A Rede Globo vem desenvolvendo, nos últimos anos, uma campanha midiática sem precedentes em favor do projeto Criança Esperança. Ele representaria o esforço de “milhões de brasileiros, em busca de um país mais justo” (Regina Casé dixit).
Divulgando à exaustão experiências exitosas, confere-lhes um caráter quase demiúrgico, transmitindo a impressão de que o Brasil seria outro se ações desse gênero se espraiassem por toda a sociedade.
A propaganda com que a Globo bombardeia os seus telespectadores cria a falsa ilusão de um impacto significativo do Criança-Esperança na realidade social brasileira.
Este projeto funciona como um biombo que oculta o contraste entre o que se arrecada em uma campanha de doação (menos de 27 milhões de reais, em 2017) e os bilhões que seriam necessários para garantir a toda criança brasileira, conforme prescreve a Constituição, alimentação, saúde e educação de qualidade.
Para que se tenha uma ideia de quão modestos são os seus recursos, basta dizer que essa arrecadação representa menos de 1% do lucro que obteve este ano a referida emissora de televisão. Vê-se que a Rede Globo, sozinha, poderia arcar com programas de alcance muito maior do que o atual.
Mas a Globo jamais faria doação “de verdade”. Prefere pedir a assalariados, muitos de renda modesta, que a façam, visto que o capital não pratica caridade, só busca a obtenção do lucro. De quebra, essa rede televisiva, com a chancela de seus melhores atores, consegue associar o seu nome a iniciativas supostamente avançadas, de uma empresa “comprometida com o social”.
Na verdade, a exaltação desproporcional dos resultados obtidos pelo Criança Esperança funciona sobretudo como um poderoso instrumento de alienação, a serviço da ideologia “neoliberal”.
Assim, o que procura a Rede Globo, de forma subliminar, é inculcar nos seus espectadores uma concepção minimalista do Estado, considerado necessariamente perdulário e que já nos sufoca com escorchantes impostos.
Daí essa emissora fazer crer que solução dos problemas do país passa pela “sociedade”, isto é, pelos próprios assalariados, através de iniciativas voluntaristas e não por políticas públicas que engajem o Estado como promotor do bem estar, como na Europa.
Com efeito, na França, a Alemanha e a Itália e na Escandinávia (Noruega, Suécia e Dinamarca), os grandes capitalistas e os titulares de rendas elevadas pagam elevados impostos, sendo suas fortunas, transações imobiliárias e bens de luxo pesadamente tributados.
No Brasil, com maior razão, iniciativas individuais não serão capazes de promover a garantia dos direitos fundamentais e dos serviços básicos a toda a população e sim forte imposição tributária sobre empresas e indivíduos que concentram riqueza, como nos países supramencionados.
É necessária a diminuição de impostos, mas para os pequenos e médios assalariados, e o seu aumento para os milionários, sendo inaceitável a isenção de tributos para acionistas, como ocorre atualmente.
Foram lutas sociais que impuseram, nos países supramencionados, a diminuição das desigualdades sociais. No Brasil, o desafio é de envergadura visto que as classes dominantes não aceitaram sequer, derrubando o governo petista, manter as mínimas concessões que estavam fazendo, em matéria de redistribuição de renda.
Somente um governo eleito com base em um programa claramente mudancista e firmemente comprometido com a institucionalidade democrática e a participação popular na gestão pública terá condições de exigir do capital a sua contribuição para a diminuição da desigualdade social afrontosa que envergonha o nosso país.
É esse o caminho da mudança e da esperança.
- Rubens Pinto Lyra é Doutor em Ciência Política e Professor Emérito da UFPB
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