• por Kléber Cabral
A imprensa demorou um pouco a perceber que estamos diante de uma greve preponderantemente empresarial, patronal, conhecida como locaute, muito embora haja também o envolvimento de caminhoneiros autônomos, o que ajuda a dar ares de hipossuficiência às reivindicações.
Essa greve dos caminhoneiros está no contexto de uma campanha das grandes distribuidoras de combustível: “O problema não é o posto. É o imposto”. A campanha denuncia a alta carga tributária incidente sobre os combustíveis no Brasil.
A estratégia foi impressionante. Sem combustível nos postos, empresas de transporte e os demais caminhoneiros acabam, querendo ou não, aderindo à greve.
Quando iniciaram as negociações com o governo, a situação ficou mais clara. Alguém já viu caminhoneiro fazer demanda tributária?
Curioso que a maior tributação sobre os combustíveis é o ICMS, mas não se viu pressão sobre os governadores. Isso porque, além dos tributos incidentes sobre o combustível, há interesse direto das empresas transportadoras no projeto de reoneração da folha, do qual querem ficar de fora, e manter seus benefícios fiscais. Vale lembrar que esses benefícios fiscais gozados exclusivamente por empresas, além de fazerem falta na arrecadação da Previdência Social, propiciam redução no valor do frete (das empresas) e provocam concorrência desleal com o caminhoneiro autônomo.
Desfeitas as ilusões que porventura se tinha a respeito de se tratar de um movimento genuíno de caminhoneiros autônomos, há que se reconhecer que essa reação empresarial se deu em razão de um esgotamento do modelo tributário adotado hoje no Brasil, excessivamente focado no consumo. A carga tributária sobre combustíveis sempre foi alta, mas houve aumento recente das alíquotas do PIS/Cofins sobre combustíveis (Decreto 9.101/17), com efeito na arrecadação a partir de agosto de 2017.
Vale lembrar que na ponta da cadeia estão os contribuintes de fato, os consumidores, que acabam arcando com esse pesado ônus tributário repassado no preço. Essa realidade não se dá apenas no setor de combustíveis. A tributação sobre o consumo no Brasil é das mais altas do mundo e atinge com mais intensidade as pessoas de menor renda, que dispendem seus parcos recursos basicamente no consumo de bens e serviços. Estudos do Ipea indicam que a carga tributária sobre pessoas com renda de até dois salários mínimos é de quase 50%, em razão da alta tributação sobre o consumo instituída pela União, estados e municípios (ICMS/IPI/PIS/Cofins/ISS).
Do outro lado da balança, a tributação sobre a renda no Brasil é mais baixa quando comparada com países da OCDE e, ainda, se apresenta de forma muito diferenciada entre pessoas físicas e jurídicas. Aqueles profissionais que podem se organizar como PJ, empresários em geral, e o grupo dos muito ricos têm sobre si uma tributação sobre a renda muito mais suave. Uma das razões gritantes para isso é a isenção total na distribuição de lucros e dividendos auferidos na PJ. Essa jabuticaba tributária vem aliviando, há mais de duas décadas, o peso da carga tributária sobre os ombros dos setores mais abastados da sociedade. A hipertrofia do Simples e do Presumido, e os malabarismos utilizados por empresas submetidas ao Lucro Real fazem com que boa parte dos lucros não sejam tributados nem na pessoa jurídica nem na pessoa física.
Como alguém tem que pagar a conta, tem sobrado cada vez mais ao assalariado (via não correção da tabela do IRPF) e aos consumidores em geral (via aumento de tributos indiretos) arcar com a parcela não cobrada dos mais ricos.
Uma das propostas defendidas pela Unafisco para enfrentar esse sistema tributário extremamente regressivo é o retorno da tributação sobre a distribuição de lucros e dividendos, e sobre as remessas de lucros ao exterior. Essa medida não depende de uma reforma tributária mais ampla e já teria efeitos positivos na recuperação das contas públicas no curto prazo.
Esperamos que a redução da carga tributária sobre o combustível se concretize e chegue efetivamente na ponta, no custo do transporte, no preço dos alimentos etc., promovendo, através de uma menor tributação sobre o consumo, um efeito virtuoso na economia.
Se for preciso cobrar mais impostos de alguém, que seja daqueles que efetivamente possuem maior capacidade contributiva, e que foram poupados nos últimos 20 anos. Não há espaço para mais sacrifícios da classe média assalariada e dos mais pobres, que suportam carga tributária da Dinamarca, com retorno social incomparavelmente inferior.
- • Kleber Cabral é auditor fiscal da Receita Federal e presidente da Unafisco Nacional
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