolá-lo, apresentando-se como a oposição moderada.

Já o Partido dos Trabalhadores necessita assumir os descaminhos político-administrativos da Presidente Dilma e o envolvimento de alguns de seus mais importantes quadros na corrupção, fazendo a autocrítica reclamada por todos. Concomitantemente, precisa “ir aonde o povo está”, como exigiu Mano Brown. O que significa, a exemplo de Podemos na Espanha e da nova esquerda, abrir-se à sociedade, adotando uma estrutura mais flexível, que incorpore os seus apoiadores às suas decisões. Será que os petistas toparão?

  • Rubens Pinto Lyra é Professor Emérito da UFPB
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4 Respostas para Da democracia à ‘democradura’?

  1. Rogério Gomes escreveu:

    É triste vê um jornalista tão respeitado no estado publicando algo que só alguém apaixonado por um partido e não pelo país poderia escrever. Lamentável.

  2. Arael M. da Costa escreveu:

    Esse pobre coitado deve estar beirando a senectude, com afirmações tão disparatadas.
    Como se pode negar legitimidade a um governo eleito com mais de 50% dos votos da sociedade e a promessa de tentar corrigir as muitas diatribes praticadas pelos dirigentes que estão sendo adequadamente defenestrados de uma sociedade que vai pagar, ou já está pagando, um preço exorbitante por todo esse desajuste econômico-financeiro que conduziu uma das maiores empresas do nosso mundo econômico a uma situação quase pré-falimentar.
    Esse final de escrito seria risível se não fosse trágico, pois que jogar o peso de todas as diatribes petistas na ex-presidentA é peça que poderia, sem desdouro, ser atribuída ao nosso Jessiê Quirino ou ao deputado Tiririca, pois só um espírito cômico como os desses geniais artistas pode omitir a extensa lista dos que estão sendo chamados a prestar contas de seus malfeitos.