A voz não me é estranha, mesmo arranhada pelos ruídos do telefone. Luiz Mota?! É Luiz Mota.
Só faltou o entrecruzar de outras vozes, na saída para o recreio, afastadas da antiga gritaria há mais de setenta anos. Muitas zoando ainda na lembrança, mas soltas, completamente despregadas da vida dos seus donos.
Isto!… Muitos se foram, deixando a voz. A de Palmeira Guimarães, por exemplo, branda e forte, recitando uma poesia que ainda ondula nas hertzianas de outra sensibilidade.
Ah, Mota querido, como não consigo esquecer! Já arrostávamos a maturidade, eu já em declínio tentando escapar em um estágio de sanatório. Você, empresário moderno, consciente, a enfrentar na pele a queda brusca dos pilares de nossa tradicional economia. Couro, algodão, agave, tudo em baixa. E vem o golpe de 1964, esperança do empresariado, noite sem fim de idealistas de esquerda como o que sintonizava, interno, a voz de Palmeira na Rádio Nacional, a apostar nos poderes do general Dantas Ribeiro, ministro do governo das reformas.
De repente, não mais que de repente, some a voz concitativa de Palmeira. Onde estou, que foi que houve?- indago espantado, todos dormindo . E descem as trevas sobre a gente formada ou acamada nos apelos das hertzianas palmeirenses, desabando no inferno de Dante sem o salvo-conduto de Virgílio.
Vem a repressão, o dedurismo, a perseguição ideológica, mas o ódio, o ódio mesmo se restringia ao algoz da tortura, nos fundos de prisão, da gurilagem assumida na caserna. O ódio que arrasta o velho Gregório Bezerra nas ruas do Recife, mas que respeita Arraes na prisão de Fernando de Noronha. “Como o tratam?” – vai lá perguntar-lhe o general Taurino, da CGI. “Como homem”- responde Arraes, motivando uma das grandes páginas de Tristão de Ataíde, missionário dos direitos humanos.
Pois é, caríssimo Lula, que acaba de me ligar ao ler o “Era esperado”, meu escrito do último sábado. Você, que de origem e por formação há de se alinhar entre os empresários, entre os que mereceram o crédito do regime de 1964, escolhido prefeito de Campina Grande para uma gestão que a cidade não esquece. Mas você cristão, sem complexos, sem recalques, limpo de alma e de vida, sempre afeito ao testemunho do mundo. Da mesma idade e do mesmo ninho que deu asas à passarinhada da década dos 1940, dos padres Odilon Pedrosa e Emidio Viana, da qual ainda seguro algumas penas.
“Li seu artigo, Gonzaga, e assino embaixo”.
Os anos não passaram, caro amigo. Pelo menos para nós, mansos de coração, imunes aos hiatos e desgastes cívicos e morais.
- • Publicado originalmente em A União de 11 de abril de 2018
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